“É de facto um orçamento de continuidade, sobretudo no enorme abismo que separa a propaganda do seu Governo, e as suas palavras aqui, da realidade do país e dos números”, afirmou a deputada centrista.

Cecília Meireles respondia à intervenção de abertura do primeiro-ministro, António Costa, no debate na generalidade do Orçamento do Estado (OE) para 2020, que decorre na Assembleia da República, em Lisboa.

A líder do grupo parlamentar do CDS-PP ironizou também que a abstenção anunciada pelos partidos à esquerda não foi uma novidade.

“Agora o novo voto a favor é a abstenção”, atirou, assinalando que surpresa “só se for para os próprios, porque todo o país já tinha percebido que há muito que havia uma nova geringonça e que este orçamento ia ser viabilizado”.

Na ótica de Cecília Meireles, “a baixa de impostos não é uma prioridade nem para o Governo nem para nenhum dos partidos que constitui esta nova geringonça” e os portugueses ficaram a saber isso precisamente porque “nenhum exigiu uma diminuição da carga fiscal ou sequer, no mínimo dos mínimos, uma manutenção da carga fiscal para viabilizar o orçamento”.

Notando que o primeiro-ministro anunciou “que o IRS sobre as famílias ia baixar 50 milhões de euros”, Cecília Meireles afirmou que foi “fazer o teste dos números” e pesquisar de quanto era a previsão do aumento dos impostos entre 2019 e 2020.

“Vão aumentar 1.799 milhões de euros em 2020, o que quer dizer que o senhor primeiro-ministro prevê arrecadar 35 vezes mais impostos do que prevê devolver em IRS às famílias portuguesas. Isto demonstra bem, senhor primeiro-ministro, a diferença que vai entre a sua propaganda e a realidade”, criticou.

Insistindo neste assunto, a deputada centrista questionou: “Então 590 milhões de euros são uma minudência contabilística mas 50 milhões de euros de impostos em IRS já é uma grande medida? Não se pode ter um critério para o Governo e outro para a oposição”.

“Não vale a pena fazermos malabarismos com os números quando os dados são muito claros”, respondeu o chefe do Governo.

António Costa assinalou que “aquilo que faz aumentar a carga fiscal não são as receitas fiscais, o que faz aumentar a carga fiscal são as contribuições sociais”, que, por sua vez, não sobem “nem pelo aumento da taxa nem pelo aumento da sua base de incidência”.

“Aumenta simplesmente fruto do crescimento do emprego e da melhoria dos rendimentos”, sustentou.

Citando um estudo do Banco de Portugal, o primeiro-ministro defendeu que “da ação do Governo só resultaram contributos para baixar a carga fiscal, do contributo da economia só resultaram contributos para aumentar a carga fiscal, devido à excelência do comportamento do mercado de trabalho”.

“Esta é a realidade, quer goste quer não”, vincou, considerando que “o que não é uma minudência, seguramente, para os contribuintes, e em particular para os jovens, é o facto de saberem que, se este orçamento for aprovado, nos primeiros três anos de atividade após a conclusão de um percurso educativo e entrarem no mercado de trabalho, terão forte isenção do seu rendimento como apoio fundamental à sua autonomização”.

Essa isenção será de “30% de isenção no primeiro ano, 20% de isenção no segundo ano, 10% no terceiro ano”, sustentou o primeiro-ministro.

De seguida, a deputada do CDS-PP recorreu a vários exemplos para justificar a sua tese, criticando a qualidade dos serviços públicos, a forma como o Governo lidou com as agressões a profissionais de saúde ou os atrasos na construção da ala pediátrica do Hospital de São João, no Porto.

O facto de este profissionais acharem que “a única coisa que podem fazer para poderem ir trabalhar sem serem agredidos por doentes desesperados é terem aulas de autodefesa”, na ótica do CDS-PP, “é gravíssimo” e “absolutamente lamentável”.

Cecília Meireles lamento ainda que o aumento que “a geringonça conseguiu fazer [nas pensões mais baixas] na última legislatura foi de 8,79 euros”, quanto no “tempo da troika, no tempo do Governo anterior, em que tudo era mais difícil”, estas pensões “tiveram um aumento de 12,01 euros”.

Outra das medidas destacadas por António Costa foi a do “aumento da dedução fiscal do filho”, não na base de que “os filhos dos ricos valiam mais do que os filhos dos pobres”, mas com “as crianças a valerem todas o mesmo”.

“Senhora deputada, é isso que efetivamente pesará na realidade da vida concreta das pessoas”, advogou, notando que os dois têm “uma visão diferente sobre a política fiscal”.

“Entre a melhoria da qualidade dos serviços públicos e a baixa de impostos, sim, a nossa prioridade está na melhoria da qualidade dos serviços públicos”, salientou, defendendo uma “redistribuição do esforço fiscal”.

Sobre as pensões, Costa convidou Cecília Meireles a olhar “para o complemento solidário de idosos, porque esse é que é o instrumento efetivamente eficaz para combater a pobreza de quem necessita, e não andar a distribuir dinheiro entre quem necessita e quem não necessita”.