“O processo de votação foi fraturante para várias regiões e blocos de países, mesmo para aqueles que dispõem de instrumentos definidores de política externa comum, como a União Europeia, o que devia convidar os atores políticos cabo-verdianos a dar prova de moderação acrescida, análise mais serena, ao invés de se utilizar este voto como arma de arremesso”, disse, em conferência de imprensa, no Palácio das Comunidades, na Praia.
“O interesse nacional obriga a isso”, assinalou.
O líder da política externa cabo-verdiana falava depois de o Presidente da República, José Maria Neves, ter referido na terça-feira que não entendeu a abstenção numa matéria em que “o que estava em causa era um cessar-fogo humanitário para abrir corredores de assistência a civis” em Gaza.
Também o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), oposição, classificou a abstenção como um ato de “autoisolamento diplomático”, sobretudo no contexto da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
O ministro dos Negócios Estrangeiros disse hoje que “Cabo Verde tem facilitado as ações humanitárias a favor do povo palestiniano”, nomeadamente “autorizando pedidos de sobrevoo e aterragem de aeronaves com este fim”.
“É essencial que tudo seja feito para que a ajuda humanitária bilateral e multilateral continue a beneficiar os civis palestinianos e Cabo Verde vai continuar a facilitar o transporte de ajuda humanitária com direção ao povo palestiniano”, disse.
“Não confundimos de forma alguma o povo palestiniano com o Hamas, mas também não podemos aceitar leituras enviesadas, parciais do conflito”, acrescentou Rui Figueiredo Soares.
O país absteve-se, tal como outros, por considerar a resolução “demasiado parcial, sem uma única palavra aos ataques do Hamas de 07 de outubro”, justificou.
Cabo Verde foi ainda um dos países que votou a favor de uma emenda sugerida pelo Canadá, para que fossem incluídas referências aos ataques e à tomada de reféns, mas a proposta foi recusada.
Assim, a abstenção cabo-verdiana reflete “a coerência com a posição de condenação inequívoca dos hediondos ataques de 07 de outubro” e com a “posição de princípio de sempre, de que todo e qualquer ato terrorista deve ser condenado”.
O Presidente cabo-verdiano apelou na terça-feira a uma maior concertação sobre este tipo de posições externas.
Rui Figueiredo Soares referiu hoje que “compete ao Governo definir e executar a política externa”, bem como assumir a “responsabilidade dos seus votos”.
“Na base do bom entendimento institucional com todos os órgãos de soberania, nomeadamente com o Presidente da República, que também tem intervenções em matéria de política externa, era um ponto na agenda, o de se informar [o chefe de Estado] sobre o sentido de voto”, referiu.
“Mas não deve haver, no nosso sistema de governação, articulação ou concertação para se votar num sentido ou noutro, há informação que nós prestamos na devida altura”, acrescentou, remetendo para encontros semanais que mantém com José Maria Neves.
A Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou na sexta-feira, com 120 votos a favor, uma resolução que apela a uma “trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada” em Gaza e à rescisão da ordem de Israel para deslocação da população para o sul do enclave.
Votaram contra este texto países como Israel, Estados Unidos, Áustria ou Hungria e, entre os países que se abstiveram, estão Ucrânia, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Iraque e Albânia.
Vários países lamentaram que a resolução não tenha referido o direito de Israel a se defender e não tenha condenado diretamente as ações do Hamas.
Mais de 8.500 pessoas foram mortas e milhares de outras ficaram feridas nos bombardeamentos com que Israel retaliou o ataque desencadeado pelo Hamas, considerado como uma organização terrorista por Israel, Estados Unidos e União Europeia e que controla Gaza desde 2007, quando expulsou do território o partido Fatah, que governa a Cisjordânia.
Israel tem lançado ataques aéreos contra Gaza desde 7 de outubro, quando militantes do Hamas atacaram aldeias e postos militares israelitas, matando cerca de 1.400 pessoas e fazendo 240 reféns.
As forças israelitas também intensificaram as suas operações na Cisjordânia, ocupada desde a guerra árabe-israelita de 1967.
De acordo com o Ministério da Saúde com sede em Ramallah, pelo menos 122 palestinianos foram mortos por forças israelitas ou por colonos na Cisjordânia desde 7 de outubro.
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