No início de junho, Nigel Farage estava otimista, vinha aí Boris, o "novo Churchill", como lhe chamou. Depois, quando Johnson chegou a primeiro-ministro, o líder do Partido do Brexit disse que estava aberto a um pacto eleitoral com Partido Conservador, desde que Boris Johnson esteja a sério quanto ao Reino Unido deixar a União Europeia a 31 de outubro. Agora, garante que terá de haver eleições gerais antecipadas e que Boris Johnson não vai chegar a lado nenhum no Brexit, quanto mais não seja, porque Michel Barnier, o responsável europeu pelas negociações do Brexit, não vai ceder um milímetro. "Penso que Boris não conseguirá mais dos que algumas mudanças cosméticas".

As eleições terão de ser convocadas, garante, se Boris Johnson quiser uma saída sem acordo, de forma a mudar a aritmética na Câmara dos Comuns. Quanto ao eventual acordo entre os dois partidos, não deixa de ser curioso, uma vez que ao mesmo tempo que coloca essa possibilidade, Farage afirma não acreditar numa única palavra vinda do Partido Conservador: "Theresa May disse-nos 108 vezes que íamos  sair a 29 de Março e não saímos, por isso, só porque Boris afirma que vamos sair a 31 de outubro, não quer dizer que vamos".

Entre toques de chamada para a sessão plenária, espero no corredor que alguns jornalistas ingleses terminem as suas perguntas ao deputado Farage, tão afastada quanto possível para não incomodar, perto o suficiente para ouvir não as perguntas, mas excertos das respostas, sobretudo interjeições como "Mayday, mayday", entre sonoras gargalhadas. E no final esta frase: "Esta é a velha ementa. Lenine costumava dizer: pior é melhor". Não sei a que propósito veio, mas a primeira pergunta foi sobre a escolha da véspera. Explicou o processo em 15 segundos.

Os grandes países do norte da Europa assumiram o controlo de tudo. Como paliativo para países como o seu, vamos ter um italiano como presidente do PE, sem qualquer poder

É alemã, a nova presidente da Comissão Europeia: Ursula von der Leyen. Não é uma spitzenkandidat [cabeça-de-lista de um dos grupos do Parlamento Europeu]...

O que aconteceu durante a noite foi muito simples: os grandes países do norte da Europa assumiram o controlo de tudo. Como paliativo para países como o seu e outros do sul, vamos ter um italiano como presidente do Parlamento Europeu, sem qualquer poder real. Se eu fosse um dos países aparte da Zona Euro, iria olhar para o que se passou em Bruxelas ontem à noite e ficaria muito perturbado.

Não pude deixar de o ouvir dizer que isto é quase pior do que estar na prisão.

Estava a ser um pouco provocador...

Não lhe parece que se tem comportado um pouco como uma criança traquina?

Tenho-me portado muitíssimo bem, obrigado. Tenho um sorriso, tenho uma gargalhada, que teria onde quer que estivesse na vida. Repare, se eu não estivesse aqui, outra pessoa estaria no meu lugar, provavelmente a acenar a decisão do referendo britânico. É muito claro: estamos prontos para sair. O maior exercício democrático na história do Reino Unido não está a ser cumprido pela nossa classe política, e eu sou a oposição. É tão simples quanto isto.

Na forma, sim. Mas falo das consequências da saída. Não tem receio das consequências para o Reino Unido, para os britânicos e para a Europa? Ou, como não estará cá para ver, tanto faz?

Não, não tenho. Não tenho receio. E os cidadãos britânicos não têm receio. São os nossos políticos que não querem fazer cumprir a vontade do povo.

Porquê?

Porque cresceram com este projecto. Não conseguem imaginar o Reino Unido fora destas estruturas. Basicamente não pensam que sejamos suficientemente grandes ou suficientemente fortes enquanto nação para sermos independentes e ficarmos por nossa conta. Essa é a mentalidade comum.

Qual é a sua?

Eu tenho uma visão muito diferente. Se olhar à sua volta, se olhar para o mundo, vê uma quantidade de países pequenos a sairem-se muitíssimo bem. Ser grande por si só não é uma coisa necessariamente boa. E, sabe, quanto custa a liberdade? Isto é sobre sermos livres. Portugal, o Reino Unido, enquanto membros desta União, não fazem as suas próprias leis e estão dominados por um tribunal que não é seu. Se é isso que as pessoas quererem, muito bem. Mas nós decidimos tornar-nos uma nação independente e eu vou continuar a lutar até isso acontecer. E acredite no que lhe digo: vai acontecer.

Quando?

O meu palpite e que ainda vamos ter uns anos disto pela frente. Espero estar enganado, acredito no 31 de outubro. Espero que Boris [Johnson] chegue, o novo Churchill, mas vamos ter de esperar para ver.

Enquanto isso, com que entusiamo, com que empenho desempenharão os eurodeputados britânicos as suas funções no Parlamento Europeu?

Para ser sincero, é assim que temos estado no últimos três anos. Vamos apenas continuar [gargalhada]. Vamos manter-nos neste estado bizarro de incerteza. Podemos estar fora no dia 31 de outubro. Mas sabe? Duvido.

Falava de países grandes e países pequenos. A PwC fez umas projeções da evolução do PIB da UE a 27. Em 2016 aparecia em 2.º no conjunto dos oito maiores países do mundo, em 2030 passava para 3.º e em 2050 para 4.º lugar. O Reino Unido começava em 5.º lugar em 2016, passava para 6.º em 2030 e em 2050 já não estava sequer entre os oito maiores do mundo: China, EUA, Índia, UE, Indonésia, Japão, Brasil e México, por esta ordem.

Ah, pois... Sim, sim, sim... Claro, porque são projeções falsas.

O facto é que neste preciso momento a verdadeira crise económica está na Zona Euro

Acredita mesmo nisso, é um complot?

Espere lá, trabalho em economia há vinte anos, trabalho com mercados financeiros há vinte anos. Esse modelo assume que ao deixar a União Europeia vamos ter de passar a pagar taxas à UE e não vai haver qualquer mudança nas relações comerciais com o resto do mundo. Nunca vi nada mais desonesto em toda a minha vida. O facto é que neste preciso momento a verdadeira crise económica está na Zona Euro. Portugal tem tido um desempenho um pouco melhor nos últimos anos, fico feliz por dizer que alguns dos vossos setores, como o do calçado, etc., estão a sair-se melhor, fico super contente por ver o nosso aliado mais antigo recuperar um pouco, o que é bom, mas a realidade é que o verdadeiro problema é este, fixe as minhas palavras: a Zona Euro está a caminhar para a deflação. Se olhar para alguns desses indicadores daqui a dez anos vai perceber que o Reino Unido estará em muito boa posição. Teremos deixado a União Europeia, não faremos parte da Zona Euro, controlaremos a nossa economia. E Portugal não. Essa será a diferença: ser livre e tomar as nossas decisões. Em breve poderemos fazer isso, e vocês não.

Essa será a diferença: ser livre e tomar as nossas decisões. Em breve poderemos fazer isso, e vocês não

As grande empresas não parecem acreditar nesse discurso e estão a abandonar o Reino Unido, a procurar alternativas fora.

O emprego no Reino Unido está sempre em alta. Sim, as grandes empresas vão entrar num jogo político, fazer lóbi em nome dos projetos europeus (e financiamentos também). Temos seis das dez maiores universidades do mundo. Isto é um disparate. As grandes empresas vão sempre fazer este jogo; se tivesse uma grande empresa ia adorar a União Europeia. E sabe porquê? É uma maneira fantástica de fechar operações de pequena e média dimensão. Tudo o que conseguimos do mercado único europeu é o domínio das grandes multinacionais, com preços mais elevados para os consumidores e menos escolha. Estou absolutamente convencido de que conseguiremos fazer muito melhor fora do mercado único, fora de um mercado sobrerregulado. Mas mesmo que eu esteja enganado - e não estou - seremos uma nação democrática auto-governada, e é aqui que está o ponto. Estivemos em guerra durante gerações para sermos uma nação livre e independente. É isso que os britânicos querem. E vão tê-lo.