"É preciso saber se PS será fiel à ideia de diálogo com outros partidos", diz o Livre

O Livre considerou hoje que tem que ser o PS a dizer se continuará fiel à ideia de funcionar “em diálogo com outros partidos” mesmo com maioria absoluta, antecipando que vai pedir reuniões ao PCP, BE e PAN.

O deputado eleito pelo Livre, Rui Tavares, foi hoje o primeiro a ser ouvido pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no âmbito das audiências do chefe de Estado com os partidos que conseguiram representação parlamentar nas legislativas de domingo, tendo em vista a indigitação do primeiro-ministro.

Questionado sobre a abertura para integrar uma ‘eco-geringonça’ apesar da maioria absoluta alcançada pelo PS nas eleições de domingo, Rui Tavares respondeu que “essa pergunta tem que ser dirigida ao partido que ganhou estas eleições com maioria absoluta”.

“E que tem que se saber se [o PS] vai ser fiel a essa ideia que deu antes de que uma maioria absoluta não seria um Governo ensimesmado, mas que funcionaria em diálogo com outros partidos”, desafiou.

Sobre a estratégia parlamentar do Livre, o fundador do partido garantiu que “o Livre não falará só com o PS e não limitará as suas interações na esquerda a encontros bilaterais com o PS”.

“Pediremos - aliás fazemo-lo sempre em qualquer órgão em que o Livre esteja representado - reuniões ao PCP, ao BE, ao PAN, a todas as forças do progressismo e da ecologia porque se encontrarmos as linhas de força conjuntas destes partidos, também é muito mais difícil que o Governo não tenha de encontrar caminho para fazer e construir diálogo com estes partidos”, adiantou.

Questionado sobre se já teve algum contacto com o PS ou com António Costa depois das eleições de domingo, Rui Tavares respondeu: "para lá da mensagem de felicitações na noite eleitoral, não".

"O Livre agora - isso compete à direção do partido que está aqui representada - vai enviar os pedidos de reunião que enviamos sempre aos partidos do progressismo e da esquerda. Certamente nos próximos dias eles seguirão e tentaremos reunir com todos os que tiver disponíveis a dialogar connosco", adiantou.

Sobre se os partidos à esquerda do PS estão a fazer a análise correta do resultado das eleições, Rui Tavares começou por referir que essa interpretação cabe a cada um dos partidos.

"O Livre já tem diálogo e trabalho conjunto com BE e PCP. (...) Não será uma novidade agora. Achamos que é preciso desenvolver mais esse tipo de trabalho porque talvez uma das fraquezas à esquerda do PS naquilo que aconteceu, no colapso das negociações orçamentais, foi uma falta de articulação e contactos entre os partidos que estão à esquerda do PS", apontou.

Esta falta de articulação, segundo o deputado eleito, "pode ter levado a uma situação em que alguns se puseram de fora da solução e acabaram por colocar uma pressão muito nos outros partidos que restavam".

"Se houver mais articulação, mais diálogo antecipado e portanto uma cooperação leal e sincera entre os partidos à esquerda do PS, é melhor para todos e como vemos o eleitorado de esquerda quando vê que a esquerda diálogo, mobiliza-se e vai voltar. Quando se vê que a esquerda volta aos seus velhos hábitos que é de ser mais sectária, mais avessa a procurar soluções, aí o eleitorado de esquerda desmobiliza", alertou.

PAN espera governo disponível para diálogo e pede que honre propostas negociadas para o Orçamento

O PAN considerou hoje importante que o Governo socialista continue “disponível para o diálogo”, apesar da maioria absoluta, e pediu ao executivo para honrar as propostas negociadas com o partido no âmbito do Orçamento do Estado para 2022.

No final de uma audiência com o Presidente da República, a ainda líder parlamentar do PAN, Bebiana Cunha, disse que o partido transmitiu a Marcelo Rebelo de Sousa preocupações com “o facto de as maiorias absolutas poderem ser prejudiciais para a democracia”.

No entanto, prosseguiu, o PAN espera que o Governo do PS continue “disponível para o diálogo e para o debate democrático”.
Bebiana Cunha também lançou “um repto” ao executivo de António Costa, pedindo que “possa honrar aqueles que foram os compromissos negociados com o PAN” no âmbito da proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), que acabou rejeitada na generalidade e espoletou as eleições legislativas antecipadas.

O PAN absteve-se na votação do documento e questionada sobre se o partido voltaria a fazê-lo, a dirigente do PAN disse que para isso acontecer as propostas negociadas têm de estar vertidas no documento que vai ser apresentado.

Bebiana Cunha disse ainda que o partido transmitiu ao chefe de Estado a necessidade de começar um debate sobre a alteração do sistema eleitoral português.

“Houve quase 700.000 votos que, apesar de contribuírem para as subvenções dos partidos (ou de poderem contribuir, caso os partidos tenham obtido mais de 50.000 votos), não se traduzem em mandatos parlamentares”, sustentou, acrescentando que em percentagem o PAN “foi prejudicado em 70% dos votos”.

Se houvesse um círculo único, completou, o PAN teria “três deputados”.

“Isto traduziria melhor aquela que é a vontade dos portugueses”, advogou.

A porta-voz e deputada única eleita do PAN, Inês de Sousa Real, está em isolamento porque esteve com uma pessoa infetada e, por isso, não participou na audiência com o Presidente da República.

Com 99,13% dos resultados apurados, o PAN obteve 82.250 votos (1,53%), menos 84.608 votos do que em 2019 e perdeu dois dos três deputados que tinha.

BE alerta para os perigos das maiorias absolutas e promete oposição exigente

A coordenadora do BE, Catarina Martins, alertou hoje para os perigos das maiorias absolutas, que não deixaram “boas memórias” e “são permeáveis ao poder económico”, prometendo uma oposição “construtiva e exigente” ao futuro Governo do PS.

“O Partido Socialista teve uma maioria absoluta e, portanto, o que transmitimos ao senhor Presidente da República é que o Partido Socialista deve formar Governo. O Bloco de Esquerda estará na oposição de uma forma construtiva e exigente e com o programa que nos conhecem e o mandato com que fomos eleitos, nomeadamente nas questões do trabalho, da saúde e do clima”, disse aos jornalistas à saída da audiência de uma hora com Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém.

A coordenadora do BE reiterou que as maiorias absolutas não deixaram “boas memórias no país até hoje”, inclusivamente a última, que também foi do PS, no Governo então liderado por José Sócrates.

“Sabemos dos perigos da maioria absoluta, sabemos como as maiorias absolutas são permeáveis ao poder económico e, portanto, cá estaremos no papel exigente que o BE sempre teve e que não deixará de ter para defender o nosso país”, comprometeu-se.

Para Catarina Martins, “há um trabalho muito exigente de oposição” – “reforçadamente exigente”, acrescentou - para “garantir que o interesse público é respeitado, para proteger o país da predação das elites económicas” que têm ficado com os recursos dos portugueses.

“Essa responsabilidade é acrescida e toda a gente sabe no país que o Bloco de Esquerda é incansável sobre essa matéria”, afirmou.

Na análise da líder do BE, "o Presidente da República terá seguramente responsabilidades institucionais que existem no sistema português, que é um sistema em que tem esse equilíbrio de poderes".

"Uma maioria absoluta é uma maioria absoluta. Nós estaremos no parlamento a fazer o nosso trabalho como é normal e é assim que cumpriremos o nosso mandato", reiterou.

Sobre as prioridades para este mandato, Catarina Martins diz que será "lutar pelo país".

"E é por isso que cá estamos. O nosso mandato é claro, lutaremos pelo salário, pelas condições de trabalho, para salvar o SNS e garantir cuidados de saúde a toda a população e no país", assegurou, garantindo ainda que os bloquistas não darão "tréguas ao discurso de ódio".

A líder do BE registou ainda "tem existido uma enorme convergência nomeadamente nas matérias do trabalho e da saúde com o PCP".

PCP diz que maioria absoluta pode "fechar possibilidades reais" de convergência

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, considerou hoje que a maioria absoluta do PS pode “fechar possibilidades reais” de convergência em matérias que os comunistas dizem ser importantes para resolver os problemas do país.

“Resultante dessa própria maioria absoluta, onde o PS se sente confortado, naturalmente, pode fechar possibilidades reais de convergência”, disse o dirigente comunista, no final de uma audiência com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém, em Lisboa.

Jerónimo de Sousa acrescentou que a “indisponibilidade do PS” pode ser 'um travão' a respostas que o partido considerou como prioritárias, como, por exemplo, a revisão da legislação laboral ou a gratuitidade das creches.

“Se se confirma o objetivo do PS de fugir à intervenção, à proposta, à ação e iniciativa do PCP, designadamente na Assembleia da República, então essa via de convergência acabar por ficar, naturalmente, mais estreita”, completou, ladeado pelo ainda líder parlamentar, João Oliveira, e pela dirigente comunista Margarida Botelho.

A Coligação Democrática Unitária (CDU), da qual fazem parte o PCP e “Os Verdes”, contabilizou no domingo o pior resultado em eleições legislativas, perdendo seis dos 12 deputados que tinha desde 2019, incluindo a representação parlamentar do PEV e os dois 'pesos pesados' comunistas, João Oliveira e António Filipe.