Na fundamentação do acórdão, a violência doméstica praticada contra a mulher é minimizada pelo facto de esta ter cometido adultério.

Os signatários da petição, que pelas 08:30, segundo a página da internet Petição Publica, já reunia 5.019 assinaturas, dizem-se “chocados com a argumentação” apresentada, manifestam repúdio, pedem ao CSM e ao Provedor de Justiça que tomem posição e apelam a uma "reflexão urgente e séria" sobre a necessidade de alterar o sistema de e/ou avaliação dos juízes, "para que casos como este sejam evitados no futuro".

“Dirigimo-nos aos órgãos adequados porque julgamos esta decisão demasiado grave e insultuosa para a sociedade portuguesa e na esperança de repor a confiança nas instituições, principais defensoras do Estado democrático que, acreditamos, vigora em Portugal”, defendem os peticionários.

No acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que manteve as penas suspensas para o marido e o amante da mulher vítima de violência doméstica, é invocada a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher.

Na decisão, que foi revelada no domingo pelo Jornal de Notícias, podem ler-se frases como: "O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte".

“Após a leitura desta argumentação ficamos a pensar se estamos realmente em 2017. Uma relação extraconjugal merece mais palavras de condenação do que o ato de sovar uma pessoa com uma moca com pregos”, questionam os signatários da petição.

No texto, os autores acrescentam: “Sabemos que a desigualdade e a subalternização das mulheres é uma realidade quotidiana da sociedade portuguesa. Mas não contávamos vê-la assim expressa de uma forma tão óbvia e tão indigna por parte de um órgão de soberania”.

Consideram que as considerações dos juízes devem ser sempre balizadas pelos valores constitucionais, como a igualdade entre mulheres e homens, e questionam: “A argumentação utilizada neste acórdão não é ela própria uma violação dos Direitos Fundamentais, remetendo para um quadro de valores discriminatório, humilhante e abusivo para as mulheres?”.

“Podem as considerações dos juízes citar a Bíblia, sendo Portugal um estado Laico? Podem as considerações dos juízes exemplificar práticas de outros países que claramente violam a Declaração Universal dos Direitos Humanos – subscrita por Portugal – e são rejeitadas pela comunidade internacional?”, questionam ainda.

A fundamentação provocou críticas de várias entidades, entre elas a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima e o próprio CSM veio dizer que os tribunais são independentes e os juízes apenas devem obediência à Constituição, alertando que as sentenças dos tribunais devem abster-se de expressões ou posições ideológicas ou filosóficas contrastantes com o sentimento jurídico da sociedade expresso na Constituição.

Lembrando que "não intervém, nem pode intervir", em questões jurisdicionais, o CSM considera, contudo, que as sentenças dos tribunais devem realizar “a justiça do caso concreto sem obediência ou expressão de posições ideológicas e filosóficas claramente contrastantes com o sentimento jurídico da sociedade em cada momento, expresso, em primeira linha, na Constituição e Leis da República, aqui se incluindo, tipicamente, os princípios da igualdade de género e da laicidade do Estado".

O órgão responsável pela gestão e disciplina dos juízes realça ainda que nem todas as "proclamações arcaicas, inadequadas ou infelizes" constantes de sentenças assumem relevância disciplinar, cabendo ao Conselho Plenário pronunciar-se sobre tal matéria.