Três anos e meio depois de o Brexit' ter sido decidido num referendo por 52% dos eleitores, em junho de 2016, o processo provocou uma crise política devido ao impasse no parlamento britânico, que rejeitou três vezes o acordo negociado pela antiga primeira-ministra Theresa May e forçou o adiamento da saída.
May acabou por se demitir e foi substituída por Boris Johnson, que só conseguiu ultrapassar o impasse após as eleições legislativas de 12 de dezembro de 2019, as quais venceu com maioria absoluta.
A saída do Reino Unido da UE será oficialmente registada às 23:00 locais (mesma hora em Lisboa) desta sexta-feira, 31 de janeiro. E agora? Damos-lhe a resposta para esta e outras perguntas.
O que se segue? Um período de transição de 11 meses
O Acordo de Saída do Reino Unido da União Europeia (UE) negociado pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, garante uma saída ordenada e abrange os direitos dos cidadãos, o acerto financeiro, o período de transição, os protocolos sobre a Irlanda/Irlanda do Norte, Chipre e Gibraltar, a governação e outras questões relativas à separação.
O Acordo permite uma separação pacífica, abrindo caminho para um período de transição, até 31 de dezembro de 2020, durante o qual o Reino Unido e a UE vão negociar um relacionamento futuro ao nível de comércio e em áreas como a segurança, educação ou investigação científica.
Designado oficialmente por Período de Implementação, mantém na prática o Reino Unido dentro do mercado único, estando obrigado a respeitar as regras europeias, mas sem estar representado nas instituições de Bruxelas nem participar nas decisões.
O objetivo é evitar uma mudança repentina, dando tempo a que empresas e cidadãos se adaptem.
Como será a relação entre o Reino Unido e a União Europeia?
No final de fevereiro, os Estados-membros vão discutir as diretrizes que vão guiar a Comissão Europeia nas negociações com o governo britânico sobre a futura relação comercial entre Bruxelas e Londres, após o Brexit.
A UE quer agora impor ao Reino Unido que aceite um alinhamento legislativo em termos de direito laboral, ambiental, fiscal e auxílios estatais a empresas – aquilo que designa como condições equitativas ('level playing field') – no âmbito daquele que será o futuro acordo de comércio livre, sem quotas nem taxas aduaneiras, entre Bruxelas e Londres.
O estabelecimento destas normas mínimas comuns visa impedir que o Reino Unido use a desregulamentação para atrair investimento.
Parlamento Europeu encolhe? Pouco
Com base numa proposta do Parlamento Europeu de fevereiro de 2018, o Conselho Europeu adotou, em junho do mesmo ano, uma decisão sobre a nova composição da assembleia — supostamente para ser aplicada desde o início da legislatura 2019-2024, mas que só passará a vigorar agora — que prevê que a assembleia passe a contar com 705 deputados, contra os 715 atuais, ainda que sejam 73 os deputados britânicos a cessarem funções.
De acordo com a fórmula decidida pela UE, dos 73 lugares deixados vagos pelo Reino Unido, 27 serão redistribuídos à luz do princípio da “proporcionalidade degressiva”, com 14 Estados-membros a “ganharem” deputados – sendo França e Espanha os mais beneficiados, com mais cinco cada — e os restantes, entre os quais Portugal, a manterem o número atual, sendo que nenhum Estado-membro perde qualquer assento. Ficam então vagos 46 assentos, que serão "guardados" para eventuais futuros alargamentos.
A próxima sessão plenária do Parlamento Europeu, a decorrer entre 10 e 13 de fevereiro em Estrasburgo, será a primeira já com a nova composição da assembleia e sem eurodeputados britânicos.
União Europeia terá embaixador no Reino Unido, e será um português
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, escolheu o diplomata português João Vale de Almeida para liderar a futura delegação comunitária junto do Reino Unido após a consumação do Brexit.
“A minha prioridade vai ser [dar] atenção aos direitos dos cidadãos europeus que vivem no Reino Unido, mas também, naturalmente, aos cidadãos do Reino Unido que vivem nos 27” Estados-membros da União Europeia, admitiu João Vale de Almeida, à margem da conferência “Desafios da Europa em Transição”, que se realizou esta semana no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
“O acordo de saída contém medidas que foram acordadas entre o Reino Unido e os Estados da UE, trata-se agora de aplicar no terreno essas medidas, de garantir aos cidadãos todos os direitos, de ajudar os cidadãos europeus no Reino Unido a preencher os requisitos que lhes permitam ficar”, explicou, lembrando que existem “muitos milhares, se não milhões, de cidadãos europeus no Reino Unido”.
E a Irlanda do Norte?
O protocolo introduzido por este novo acordo mantém a província britânica no território aduaneiro do Reino Unido. Se produtos de países terceiros entrarem na Irlanda do Norte e se permanecerem lá, será aplicada a tabela aduaneira britânica.
Se essas mercadorias se destinarem a entrar na UE, via Irlanda do Norte, as autoridades britânicas terão de aplicar as taxas aduaneiras da UE.
A Irlanda do Norte permanece ainda alinhada num conjunto limitado de regras da UE. Este sistema complexo visa evitar uma fronteira física com a República da Irlanda, membro da UE, que poderia reacender o conflito na Irlanda do Norte. No entanto, implica uma série de controlos entre o a província e o resto do Reino Unido.
Quais serão os desafios orçamentais e económicos para o Reino Unido?
Quando o ministro das Finanças, Sajid Javid, apresentar o primeiro orçamento pós-Brexit’, a 11 de março, vai poder contar com mais cerca de 8 mil milhões de libras (9,5 mil milhões de euros) líquidos anuais, correspondentes à contribuição anual do Reino Unido para a UE, que já contabiliza o reembolso, fundos estruturais e subsídios que recebia de volta.
Mas este dinheiro não é lucro fácil: o governo britânico vai ter de tapar um buraco anual de 1,8 mil milhões de libras (2,14 mil milhões de euros) que as regiões britânicas mais desfavorecidas recebiam em fundos estruturais, segundo um relatório da Aliança das Comunidades Industriais [Industrial Communities Alliance].
O País de Gales, que votou para sair da UE no referendo de 2016, foi o principal beneficiário dos fundos no Reino Unido, recebendo mais de 2 mil milhões de libras (2,4 mil milhões de euros) ao longo dos sete anos do orçamento comunitário de 2014-2020. A Escócia recebeu quase 770 milhões de libras (900 milhões de euros).
O governo vai também ter de compensar os agricultores britânicos que beneficiavam da Política Agrícola Comum da UE, e que chegaram aos 24 mil milhões de libras (29 mil milhões de euros) entre 2014 a 2020.
Um novo Fundo de Prosperidade Partilhada está previsto ser criado este ano mas, entretanto, o governo terá de equilibrar estes compromissos com medidas que estavam no programa eleitoral, de investimento nos serviços públicos, como saúde, educação e segurança, e em infraestruturas.
231 mil cidadãos portugueses já pediram o estatuto de residência
O estatuto de residente permanente ('settled status') é atribuído àqueles que estão a viver há cinco anos consecutivos no Reino Unido, enquanto os que estão há menos de cinco anos no país terão um título provisório ('pre-settled status') até completarem o tempo necessário.
O direito a pedir residência no âmbito deste sistema termina a 31 de dezembro de 2020, quando acaba o período de transição previsto no acordo de saída negociado entre primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e a UE, em outubro passado.
O acordo também atribui um período adicional de mais seis meses, até 30 de junho, para os europeus que se tenham instalado no Reino Unido até ao final de 2020 completem a candidatura ao estatuto de residência.
O governo britânico confirmou que os cidadãos europeus que falharem o prazo para se candidatarem ao estatuto de residente não serão deportados imediatamente, como tinha ameaçado um governante anteriormente.
Segundo o Ministério do Interior britânico, já se registaram mais de 2,7 milhões (entre os quais 231 mil portugueses) dos estimados 3,5 milhões de europeus que residem no Reino Unido.
O governo português estima que residam no Reino Unido cerca de 400 mil portugueses.
Vive no Reino Unido e tem dúvidas?
No âmbito das iniciativas de apoio à comunidade portuguesa no quadro do processo de saída do Reino Unido da União Europeia, encontra-se em funcionamento o Centro de Atendimento Consular para o Reino Unido - Linha BREXIT, através do qual poderá obter informações sobre o processo de candidatura ao novo estatuto de residente no âmbito do EU Settlement Scheme.
Poderá contactar o Centro de Atendimento Consular - Linha BREXIT de segunda a sexta-feira, entre as 09:00 e as 17:00 horas, através do número de telefone 020 36 36 84 70 e do endereço de e-mail cac.ru@ama.pt.
A Representação Permanente da Comissão Europeia em Londres disponibiliza ainda três vídeos informativos sobre os:
- Direitos dos cidadãos da UE no Reino Unido após o Brexit
- Direitos dos trabalhadores portugueses no Reino Unido após o Brexit
- Direitos das famílias e estudantes portugueses no Reino Unido após o Brexit
É cidadão europeu e vai viajar para o Reino Unido?
Os cidadãos da União Europeia poderão viajar para o Reino Unido sem necessidade de visto para estadas curtas, até três meses. Enquanto cidadão da UE será autorizado a viajar para o Reino Unido com o passaporte ou, de momento, com o bilhete de identidade.
Cientistas, investigadores e matemáticos terão visto especial
Batizado de “Talento Global”, o visto vai entrar em funcionamento a 20 de fevereiro e substitui um esquema intitulado Tier 1 (Talento Excecional), que impunha um limite de 2.000 profissionais extracomunitários desta categoria que poderiam entrar no país.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, afirmou que este novo visto pretende "enviar uma mensagem de que o Reino Unido está aberto às mentes mais talentosas do mundo e pronto para apoiá-los para tornar as suas ideias realidade”.
O governo anunciou outras medidas para impulsionar a investigação científica no país, incluindo a disponibilização de 300 milhões de libras (356 milhões de euros) nos próximos cinco anos para trabalhos "experimentais e imaginativos" na área das matemáticas e a redução da burocracia.
E quanto ao Cartão Europeu de Seguro de Doença?
Os cidadãos da União deixarão de poder aceder a cuidados de saúde no Reino Unido mediante apresentação do seu Cartão Europeu de Seguro de Doença.
As regras da União Europeia em matéria de roaming continuarão a aplicar-se no Reino Unido?
Não, as empresas que prestam serviços de comunicações móveis, como chamadas de voz, mensagens de texto ou dados, deixarão de ter de respeitar as regras da União Europeia em matéria de itinerância (roaming) quando operam no Reino Unido.
Isto significa que as operadoras podem aplicar sobretaxas aos clientes do Reino Unido que utilizam serviços de itinerância na UE e aos viajantes da UE que utilizam serviços de itinerância no Reino Unido.
Os direitos dos passageiros da União Europeia continuarão a aplicar-se cidadãos europeus que viajam com destino e com origem no Reino Unido?
- Se viajar com uma transportadora aérea da União Europeia continuará protegido pelos direitos dos passageiros da UE em voos com partida de um aeroporto do Reino Unido e com destino a um aeroporto situado na UE, e vice-versa.
- Se viajar com uma companhia aérea de um país terceiro, só estará coberto em voos com partida da UE para o Reino Unido, mas não em voos com partida do Reino Unido para um aeroporto da UE.
- Continuará a beneficiar da legislação da UE relativa aos direitos de passageiros de ferries para qualquer viagem que tenha início ou termine num porto da União Europeia.
- Continuará ainda a beneficiar da legislação da UE relativa aos direitos de passageiros de autocarros para rotas com destino ou partida do Reino Unido, se tiver entrado ou saído na UE e a distância prevista for igual ou superior a 250 km.
- Continuará, por fim, a beneficiar da legislação da UE sobre os direitos dos passageiros de transportes ferroviários no que se refere aos serviços ferroviários na UE, desde que a empresa ferroviária esteja licenciada ao abrigo das regras da UE.
*Com agências
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