Em entrevista à Lusa, o médico português, cirurgião especialista em medicina de catástrofe e responsável pela coordenação da aplicação móvel WHO Academy, desenvolvida pela OMS para agregar a informação sobre a pandemia para os profissionais de saúde, apela para a cautela na interpretação dos estudos e reitera que “o vírus não conhece quem tem ou não dinheiro no banco”, propagando-se em função da proximidade.

“Num bairro onde há menos densidade populacional, melhor saneamento e mais acesso a cuidados de saúde, o surto vai ter uma propagação diferente. Não há nada que a Direção-Geral da Saúde ou a OMS possam fazer, uma vez que estamos a falar de desigualdades sociais que não são da responsabilidade destas organizações, têm a ver com a forma como a sociedade está estruturada e como as políticas sociais são postas em prática”, alerta.

Sublinhando que os casos surgem onde mais se efetuam testes e que “a única desigualdade que há é a que temos na sociedade, onde existem mais pessoas com menos recursos”, Nelson Olim analisa o caso português e as supostas desigualdades sociais associadas ao vírus para defender que o país até “será um dos melhores exemplos” nesta área, face ao “acesso gratuito ao Serviço Nacional de Saúde”, ao contrário de outros países.

“Aquilo que a OMS e as direções-gerais ou ministérios da Saúde nestes países podem fazer é tentar mitigar esse efeito, criando centros de tratamento mais próximos dessas populações e fazendo campanhas direcionadas para estas populações, mas é o máximo que se pode fazer. Não será a OMS - nem a DGS - a mudar as desigualdades sociais que já existem em Portugal ou em qualquer outro país”, nota.

Confrontado com a evolução recente da pandemia em Portugal, que expôs um novo aumento de casos confirmados de covid-19 nas últimas semanas de desconfinamento, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo, que concentra a grande maioria dos diagnósticos de infeção pelo novo coronavírus, o clínico português relativiza a dimensão do problema, considerando os números “perfeitamente normais” à luz da estratégia adotada pelas autoridades nacionais.

“Enquadra-se ainda dentro daquilo que eram os modelos inicialmente previstos. Todas as medidas que foram tomadas foram no sentido de achatar a curva e transformar o pico num planalto”, explica o consultor da OMS, acrescentando: “Não estamos a erradicar o vírus e nem nunca foi essa a intenção; a intenção foi atrasar e isso quer dizer que vamos esticar isto no tempo. Aquilo que está a acontecer neste momento era perfeitamente previsível”.

Por outro lado, Nelson Olim lembra que “morrem todos os dias em Portugal pelo menos 20 pessoas com complicações de doenças respiratórias, independentemente da covid-19”, vincando os riscos de estabelecer comparações com outros países, como Espanha, que passou por uma situação mais crítica e agora apresenta números mais reduzidos de mortalidade.

“Provavelmente, estamos a notificar mais e melhor do que a maioria dos países ao nível europeu"

“É errado comparar as mortalidades neste momento de vários países, uma vez que os métodos utilizados para identificar e notificar os casos são diferentes. Em Portugal, contabilizamos quem morre por covid-19 e com covid-19”, afirma Nelson Olim, que explica que o país regista a morte de um doente com a infeção mesmo em estado assintomático, algo que não ocorre em todos os países.

E apesar de rejeitar uma classificação sobre o mérito de determinadas abordagens estatísticas em relação a outras, deixa um elogio ao método adotado em Portugal.

“Provavelmente, estamos a notificar mais e melhor do que a maioria dos países ao nível europeu. Isto faz com que, obviamente, as nossas estatísticas pareçam piores, mas, na verdade, se calhar estamos mais próximos da verdade do que outros países. Acho que nos dá uma visão mais alargada e, eventualmente, mais realista da disseminação do vírus”, finaliza.

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