“[O Presidente da Bielorrússia Alexander Lukashenko e o Presidente da Rússia, Vladimir Putin] são duas pessoas que sempre tiveram falsas amizades, circunstanciais, sempre se aproveitaram um do outro para garantirem benefícios. E agora Lukashenko precisa de Putin como um apoio político, e Putin encara Lukashenko como um seu representante, para indicar não ser o único que está a combater na Ucrânia, mas antes através de uma coligação de países”, assinalou.

“Podemos vez como se alterou a retórica de Lukashenko desde o início da guerra. No início eram declarações de bravura, dizendo que ele e Putin tomariam Kiev em três dias, e tendo a ‘guerra relâmpago’ falhado tenta agora alterar a sua posição, dizer que não participa nesta guerra, e pretende assumir o papel de bombeiro”, prosseguiu a ativista, 39 anos, que na quinta-feira iniciou uma visita de dois dias a Lisboa a convite do ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho.

A ex-candidata às eleições presidenciais de agosto de 2020, desde então exilada na vizinha Lituânia, denota assim uma nova abordagem da diplomacia de Minsk, mas que considera infrutífera.

“[Lukashenko] joga com os países ocidentais, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros enviou cartas onde refere a necessidade de iniciar o diálogo, mas devido a estes muitos meses de guerra [na Ucrânia], conseguimos explicar aos países que o regime bielorrusso tem características criminosas e existem diversas pessoas que representam uma nova Bielorrússia democrática em diversas organizações e pretendem mudar o regime. Assim, ninguém está a contactar com o ditador”, frisou.

A opositora, distinguida em 2020 com o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu, e que hoje tem encontros com o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, e com o presidente da câmara de Lisboa, Carlos Moedas, também denunciou um processo de “russificação” ou “sovietização” do seu país, uma ex-república soviética, destinado a impor uma uniformização cultural.

“Lukashenko é a pessoa mais pró-soviética da Bielorrússia. Durante 27 anos promoveu as escolas em língua russa. Proibiu a língua bielorrussa. Agora, ler um livro em bielorrusso pode implicar prisão”, denunciou.

“Para nós, como nação, é muito importante recuperar a nossa identidade. Em própria sempre falei a língua russa, e agora tento cada vez mais falar em bielorrusso porque lembro-me quando era nova, e usávamos palavras em bielorrusso, as pessoas consideraram que era uma proveniente do campo, uma língua campesina. Mas não podemos esquecer as nossas raízes, e os jovens falam cada vez mais em bielorrusso”.

E neste processo, mantém a esperança de uma mudança de mentalidades, e de regime, não deixando de fazer uma analogia com o “caso” português.

“Há muitos anos atrás, caso se perguntasse ao povo português se acreditavam que se veriam livres da ditadura, e respondessem ‘sim, acreditamos’, ninguém poderia responder quando, ‘mais tarde ou mais cedo’, mas estavam a lutar”, argumentou.

“É por isso que estamos agora a lutar. A nossa tarefa é prosseguir, não desistir, contrariar a intenção do regime de que estamos exaustos, e por isso é muito importante criar diversos pontos de pressão sobre o regime e apoiar a sociedade civil”.

Um combate que requer “energia”, como reforçou. “Precisamos de força para prosseguir este combate. E muitos países que na história viveram em ditadura, agora compreendem-nos. Querem ajudar e têm confiança na nossa opção democrática”.

No entanto, Svetlana Tikhanovskaia, uma antiga professora liceal e inglês, que se viu “forçada” a entrar na alta roda da política, também mantém alguma apreensão sobre a forma que os “países amigos” têm abordado a situação, em particular nos meses mais recentes.

“Sentimos a solidariedade nestes dois últimos anos, mas são as nossas pessoas queridas que estão a sofrer nas prisões, a serem humilhadas e torturadas. Sabemos que poderia ser feito muito mais, pode haver um desconhecimento do processo, mas saúdo cada passo efetuado por qualquer país para nos ajudar. Emissão de vistos, imposição de sanções, ajuda aos ‘media”, cooperação com diversas entidades, é muito importante para nós. Cada passo é significativo”, concluiu.

Bielorrússia e Ucrânia em "luta comum em duas frentes" -- Svetlana Tikhanovskaia

A Bielorrússia e a Ucrânia travam uma "luta em duas frentes", porque sem liberdade num país não haverá liberdade no outro, disse a líder da oposição bielorrussa, Svetlana Tikhanovskaia.

"Antes do início da guerra na Ucrânia lutávamos contra o regime na Bielorrússia, mas após a guerra compreendemos que também tínhamos de apoiar os ucranianos, porque os destinos dos dois países estão profundamente relacionados, porque sem liberdade na Ucrânia não haverá liberdade na Bielorrússia", indicou a ativista, 39 anos, que na quinta-feira iniciou uma visita de dois dias a Lisboa a convite do ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho.

"Por isso desencadeámos um movimento antiguerra, diversos ativistas sabotaram linhas de caminho de ferro para impedir o envio de material militar russo para a Ucrânia através da Bielorrússia e foram organizados dois batalhões para defender a Ucrânia", assinalou a principal opositora ao regime do Presidente da Bielorrússia Alexander Lukashenko, que na tarde de quinta-feira foi recebia pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

"Assim, neste momento estamos a lutar em duas frentes", prosseguiu a ativista, distinguida em 2020 com o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu, e que hoje tem encontros com o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, e com o presidente da câmara de Lisboa, Carlos Moedas.

Numa sala de um hotel de Lisboa, com ar discreto e pouco antes da deslocação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, entende-se que a líder da oposição da Bielorrússia, exilada em Vilnius há quase dois anos, foi adquirindo experiência política como candidata da oposição às presidenciais e após substituir o marido, Sergei Tikhanovsky, preso a 29 de maio de 2020.

Lukashenko, no poder desde 1994, renovou o mandato presidencial nas eleições de 09 de agosto de 2020, cujos resultados não foram reconhecidos pela oposição interna, e pelos países ocidentais, após diversas denúncias de fraude eleitoral.

Tikhanovskaya reclamou a vitória sobre Lukashenko nessas eleições presidenciais e viu-se obrigada a fugir para a vizinha Lituânia, em pleno período de repressão às massivas manifestações de protesto após a divulgação dos resultados oficias.

"A repressão nunca parou na Bielorrússia desde 2020. Todos os dias há notícias de novas prisões, até à manifestação antiguerra de 27 de fevereiro cerca de 1.100 pessoas tinham sido detidas", indica a ex-professora de inglês num liceu de Minsk, com dois filhos, e que nos dois últimos anos conheceu uma mudança radical na sua vida, na sequência do despertar inédito da sociedade civil no seu país.

"Muitos foram condenados a pesadas penas e recentemente foram aprovadas novas leis, incluindo a pena de morte por tentativa de terrorismo. Qualquer pessoa pode ser acusada de tentativa de terrorismo e estar sujeita à pena de morte. Destina-se a apavorar as pessoas", acrescenta Tikhanovskaia, que desde a sua ascensão à ribalta da política tem efetuado inúmeras deslocações a diversas capitais europeias com o objetivo de consolidar a sua rede diplomática e procurar soluções para a crise política interna.

Atualmente, e mesmo que admita existirem números contraditórios sobre o número de presos políticos no país, socorre-se do Centro de Defesa, uma organização de direitos humanos na Bielorrússia, que refere existirem 1.237 pessoas detidas. "Mas amanhã o número será mais elevado", assegurou.

Apesar da nova geração que emergiu no país com capacidade de contestação, a opositora admite que a sociedade bielorrussa permanece fraturada.

"No entanto, durante os protestos de 2020, os reformados também saíram à rua. Claro que existem pessoas pró-União Soviética, que têm nostalgia dos antigos tempos, mas cada vez mais pessoas têm acesso a informação alternativa, entendem como se vive em outros países, e que também podemos viver de forma diferente", indicou.

"Assim, é por isso que pedimos aos jovens que expliquem aos seus pais e avós a verdadeira situação da guerra na Ucrânia, etc., para que se consiga abranger toda a gente".

Numa referência à "percentagem da população bielorrussa que apoia o regime", Tikhanovskaia identifica-os como provenientes, na maioria, da 'nomenclatura' e das forças de segurança.

"Isto porque durante 27 anos [Alexander] Lukashenko conseguiu garantir um enorme poder político, as pessoas estão confrontadas com o medo, com chantagem..., mas o regime não é tão monolítico como pretender mostrar, existem constantes conflitos em diversas esferas... Cada vez mais pessoas percebem que Lukashenko não é o líder que pode liderar o nosso país e garantir a nossa independência", garantiu.

A ex-candidata presidencial, apesar de afastada do país há dois anos, sente que algo está a alterar-se, e sem retorno.

"A situação está a mudar, e a guerra na Ucrânia também está a mudar e podem surgir diversos cenários no desenvolvimento da situação", assinalou.

"Não tenho a esperança que a situação vá mudar, antes tenho a certeza que a situação vai mudar. Porque vejo que as pessoas continuam a lutar, a não desistir, e o regime de Lukashenko sente o mesmo. Não posso prever a tendência, mas sinto que em cada dia que passa, os nossos presos políticos acreditam na vida, na liberdade. A nossa primeira tarefa consiste em libertá-los".

Um desejo de libertação obviamente extensível a Sergei Tikhanovsky.

"O advogado encontra-se uma vez por semana com o meu marido e pode entregar-me alguma informação e eu envio também alguma informação, mas não podemos comunicar diretamente com ele. As crianças podem escrever cartas ao pai, e ele responde-lhes. Mas a maioria das cartas escritas para os presos políticos não lhes são entregues, para demonstrar que estão abandonados, esquecidos, convencê-los que já ninguém necessita deles", concluiu.