A notícia foi avançada pelo jornal 'Expresso' e entretanto confirmada por Belém com uma nota publicada no portal da Presidência da República na Internet, na qual se lê que o chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, "devolveu, sem promulgação" este decreto à Assembleia da República.

O Presidente da República solicita ao parlamento "que pondere a inclusão de relatório médico prévio à decisão sobre a identidade de género antes dos 18 anos de idade".

Esta lei, que estabelece também o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa, foi aprovada no parlamento no dia 13 de abril, com votos a favor de PS, BE, PEV e PAN e da deputada social-democrata Teresa Leal Coelho, a abstenção do PCP e votos contra de PSD e CDS-PP.

O diploma, resultante de uma proposta do Governo e de projetos de BE e PAN, alarga aos menores com idade entre 16 e 18 anos a possibilidade de requerer um "procedimento de mudança da menção do sexo no registo civil e da consequente alteração de nome próprio", através dos seus representantes legais, sem necessidade de um relatório médico.

Com a lei atualmente em vigor, só os maiores de idade podem requerer este procedimento nas conservatórias de registo civil e é-lhes exigido "um relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também designada como transexualidade, elaborado por uma equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica".

No decreto agora devolvido ao parlamento, este procedimento mantém-se restrito às pessoas "de nacionalidade portuguesa" e que "não se mostrem interditas ou inabilitadas por anomalia psíquica".

Por outro lado, a lei aprovada no dia 13 de abril determina que "todas as pessoas têm direito a manter as características sexuais primárias e secundárias", proibindo tratamentos ou intervenções cirúrgicas que modifiquem as características corporais de menores intersexo "até ao momento em que se manifeste a sua identidade de género", exceto "em situações de comprovado risco para a sua saúde".

De acordo com a Constituição, na sequência de um veto do Presidente da República, a Assembleia da República pode alterar o diploma, ou confirmá-lo, por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, obrigando nesse caso o chefe de Estado a promulgá-lo.

Em nome do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género, o diploma agora vetado consente que, quando "se torne necessário indicar dados de um documento de identificação que não corresponda à identidade de género de uma pessoa", se possa requerer "a inscrição das iniciais do nome próprio que consta no documento de identificação, precedido do nome próprio adotado face à identidade de género manifestada, seguido do apelido completo e do número do documento de identificação".

Quanto ao "reconhecimento jurídico da identidade de género", os menores podem requerê-lo "através dos seus representantes legais, devendo o conservador proceder à audição presencial da pessoa cuja identidade de género não corresponda ao sexo atribuído à nascença, por forma a apurar o seu consentimento expresso e esclarecido".

O decreto estipula que "a pessoa intersexo pode requerer o procedimento de mudança da menção de sexo no registo civil e da consequente alteração de nome próprio, a partir do momento que se manifeste a respetiva identidade de género".

E determina que "a mudança da menção do sexo no registo civil e a consequente alteração de nome próprio realizadas nos termos da presente lei só podem ser objeto de novo requerimento mediante autorização judicial".

Marcelo pede relatório médico para mudança de sexo no registo civil até 18 anos

Segundo a nota publicada no portal da Presidência da República, o chefe de Estado "enviou uma mensagem à Assembleia da República, em que solicita que pondere a inclusão de relatório médico prévio à decisão sobre a identidade de género antes dos 18 anos de idade".

"A razão de ser dessa solicitação não se prende com qualquer qualificação da situação em causa como patologia ou situação mental anómala, que não é, mas com duas considerações muito simples. A primeira é a de que importa deixar a quem escolhe o máximo de liberdade ou autonomia para eventual reponderação da sua opção, em momento subsequente, se for caso disso. O parecer constante de relatório médico pode ajudar a consolidar a aludida escolha, sem a pré-determinar", argumenta o Presidente.

Por outro lado, o chefe de Estado sustenta que, "havendo a possibilidade de intervenção cirúrgica para mudança de sexo, e tratando-se de intervenção que, como ato médico, supõe sempre juízo clínico, parece sensato que um parecer clínico possa também existir mais cedo, logo no momento inicial da decisão de escolha de género", acrescentando: "Hipoteticamente, poderia haver uma escolha frustrada, ao menos em parte, pelo juízo clínico formulado para efeitos de adaptação do corpo à identidade de género, quando tal for a opção".

Marcelo Rebelo de Sousa afirma que, "tal como em solicitações anteriores dirigidas à Assembleia da República", também em relação ao presente diploma "não fez pesar – como nunca fará – na apreciação formulada a sua posição pessoal", que neste caso, adianta, "é idêntica à do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida".

O Presidente da República refere que o pedido para que se inclua na lei a necessidade de um relatório médico para os menores de 18 anos "fica muito aquém da posição do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida, que é mais rigorosa em termos de exigências, num domínio em que a inovação introduzida está longe de ser consensual quer na sociedade, quer nos próprios decisores políticos".

Na mensagem enviada ao parlamento, Marcelo Rebelo de Sousa ressalva que "compreende as razões de vária ordem que fundamentam a inovação legislativa, que, aliás, cobre um universo mais vasto do que o dos menores trans e intersexo", mas "solicita, apesar disso, à Assembleia da República que se debruce, de novo, sobre a presente matéria, num ponto específico – o da previsão de avaliação médica prévia para cidadãos menores de 18 anos".

"É aliás o próprio legislador a reconhecer que a mudança de menção de sexo e alteração de nome próprio não podem ser consideradas, numa perspetiva intertemporal, como inteiramente livres, já que prevê uma decisão judicial para uma eventual segunda alteração", aponta.