Apesar do calor, numa sala do segundo piso da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), um grupo de alunos juntou-se para discutir a abstenção com Sofia Colares Alves, chefe da representação da Comissão Europeia em Portugal. A iniciativa foi organizada na tarde de uma terça-feira pela associação de estudantes daquela faculdade e pelo Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais.
Longe de cheia, na sala comprida juntaram-se jovens ávidos de ouvir a “doutora Sofia Colares Alves”, como lhe vão chamando sempre que a ela se dirigem. A caminhada para a eleição de um novo Parlamento Europeu é feita a passo rápido e a abstenção, ou seja, a percentagem de eleitores que fica em casa, é o ponto da discussão.
Para estes jovens, há uma indiferença pela União Europeia — mas também o desconhecimento sobre quanto da comunidade tem impacto no país.
“Não sou ateniense, nem grego, sou um cidadão do mundo”. Isto há de ter dito Sócrates. Não o ex-primeiro-ministro, mas o da Grécia Antiga (ou do mundo antigo, para que se faça justiça às palavras). Está escrito nos azulejos da estação de metro da Cidade Universitária, em Lisboa. Hoje, estes jovens universitários do Porto, são tanto da Invicta como de Lisboa. Tanto de Portugal como da Grécia. Da Polónia, da Holanda; de Espanha ou de França — da Europa ou do mundo.
Mas quem são os jovens que votam nestas Europeias? Já fora da Faculdade de Letras, o SAPO24 perguntou a seis destes os motivos que os levam às urnas, bem como aquilo que acham do que é ser europeu. Se uns acreditam que o voto é tanto um direito como um dever, outros acham-no essencial, nem que seja para reclamar.
Inês vem de uma família transnacional, nem é portuguesa, nem italiana — é europeia
Quando lhe perguntamos se é portuguesa ou europeia, Inês dispara logo na resposta: europeia. Filha de pai italiano e mãe portuguesa, a jovem frequenta o mestrado em Ciência Política da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estando a preparar uma dissertação em torno da União Europeia.
“Fui criada exatamente com a ideia de que estes são os lugares de onde venho, não quem eu sou. Sou europeia e ser europeu é ser de algo muito maior que nós. E isso é muito libertador”, diz a jovem ao SAPO24.
“O facto de podermos dizer que somos europeus, quer dizer que Portugal faz parte de nós; Itália faz parte de nós. É de onde eu venho, foram os países que me construíram, mas o que está em Varsóvia faz parte de quem eu sou e o que está em Inglaterra também faz parte de quem eu sou”, acrescenta Inês.
Apesar disso, foi só depois da experiência Erasmus, de sair porta fora para estudar longe do Porto que Inês se apercebeu de uma “identidade europeia”. “Foi a primeira vez que eu entendi quem são os outros europeus — e é isso que é a União Europeia e que eu acho que às vezes as pessoas não entendem: são as pessoas e o facto de a UE ser um espaço no mundo onde as pessoas podem ser efetivamente livres; é um espaço aberto a todos”.
Todos, são mesmo todos, inclusive os críticos, relembra a jovem: “o Parlamento Europeu não barrou a entrada a Nigel Farage [defensor do Brexit], por muito que certamente ele irrite muitos eurodeputados”.
"Aquilo que me faz ir para a frente [votar], é pensar que a União Europeia não é Bruxelas, não é Estrasburgo — somos nós”, resume.
"Essencialmente sinto-me muito representada pela Comissão, exatamente porque a Comissão tende a ser mais neutra e não está ali a defender o interesse de um país ou de alguns países, mas a defender interesses de um grupo”, explica.
Inês diz ainda que gostava que “existissem partidos transnacionais”. O caminho ainda está longe, mas a jovem acredita que “é algo que se vai conseguir devagar, com os anos, com uma nova geração de políticos que há de chegar”.
“A União Europeia criou um espaço para toda a gente falar; deu um espaço a todos os países para discutir, debater e resolver os problemas que às vezes existem. Ainda há pouco tempo vimos a situação de Itália e França, que tiveram uns problemas ali com a fronteira. A União Europeia dá-lhes uma oportunidade de debaterem, de falarem, de terem um diálogo construtivo. Isto é algo que dantes não existia”, conta.
Bruno é português há um ano e vai votar pela primeira vez numas Europeias
Vota desde que pode. Começou aos 16 anos, idade em que o voto é permitido no Brasil, de onde vem. Desde o ano passado que é português e este domingo vai votar pela primeira vez como tal. Português e europeu, vota porque “a União Europeia precisa de gente que defenda aquilo que supostamente constitui a União Europeia”.
“Em Portugal fomos ocupados pela União Europeia; nós não entrámos na UE, a UE é que entrou em Portugal”, afirma o estudante de mestrado da Universidade do Porto.
Bruno diz que não acredita tanto “na força do voto como as pessoas normalmente defendem”. Ainda assim, considera ser uma forma de os cidadãos se manterem atentos à vida política.
Gabriela estuda e trabalha, mas vota na mesma
É o dever de cada cidadão. Para Gabriela, não há volta a dar: o voto é um direito, tal como uma obrigação. A jovem estudante de mestrado na Universidade do Porto diz, porém, não acreditar que esse voto tenha assim tanto peso em Bruxelas: "Sinceramente, penso que não", assume ao SAPO24. "Penso que seja irrelevante numa perspetiva geral", conclui.
Catarina confia nos eurodeputados, mas acha que no Parlamento é cada um por si
Para Catarina, engenheira a fazer o mestrado em Multimédia da Universidade do Porto, o importante é fazer a opinião contar. É por isso que vota, “mesmo que no fundo acreditemos que é uma gota num oceano”. Porém, afirma, “votar marca uma posição, mostra que vivemos para além de nós próprios e que nos interessamos pelo bem-estar comum.”
“E, claro, se não votarmos, mais tarde não podemos andar a reclamar com os que chegaram ao poder, porque o nosso voto podia ter tombado a balança noutro sentido, mas também temos de votar com consciência e responsabilidade”, alerta a jovem.
Catarina confia em quem a representa em Bruxelas, até porque, “se vivermos desconfiados de tudo e de todos a nossa vida não anda para a frente”. Ainda assim, diz não acreditar que os eurodeputados “sejam capazes de tomar decisões sem se deixarem influenciar”.
Critica ainda as prioridades: “o foco deles não está no que realmente precisa de ser mudado de uma forma uniforme por toda a Europa, o Parlamento Europeu devia preocupar-se pelo bem de todos os cidadãos europeus, mas acho que cada país representado está a tentar lutar por si”.
A jovem portuense sente-se mais “europeia ou até mesmo mundial” do que portuguesa. “Adoro o meu país, mas Portugal não é capaz de agarrar a mão-de-obra qualificada que tem e eu não me imagino a estagnar profissionalmente ao fim de cinco anos e fazer o mesmo durante os próximos 40. É preciso haver colaboração entre os países para que possamos aproveitar o que cada um tem de melhor”, afirma.
Francisco vota porque é um dever de cidadania
"É o dever do cidadão votar", justifica o jovem quando questionado sobre o porquê de ir votar este domingo. Para ele, ainda que o voto não tenha impacto individualmente, "a longo prazo", tem impacto direto e indireto, nem que seja "por fazer descer a taxa de abstenção", explica ao SAPO24.
Se um dia fosse eleito eurodeputado, "tentaria sugerir maior claridade nos assuntos europeus e fomentar uma cultura europeia na informação", mas também "maior investimento e responsabilização em órgãos de informação e de certificação", enumera.
Marco vota, mesmo não acreditando nos candidatos
"Só podemos contestar se votarmos, quanto mais não seja para dizer que está tudo mal", atira Marco. Vai votar, e acredita que "todos contam" no que toca a votos.
As crenças são menores quando olha para os candidatos a eurodeputados, considerando-os "completamente desligados" e desfasados da realidade.
Joana não vai votar, mas sente a Europa na mesma
Joana não vai votar. Está a estudar no Porto e perdeu a oportunidade de votar antecipadamente. O final do semestre impede-a de ir a Leiria exercer o direito de voto. Porém, "num plano básico e muito simples", diz ser "uma pessoa que acredita na união e na colaboração, porque assim conseguimos chegar onde não conseguimos sozinhos", conta ao SAPO24.
"Acredito mesmo nesse poder e nessa pluralidade, e tal aplica-se a tudo, desde trabalhos de grupo, a empresas, à política em si".
E essa pluralidade marca-a: "Eu nasci portuguesa e nasci num Portugal já inserido na União Europeia. E sinto isso mesmo na minha identidade".
Nem tudo é como podia ser. Mas, precisamente por isso, há que lutar para que se torne nalguma coisa mais próxima, defende: "Se a União Europeia é perfeita? Não, mas isso não é razão para desistirmos dela, é razão para lutarmos por ela e fazermos dela aquilo que queremos que ela seja".
Votar como eles
Tal como a Inês, o Bruno e a Catarina, milhões de europeus decidem este domingo a futura composição do Parlamento Europeu. A votação arrancou nalguns países já no passado dia 23 e termina hoje.
Um conjunto de alterações às leis eleitorais entra em vigor pela primeira vez este domingo. Uma dessas alterações passa pela eliminação do número de eleitor, bastando agora, no momento da votação, apresentar o documento de identificação civil (Cartão de Cidadão, Bilhete de Identidade ou outro documento oficial de identificação civil).
Estas alterações levaram a que os cadernos eleitorais passassem a estar por ordem alfabética. “Em todos os atos eleitorais ocorrem alterações aos cadernos eleitorais”, diz um comunicado do ministério da Administração Interna (MAI) divulgado esta semana. “Seja por força de alteração de residência, por reagrupamento de eleitores e, agora, pela sua organização por ordem alfabética”, esclarece a mesma nota.
“Esta alteração não implica, em regra, a alteração do local de voto, mas ela ocorrerá em alguns postos de recenseamento”. E, por isso, o MAI recomenda que confirme onde o local de voto — tarefa que pode ser feita facilmente através de diversas vias:
Por mensagem escrita de telemóvel: enviando um SMS para o serviço gratuito 3838 com a mensagem “RE (espaço) número CC ou BI (espaço) data de nascimento (AAAAMMDD)” – ano mês dia, tudo junto.
Pode ainda consultar essa informação no Portal do Recenseamento, em www.recenseamento.mai.gov.pt, ou usar a aplicação MAI Mobile (“Saiba onde irá votar”).
Em alternativa, pode sempre recorrer à Junta de Freguesia.
Évora: projeto-piloto de voto eletrónico presencial
Em Évora, tudo será diferente. Com o projeto-piloto de voto eletrónico presencial, estarão disponíveis 50 mesas de voto eletrónico em 23 freguesias dos 14 concelhos do distrito de Évora, “que vão funcionar em simultâneo com as mesas de voto tradicional”.
Assim, “qualquer eleitor do distrito de Évora pode exercer o seu direito de voto numa das 50 mesas de voto eletrónico, já que os cadernos eleitorais do distrito estão desmaterializados, garantindo a unicidade do voto (um eleitor – um voto)”, indica também o MAI.
No domingo passado, 19 de maio, decorreu o voto antecipado em mobilidade. 76% das 19.584 pessoas inscritas votaram em todas as capitais de distrito e nas ilhas das regiões autónomas, num processo demorado e que recebeu críticas, nomeadamente do presidente da câmara do Porto, Rui Moreira.
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