Pedro Nuno Santos falava numa conferência que encheu completamente a maior sala da sede nacional do PS, em Lisboa, num discurso longo que foi interrompido várias vezes com prolongadas salvas de palmas por parte dos militantes socialistas, sobretudo quando traçou dualismos entre o liberalismo económico e o individualismo, e o socialismo e o sentido de comunidade.
O ministro das Infraestruturas e da Habitação queixou-se da ausência de políticas do Estado para a ferrovia "ao longo de décadas" e da decisão também de décadas de entregar a questão da habitação ao mercado.
Neste ponto sobre a habitação (e a sua relação com as regras de mercado), Pedro Nuno Santos, apontado como potencial candidato à sucessão de António Costa na liderança do PS, deixou mesmo alguns recados para setores mais liberais dentro do seu partido, depois de classificar como "escandalosos" os preços praticados em Lisboa e no Porto.
"Há quem explique mesmo cá dentro [do PS] que temos de nos habituar e que há zonas da cidade em que certa classe média não pode [viver]], tendo de procurar outras zonas ou outras cidades. Mas porquê? Temos de desistir de ter a classe média de viver nos melhores sítios da cidade?", interrogou-se o membro do Governo.
O antigo líder da JS e ex-presidente do PS/Aveiro contrapôs depois que a ideia de que a classe média também poder viver no centro de Lisboa "não é um luxo", sendo mesmo "um direito".
"Quem manda é o povo. As leis do mercado não são uma força exterior em relação às quais não podemos meter mão, as leis de mercado não são a mesma coisa que uma tempestade. As leis de mercado têm de respeitar regras que são definidas pela comunidade organizada através da Assembleia da República. As leis de mercado não são leis da natureza, têm de cumprir regras do Estado de Direito", argumentou, recebendo logo a seguir muitas palmas.
Mas Pedro Nuno Santos foi ainda mais longe nas suas teses socialistas, fazendo uma "distinção entre o mercado da habitação e o mercado das laranjas e dos sapatos".
"Estamos a falar de um dos bens mais fundamentais nas nossas vidas", contrapôs.
"Quando nos tentam explicar que é o mercado e que, por isso, nós temos de nos pôr ao fresco para viver não sei onde já que em alguns sítios isso não dá, eu digo que temos nas nossas mãos a capacidade de fazer diferente. Os problemas da habitação em Lisboa e no Porto não se resolvem rapidamente, mas está nas nossas mãos dizermos com que regras nos queremos relacionar. É assim que temos de fazer num partido que a seguir à palavra partido tem a palavra socialista", frisou.
Num recado dirigido aos setores mais defensores das regras da economia de mercado, o titular das pastas das Infraestruturas referiu que uma minoria da população portuguesa, na realidade, "não precisa do Estado para nada".
"Podem comprar uma casa de um milhão de euros, só precisam do Serviço Nacional de Saúde se a coisa se apertar e não precisam da escola pública. Portanto, para eles, caso se acabasse com a política pública de habitação, melhor, e em vez de um milhão de euros de rendimentos até passavam a 1,2 milhões de euros porque não se pagavam tantos impostos", sustentou.
Depois, Pedro Nuno Santos deixou uma pergunta à plateia: "Mas qual é o cidadão que é livre sem ter uma casa?"
"Que raio de liberdade é essa que o mercado dá e que depois resulta em que uma maioria enorme de portugueses não consegue ter acesso a um bem básico, que é um teto? Essa liberdade é o Estado que a garante e temos de deixar essa conversa que o mercado vai resolver", acrescentou.
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