Na tomada de posse do terceiro executivo de António Costa, Marcelo deixou logo avisos sobre como o pode terminar. Assim que os 56 governantes foram empossados, o presidente da República deixou claras as fronteiras e as expectativas que estão, acima de tudo, apontadas a um rosto, a uma cara: António Costa.

Afinal, os portugueses “deram a maioria absoluta a um partido, mas também a um homem, vossa excelência, senhor primeiro-ministro, um homem que, aliás, fez questão de personalizar o voto, ao falar de duas pessoas para a chefia do governo".

"Agora que ganhou, e ganhou por quatro anos e meio, tenho a certeza de que vossa excelência sabe que não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara que venceu de forma incontestável e notável as eleições possa ser substituída por outra a meio do caminho. Já não era fácil no dia 30 de janeiro, tornou-se ainda mais difícil depois do dia 24 de fevereiro", acrescentou, referindo-se à invasão russa da Ucrânia.

"É o preço das grandes vitórias, inevitavelmente pessoais e intencionalmente personalizadas”, acautelou o chefe de Estado. “E é sobretudo o respeito da vontade inequivocamente expressa pelos portugueses para uma legislatura”.

O presidente da República dava assim uma resposta aos anseios antecipados de uma eventual crise política em 2024 — por António Costa poder sair, temem (ou anseiam) os analistas políticos, para um lugar em Bruxelas.

Em maio do ano passado, Marcelo Rebelo de Sousa foi questionado sobre a hipótese de António Costa sair das funções de primeiro-ministro a meio da legislatura para assumir um cargo europeu, o que considerou "uma especulação sem o mínimo de fundamento".

"Como é evidente, o primeiro-ministro é protagonista cimeiro de um projeto que assumiu perante o país, por uma legislatura, que tem uma envolvente europeia fundamental. Deve assumi-lo", afirmou ainda o chefe de Estado a este propósito na altura, em resposta à jornalista Maria Flor Pedroso, no programa da Antena 1 "Geometria variável".

Hoje, porém, quis reforçar que estará de olho nas supostas vontades internacionais do primeiro-ministros. Não se ficou por aqui.

"Aqui estou. Como estive durante estes seis anos, e estarei. Na busca da estabilidade e dos compromissos, mas também de espaços de pluralismo e de afirmação das oposições, e de cultura de democracia, de liberdade e de igualdade ao serviço do interesse nacional".

"Na proximidade, na explicação, na audição dos portugueses, do mais jovem ao mais pobre ao mais idoso ou privilegiado, mas em especial dos que passam pelas suas vidas sem que ninguém cuide sequer de saber que existem. Na decisão mais ingrata ou arriscada, se necessário for, sem hesitações ou inibições, como aconteceu nas declarações e renovações do estado de emergência ou na convocação de eleições antecipadas", disse ainda Marcelo, que acrescentou que será, "como sempre, institucionalmente solidário e cooperante, para mais estes quatro anos de aventura coletiva, construindo, não destruindo, unindo, não dividindo, vigiando distrações e adiamentos quanto ao essencial, autocontemplações, deslumbramentos" e antes de mais "tentando evitá-los".

"No fundo, fazendo exatamente aquilo que a Constituição prevê e que vossa excelência reconheceu em plena campanha eleitoral ser uma garantia decisiva contra os temores eventuais de que a maioria absoluta se convertesse no que não pode nem deve ser".

Dando a posse com uma mão, mas alertando que é ele que a pode tirar com a outra, Marcelo pôs fim à crise política que começou no ano passado a ver se não começa outra daqui por um par de anos.

No fim da sua intervenção, o chefe de Estado resumiu assim as prioridades do terceiro governo de António Costa: "A superação do rescaldo da pandemia e da guerra, o crescimento, a justiça social e a esperança no futuro e na juventude".

"Num tempo dificílimo, é verdade, a requerer humildade, desapego pessoal, resistência física e psíquica, acerto nos recursos humanos e nos meios de ação, transparência nos propósitos e nos factos, espírito reformista, inabalável crença num futuro melhor para todos os portugueses. E, se possível, otimismo, sempre", concluiu, desejando sucesso ao XXIII Governo Constitucional.

*Com Lusa