A história desta família dilacerada pelo conflito, contada à AFP pelas irmãs, ilustra a falta geral de apoio na Rússia à campanha militar de Vladimir Putin e dá uma ideia do custo humano para a Rússia, algo que Moscovo minimiza.

Fisicamente, o seu pai "não mudou, mas a guerra obviamente teve um impacto no seu estado mental", diz Anastassia Grigorieva, uma jovem tímida com piercings faciais, como a sua irmã Elizaveta.

A família mora em Pskov, uma cidade na zona oeste da Rússia, conhecida pela sua história medieval. Pskov também é a guarnição da 76ª Divisão Aerotransportada russa, a do pai das irmãs Grigorieva.

Em janeiro, dizem, o pai anunciou que sairia por alguns dias para participar em manobras na Bielorrússia. Voltou seis meses depois, depois de participar no ataque maciço ordenado por Putin.

Chocadas, as duas irmãs protestaram quase sozinhas a 6 de março no centro de Pskov, com uma faixa que dizia "Paz na Ucrânia, Liberdade na Rússia", pela qual a polícia as prendeu.

Foram levadas para a esquadra, ameaçadas de prisão, libertadas, vigiadas em casa por soldados e depois na escola pelos seus professores. Em julho, foram multadas em 20.000 rublos (328 euros) por "organizar" uma manifestação não autorizada.

Durante este período, o pai, um suboficial, estava a lutar na Ucrânia. A sua divisão participou da Batalha de Kiev, onde a resistência ucraniana forçou a retirada russa do norte do país no final de março.

O meio de comunicação de jornalismo de investigação russo "Important Stories" revelou que membros da 76ª Divisão Aerotransportada de Pskov estavam presentes em Bucha, na periferia de Kiev, durante a execução de civis. Moscovo nega a versão.

As irmãs Grigorieva perguntam-se se o seu pai cometeu crimes. "Ele diz que não matou ninguém", sublinha Elizaveta. "Mas a guerra em si é um crime", diz Anastassia. "Sim, participar ou apoiar a guerra é crime", conclui Elizaveta.

Em maio, o pai de 43 anos iniciou os procedimentos administrativos para voltar da frente de batalha. Em meados de junho, foi retirado por "razões de saúde" e agora passa por um procedimento para ser desmobilizado após cerca de 20 anos de serviço.

Como militar, não pode falar publicamente sem autorização, sob pena de pesadas sanções. Mas neste verão, durante os seus muitos dias taciturnos no seu apartamento ou casa de campo, as suas filhas dizem que confidenciou os seus tormentos.

"Ele esteve nos lugares mais quentes, sob bombardeamentos. Moralmente não está bem. Como ele disse, ficar seis horas sob os mísseis tem um efeito muito grande, tantos mortos. Ele precisa de se curar", diz Elizaveta. "Esse stress mudou a sua visão do mundo, ele perdeu homens, viu cadáveres em todos os lugares", acrescenta.

A filha descreve-o como agressivo nos últimos tempos e afirma ter tido muitas lutas. As duas irmãs dizem que ele não recebe atenção psicológica. Elizaveta teme que o retorno de outros soldados traumatizados cause mais descontentamento e criminalidade na Rússia.

Em agosto, as duas jovens deixaram a casa da família e mudaram-se para um apartamento que encontraram com a ajuda de uma organização feminista. Ambas vivem em parte de doações recebidas por meio de um sistema de crowdfunding online para pagar a sua multa. No entanto, não querem romper com os seus pais.

"Amamos o nosso pai, não vamos negar a nossa família", diz Elizaveta, embora admitam que se têm distanciado e evitado falar com ele sobre o conflito.

Segundo as filhas, o pai e a mãe, de 38 anos, não têm interesse em política, como muitos russos desiludidos. Pelo contrário, elas afirmam ter desenvolvido uma fibra militante muito cedo com os vídeos do opositor preso Alexei Navalny.

As irmãs Grigorieva juram que permanecerão ativas na oposição. Dizem que "não têm medo" da prisão e admiram a "força" dos ucranianos perante da violência extrema. E embora, às vezes, falem com uma voz incerta, pontuada por risos nervosos, algumas coisas são muito claras. "Somos liberais", diz Elizaveta, "criticamos o poder, devemos construir a democracia em casa".