Onde está o belo na catástrofe? Onde está o belo na dor? Na morte? O que é um poema?
De Itália chegam imagens devastadoras. Na capela de um hospital, os bancos foram substituídos por urnas, num velório onde só comparecem mortos.
Estou há mais de uma semana fechado em casa. Vivo sozinho, no Porto que me acolheu quando saí de Lisboa. Só depois de ter ido a Felgueiras a minha mãe soube onde estive. Desde esse dia que estou, voluntariamente, em casa. Abri ontem a porta pela primeira vez. E vi um humano ao vivo pela primeira vez também: o Sadaqul, que me trouxe uma francesinha. Veio de bicicleta. Não passou ninguém na rua, sempre movimentada por ir desaguar na estação do metro.
Esta quinta-feira, por vídeo-conferência, tentei perguntar ao primeiro-ministro se estão a ser tidos em conta os impactos sociais de fechar o país num estado de emergência. Ele ficou 12 segundos sem dizer nada. Eventualmente não sabe. Porque eventualmente ninguém pode sequer saber o que custa (não na economia, mas na mente) fechar uma nação.
A nação não fecha, claro. Há os médicos. Os enfermeiros. Os auxiliares. Os técnicos. Os seguranças. E há as pessoas que limpam. Há os repositores e os caixas nos supermercados. Há os que continuam a encher os comboios da Linha de Sintra porque não têm alternativa. O teletrabalho, que passa a ser obrigatório, é muito um luxo.
Daqui a minutos, entram em vigor as medidas do Governo para cumprir o estado de emergência.
Fiquemos em casa. Fiquemos em casa para que não morram 793 pessoas num dia. Para que não tenham de morrer sós. Enterradas sem roupa e fechadas num saco. Sem velórios daqueles em que fica toda a gente ali a noite toda ao lado da urna, sempre aberta, a rezar e a lembrar.
Fiquemos em casa. Fiquemos em casa para que ninguém tenha de escolher se morremos nós ou morre o outro.
Fiquemos em casa. A catástrofe nunca há de ser bela, por mais cantigas que se cantem; por mais cartazes que se ergam; por mais poemas que se declamem.
Em Portugal, há 12 mortes e 1.280 infeções confirmadas, segundo informou hoje a Direção-Geral da Saúde.
O número de mortos duplicou em relação a sexta-feira e registaram-se mais 260 casos no mesmo período.
Portugal encontra-se em estado de emergência desde as 00:00 de quinta-feira e até às 23:59 de 2 de abril.
Hoje foi dia da poesia.
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