O que aconteceu?
Filipe Anacoreta Correia, vice-presidente da Câmara de Lisboa, confirmou hoje que as alterações na coordenação da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) são para que o município assuma o contacto direto com a Igreja.
Isso significa a exclusão de José Sá Fernandes, o coordenador do grupo nomeado pelo Governo, das conversas com o interlocutor religioso.
Mas porquê?
Perante a controvérsia contínua à volta dos custos que o Estado, a Igreja e a Câmara Municipal de Lisboa vão assumir na realização da JMJ, Carlos Moedas fez afirmações na noite de segunda-feira que praticamente foram como que um murro na mesa.
“O coordenador sou eu. Eu vou coordenar diretamente tudo aquilo que será feito a partir de agora”, frisou o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, à entrada para a Conferência "Poder local, PRR e Descentralização" em Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto.
Ora, mesmo que indiretamente, a frase parecia significar um potencial afastamento de José Sá Fernandes, que foi também vereador dos Espaços Verdes durante o executivo de Fernando Medina. Hoje, a CML confirmou–o.
Como?
Durante a reunião da Assembleia Municipal de Lisboa que decorreu durante a tarde.
"Quando o presidente da câmara [Carlos Moedas] diz ‘eu agora é que coordeno’, o que está a dizer é que nós não aceitamos mais pretensos coordenadores que não fazem nada e que não ajudam a resolver nada. A câmara municipal é que coordena, a câmara municipal é que vai fazer”, afirmou o vice-presidente da Câmara de Lisboa no debate para declarações políticas.
“Não ajudam a resolver nada”? De onde vem esta acusação?
No meio das polémicas com o preço do altar-palco a ser construído no Parque Tejo, Sá Fernandes fez declarações à agência Lusa que terão certamente caído mal ao executivo camarário, dizendo ter ficado surpreendido com o valor previsto para a construção, garantindo que existiam soluções “mais baratas.”
“A versão que nós tínhamos deixado do altar, as pessoas não gostaram. Estão no seu direito. Há uma segunda versão que foi feita pela SRU [Sociedade de Reabilitação Urbana] que não exigia mais fundações. E, de repente, aparece esta, que exige fundações. E, portanto, fiquei surpreendido porque a solução é muito mais cara”, apontou o coordenador do grupo de projeto para a JMJ.
Além disso, Sá Fernandes desmentiu Carlos Moedas depois de este afirmar que a câmara tinha “começado do zero” na preparação do evento.
“Quando dizem que não foi feito nada no passado, bom, foi feita a coisa mais importante que era lançar um concurso público para esta empreitada. Esta empreitada já previa a plataforma onde ia assentar o palco. Ou seja, a plataforma dos tais cinco mil metros quadrados para suportar o altar”, afirmou José Sá Fernandes, insistindo que existiam “estudos prévios para as coisas”, mas foi escolhida “outra solução”. “Portanto, o problema está sempre na solução”, sublinhou.
A Câmara Municipal de Lisboa tem o poder para afastar Sá Fernandes?
Não, como o próprio Anacoreta Correia viria a admitir.
“O Governo nomeou um coordenador para a Jornada Mundial da Juventude, assim chamado, e ele vai ficar em funções — o Papa sai em agosto —, mas esse coordenador vai ficar até dezembro de 2024, mais um ano e meio. Seguramente, ficará para trabalhar, para apresentar contas, apresentar relatórios. Chamaram a isso transparência”, atirou.
O intuito será, assim, o de diminuir o quanto possível o papel de Sá Fernandes nas negociações. “Realmente, um processo onde há tanta gente, pretensos porta-vozes de projetos que em nada acrescentam, a câmara municipal tomou uma deliberação e seremos nós a coordenar aquilo que depende da câmara municipal com a Igreja, falando com a Igreja, resolveremos estes assuntos”, afirmou o vice-presidente da câmara.
O que mais foi discutido esta tarde?
A oposição em Lisboa acusou o executivo, sobretudo, de ter falta de transparência no processo, o que Anacoreta Correia negou.
Aos deputados municipais, o vice-presidente da Câmara de Lisboa assegurou “toda a informação e toda a transparência”, referindo que essa prestação de contas do executivo municipal sobre a JMJ chegará antes do trabalho da equipa de José Sá Fernandes: “Não iremos esperar tanto tempo, não se preocupem, mas não me venham com pedidos repentinos”.
Esta declaração surgiu em resposta aos pedidos da deputada do BE Isabel Pires, que considerou “essencial” ter toda a informação sobre a JMJ e “absolutamente justificável” os sentimentos de “estupefação e indignação” sobre o custo do altar-palco no Parque-Tejo, contratado por ajuste direto por 4,2 milhões de euros, lembrando que para habitação municipal o executivo prevê cerca de 42 milhões de euros para quatro anos e para um evento que durará uma semana está disponível para gastar até 35 milhões de euros.
“Não podemos continuar a ter informação que sai aos poucos na comunicação social”, reforçou a bloquista, considerando que a liderança PSD/CDS-PP no executivo “tem sido muito pouco transparente neste processo”.
Do grupo municipal do PS, Manuel Lage apoiou as críticas do BE sobre a falta de acesso à informação da JMJ e acusou o executivo de “desnorte”, interpretando as recentes declarações do presidente da câmara, Carlos Moedas (PSD), relativamente à coordenação do evento como uma nova alteração da delegação desta competência, que já tinha sido retirada da alçada da ex-vereadora Laurinda Alves para passar para Anacoreta Correia: “Um pelouro que salta de um lado para o outro”.
Portanto, a questão do custo vai continuar na ordem do dia?
Sim. Moedas voltou ontem a defender que a CML não vai gastar mais do que o acordado, dos 35 milhões de euros, adiantando também ter pedido uma revisão dos preços.
“Eu pedi ainda hoje a todos que olhem novamente para os preços, que olhem novamente para todos os projetos”, afirmou o social-democrata.
O autarca revelou ter dado ordem aos engenheiros e àqueles que estão a trabalhar todos os dias para rever “tudo aquilo que podem” nos projetos, mas dentro “daquilo que é necessário”. Contudo, o social-democrata garantiu que não abdica da segurança.
E acrescentou: “nós temos de ter palcos com segurança, palcos que tenham realmente a capacidade de ter tudo aquilo que são os critérios de segurança para um evento como este”.
Já se sabe quanto vai custar tudo?
Ainda não — e, como aconteceu noutros projetos de grande dimensão, sujeitos a derrapagens e despesismo, é provável que só saibamos depois do evento.
A estimativa mais recente da Igreja Católica, do Governo e dos municípios de Lisboa e Loures é de que vão ser gastos 155 milhões de euros para organizar a JMJ.
Perante a potencial fatura avultada, têm sido levantadas questões, como por exemplo se a JMJ não podia ter sido organizada em Fátima, onde há já infraestruturas para a congregação de fiéis.
E podia?
O Santuário de Fátima disse ao SAPO24 que haveria "limitações" que tornavam tal proposta inviável.
“Não seria, nem do ponto de vista da capacidade do recinto, nem do ponto de vista logístico, possível fazer uma Jornada Mundial da Juventude no Santuário de Fátima”, afirmou Carmo Rodeia, diretora do Gabinete de Comunicação do Santuário, a Alexandra Antunes.
“Estamos habituados a receber multidões - entre 2010 e 2020 estabilizamos o número anual de peregrinos entre os 6 e os 6,5 milhões -, mas nunca conseguimos num só dia ter os números que uma Jornada Mundial da Juventude mobiliza e, em particular, os números que a organização da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa equaciona para a semana de 1 a 6 de agosto”, garante.
*com Lusa
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