A semana começou com Marcelo Rebelo de Sousa a descrever o cenário do natal presidencial: o chefe de Estado ia revezar-se em almoços e jantares e estar com quase duas dezenas de pessoas, entre “a família brasileira” e “a família portuguesa”. O desabafo do presidente caiu sem sentido — é que o protocolo desenhado por Marcelo, apesar de não ir contra nenhuma regra e ser teoricamente permitido pelas recomendações, era uma espécie de gincana para contornar o objetivo da redução de contactos à mesa.

Já esta quarta-feira, Marcelo contou que decidiu entretanto fazer "apenas uma refeição" nesta quadra de Natal, hoje à noite. "Tendo visto que alguns epidemiologistas ficam um bocadinho sensibilizados com o facto de eu ter muitas refeições, já reduzi a uma refeição. Já só haverá uma refeição em casa, com cinco pessoas, portanto, é o mínimo dos mínimos que eu terei no Natal", afirmou, depois de entregar no Tribunal Constitucional as assinaturas necessárias para a recandidatura.

O aperto no plano do presidente surge no dia em que Portugal continental inicia, até sábado, algum alívio nas restrições aplicadas devido à pandemia de covid-19, ficando sem proibição de circulação entre concelhos e com recolher obrigatório apenas às 02:00 na véspera e dia de Natal.

Apesar do aumento contínuo de casos (que hoje dispararam acima dos 4.600) e das mortes (mais 89 pessoas perderam a vida estas últimas 24 horas), na semana passada, o primeiro-ministro confirmou as medidas de contenção que irão ser aplicadas no Natal, e que tinham sido anunciadas no início do mês, salientando que, no entanto, a evolução da pandemia mostrou não ser “necessário puxar o travão de mão para o Natal”, confiando que todas as famílias farão o esforço de organizar um Natal “com cuidado”.

“Com cuidado”

Isto significa não procurar na mesma subterfúgios lógicos para aumentar o número de convivas natalícios (ainda que espalhados por vários dias, o cruzamento acontece). Assim, e de acordo com o decreto que regulamenta a prorrogação do estado de emergência decretado pelo próprio presidente da República devido à pandemia de covid-19, nos concelhos de risco elevado, muito elevado e extremo de contágio pelo novo coronavírus a proibição de circulação na via pública entre as 23:00 e as 05:00 não é aplicável “para as pessoas que se encontrem em viagem”.

Já na quinta e sexta-feira, véspera e dia de Natal, o recolher obrigatório nesses concelhos de maior risco de contágio é aplicado apenas entre as 02:00 e as 05:00.

No sábado, dia 26 de dezembro, para os municípios nos níveis de risco muito elevado e extremo a proibição de circulação na via pública inicia-se apenas às 23:00 e não às 13:00, como tem acontecido nos últimos fins de semana. Além disso, o “dever geral de recolhimento domiciliário” que existe nos concelhos de risco elevado, muito elevado e extremo de contágio entre as 05:00 e as 23:00 não é aplicável entre hoje e sábado.

Relativamente à restauração e às atividades culturais também se verifica algum alívio nas restrições habitualmente em vigor devido ao estado de emergência. Assim, na véspera e no dia de Natal os restaurantes de todos os concelhos do território continental podem funcionar até às 01:00, devendo as novas admissões ser feitas até às 00:00.

Também nestes dias, os horários de encerramento não se aplicam aos estabelecimentos culturais. No sábado, dia 26, nos concelhos de risco muito elevado e extremo de contágio, os restaurantes podem funcionar para serviço de refeições no estabelecimento apenas até às 15:30.

No domingo, dia 27, os concelhos de risco muito elevado e extremo voltam a ter recolher obrigatório a partir das 13:00 e o comércio e a restauração também tem de fechar a essa hora.

Apesar deste alívio nos horários de funcionamento, continuam em vigor as regras que estipulam que a ocupação no interior dos estabelecimentos seja limitada a 50% da capacidade, “ou, em alternativa, sejam utilizadas barreiras físicas impermeáveis de separação entre os clientes que se encontrem frente a frente”, e exista um afastamento de 1,5 metros entre mesas.

Nas mesas não podem estar sentadas mais de seis pessoas, salvo se pertencerem ao mesmo agregado familiar (ou seja, se residirem habitualmente dentro da mesma casa).

Já para os Açores, o Governo Regional determinou também um conjunto de regras que estarão em vigor a partir das 00:00 de dia 24 de dezembro e até às 23:59 de 7 de janeiro. Assim, na Região Autónoma dos Açores nas próximas duas semanas todos os estabelecimentos de bebidas com espaços de dança estarão encerrados e os bares e restantes estabelecimentos de bebidas terão de fechar às 22:00 (independentemente de terem ou não espetáculos ou esplanadas). E a partir das 22:00 e até às 06:00, as bombas de gasolina apenas poderão vender combustível.

Na Madeira, as discotecas também estarão encerradas e os restaurantes só podem funcionar até às 23:00. Os bares podem estar abertos até às 00:00. O consumo de bebidas alcoólicas na via pública é proibido, exceto em esplanadas devidamente licenciadas.

Depois de ontem ter aprendido com dois colegas madeirenses o que é o Mercadinho de Natal da Placa Central da Avenida Arriaga devo acrescentar que tanto ele como a Aldeia Etnográfica no Largo da Restauração funcionarão até 10 de janeiro, entre as 10:00 e as 20:00, com exceção do dia de Natal e dia 1 de janeiro — mas é proibida a venda de bebidas e a venda de comida apenas é permitida para ‘take away’.

As Missas do Parto e do Galo obedecerão às regras atualmente em vigor para as celebrações religiosas, “sendo expressamente proibidos convívios nas áreas circundantes aos templos, antes ou depois das celebrações”. Também é proibida a abertura de circos e parques de diversões em toda a Região Autónoma da Madeira.

Lembrar que na Madeira está também em vigor a dupla testagem para estudantes madeirenses no exterior e “residentes emigrantes”, ou seja, é obrigatória a realização de um teste PCR de despiste ao SARS-CoV-2 entre o quinto e o sétimo dias após a realização do primeiro teste. Entre o desembarque e a realização do segundo teste, deve ser feito isolamento profilático no domicílio.

Natal, mais casos

Os especialistas já dão como certo o aumento de casos após o Natal. Parece uma inevitabilidade, contudo, que ninguém quer evitar. É como se o Titanic soubesse do icebergue antes de zarpar e se decidisse na mesma não virar, abrandar, ou, sei lá, colocar mais botes salva-vidas.

O grande bote de que toda a gente está à espera — a vacina — não vem completamente direito. Os governos vão preparando as suas missões de incentivo e nos bastidores esfolam-se à procura de caminhos viáveis para as obter. Exceto na Europa, vá: segundo uma investigação da revista alemã Der Spiegel, o atraso nas encomendas ao consórcio Pfizer/BioNTech e a aposta exagerada noutros laboratórios pode gerar uma escassez de vacinas não bloco europeu pelo menos até ao final do ano que vem — sim, final de 2021.

Apesar de já haver uma vacina aprovada e com eficácia comprovada, essa vacina só é produzida por um laboratório — com capacidade limitada — continuando os outros à procura do caminho. Ou seja, o bote que ia na frente da armada de sobreviventes já encontrou o caminho seguro, mas não diz aos outros por onde ir, e eles lá continuam a navegar na escuridão do Atlântico, na esperança de chegar a bom porto — um dia, algures no futuro.

Enquanto a vacina não chega, o governo está por cá a renovar apelos a que se evitem comportamentos de risco na quadra natalícia, pedindo aos cidadãos que cumpram o uso de máscara e não permaneçam por muito tempo em espaços fechados. Em comunicado, o executivo refere que lançou já uma campanha, com o lema "Não deixes o vírus entrar", que tem como objetivo "sensibilizar os portugueses para evitarem comportamentos de risco na quadra natalícia".

Ou seja, o porto está longe e o icebergue no meio de nós. Importa, então, que cada barco seja pequeno, para passar entre os pedregulhos, e que os homens ao leme se ponham de olhos bem abertos e com todos os cuidados. É que a doença, que persiste na matança de novos e velhos, anda aí. Todos os cuidados, toda a confiança são poucos. 89 portugueses não estarão sentados amanhã diante de um bacalhau. Mais de 6.000 portugueses não estarão no dia 25 a trinchar um peru, um anho, o que seja. Cabe a cada um de nós garantir que mais ninguém morre por causa deste vírus a tempo de chegar a 2021.

Boas festas.