Um dia, Ihor Homenyuk chegou a Lisboa — e foi morto. Três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) foram hoje acusados pelo Ministério Público de homicídio qualificado. Serão eles os responsáveis pela morte deste cidadão ucraniano, a 12 de março, no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa. Segundo uma nota da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa (PGDL) os inspetores do SEF são também acusados de detenção de arma proibida.
Trata-se de Bruno Sousa, Duarte Laja e Luís Silva — três inspetores que estão em prisão domiciliária desde a detenção a 30 de março. Terão morto Ihor Homenyuk depois de ele tentar entrar ilegalmente em Portugal, por via aérea, a 10 de março. A nota da PGDL indica que “ficou suficientemente indiciado” que, em março deste ano, um cidadão ucraniano foi conduzido à sala do Estabelecimento Equiparado a Centro de Instalação, no Aeroporto de Lisboa, para aguardar pelo embarque num voo com destino a Istambul, tendo-se recusado a fazê-lo.
Perante a agitação que supostamente apresentava, Homenyuk acabou por ser isolado (na sala dos médicos do mundo) dos restantes passageiros estrangeiros, onde permaneceu até ao dia seguinte, tendo sido “atado nas pernas e braços”, mas acabou por ficar "apenas imobilizado nos tornozelos”. Os inspetores acusados dirigiram-se à sala onde estava o cidadão, tendo-lhe algemado as mãos atrás das costas, amarrado os cotovelos com ligaduras e desferido um número indeterminado de socos e pontapés no corpo, refere também a nota.
“Com o ofendido prostrado no chão, os arguidos, usando também um bastão extensível, continuaram a desferir pontapés, atingindo o ofendido no tronco. Ao abandonarem o local os arguidos deixaram a vítima prostrada, algemada e com os pés atados por ligaduras”, refere a acusação. Horas depois, e depois de a vítima não reagir, acabou por ser acionado o INEM e uma viatura médica de emergência, tendo o médico de serviço da tripulação verificado o óbito do cidadão ucraniano.
Segundo o Ministério Público, as agressões cometidas pelos inspetores do SEF, que agiram em comunhão de esforços e intentos, provocaram a Ihor Homenyuk “diversas lesões traumáticas que foram causa direta” da sua morte.
Entretanto, na terça-feira a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) decidiu instaurar mais oito processos disciplinares a elementos do SEF na sequência do inquérito que apurou as circunstâncias da morte do cidadão ucraniano. Além dos oito processos disciplinares agora instaurados pela IGAI, já tinham sido abertos procedimentos disciplinares ao diretor e subdiretor de Fronteiras de Lisboa, ao Coordenador do Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária (EECIT) do aeroporto, bem como aos três inspetores SEF agora acusados.
O caso da morte de Ihor Homenyuk levou à demissão do diretor e do subdiretor de Fronteiras do aeroporto de Lisboa pela diretora do SEF, Cristina Gatões. Para além disso, o centro de instalação temporária do SEF no aeroporto de Lisboa está encerrado para obras desde abril.
Algo vai mal quando um homem é morto assim. Algo vai mal quando são as autoridades a matar um homem assim. Ilícito nenhum, em Portugal, resulta na aplicação de pena de morte. Ihor foi condenado, numa sala do maior aeroporto português, por ter chegado a Lisboa e se recusar a sair.
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