São duas realidades diferentes: a de um país que teve medo desde o início, e iniciou medidas de proteção e confinamento, e a de um país que levou ao limite o compasso de espera por decisões que limitassem o compasso. Polónia e Reino Unidos pelos olhos de dois portugueses que lá vivem.

Gonçalo Borges - Varsóvia, Polónia

"Aqui na Polónia, nesta altura, a situação está controlada". É com esta nota que Gonçalo Borges inicia a conversa com o SAPO24. Refere-se ao Covid-19, não à situação política, já que o país elege este domingo, 10 de maio, o presidente da república.

A Polónia tem menos casos do que a maioria dos países da Europa, um total de 15 651, dos quais 9429 activos e 785 mortes [à data da nossa reportagem]. "Isto, num país de 38 milhões de habitantes, são números significativamente abaixo dos de Portugal", aponta. O receio quanto à veracidade dos números, como em todo o lado, existe, "mas trabalho numa empresa que emprega muita gente, pessoas que estão na primeira linha, têm muito contacto com o público, e, se olharmos para os números da empresa e os extrapolarmos para o país, vai dar mais ou menos o mesmo, o que nos deixa tranquilos: temos cerca de 65 mil funcionários e dez casos na companhia inteira", adianta Gonçalo Borges.

Como trabalha no retalho alimentar, "uma daquelas áreas que não podem parar", Gonçalo não ficou em isolamento até hoje e nunca esteve em regime de home office.

"Na realidade, o que aconteceu aqui foi que as autoridades reagiram muito depressa, mais depressa do que em Portugal: as escolas fecharam mais cedo, as medidas restritivas aconteceram antes, embora algumas medidas aplicadas em Portugal não tenham sido aplicada na Polónia, como o estado de emergência", explica Gonçalo. Muitos dizem que as razões para não ter sido decretado o estado de emergência foram políticas, uma vez que se isso acontecesse as eleições presidenciais teriam de ter sido adiadas.

"Na realidade, o que aconteceu aqui foi que as autoridades reagiram muito depressa, mais depressa do que em Portugal: as escolas fecharam mais cedo, as medidas restritivas aconteceram antes"

Mas, mesmo sem estado de emergência, o isolamento foi decretado e a Polónia já vai na nona semana de confinamento, "o que é um desafio enorme cá em casa, com quatro crianças", desabafa. Como não falam polaco, as filhas, de seis, cinco, três e dois anos, frequentam uma escola americana internacional. "No início, a escola teve de se adaptar um bocadinho, mas daí para a frente muito rapidamente foi criado um sistema de ensino online. As duas mais velhas têm um regime de aulas por Skype ou Zoom, e corre bem, mas só com uma dedicação enorme da minha mulher. E, mesmo assim, é muito complicado, porque há sempre uma que não quer, uma que não percebe, outra que precisa de ajuda, outra que chora...", diz.

Covid-19 pelos olhos de portugueses espalhados pelo mundo

No primeiro artigo desta série contámos a história de Teresa Coutinho, a viver em Espanha, de Francisco Chuva, na Alemanha, e de Dulce Vilaça, na Suécia.

Teresa Coutinho, funcionária do Parlamento Europeu:

"Lembro-me de que no dia em que o primeiro-ministro espanhol [Pedro Sánchez] anunciou, às oito da noite, que iam fechar as escolas, foi uma explosão de alegria enorme. Depois começaram a pensar melhor, sem escola iam deixar de estar com os amigos, e esse foi o reverso da medalha"

Francisco Chuva, engenheiro

"Este é um país de velhinhos, e os estrangeiros são como eu, emigrantes jovens. Uma grande parte da população alemã está muito envelhecida. E esses não saem de casa, muitos aumentam o isolamento das janelas e das portas para garantir a sua segurança, estão mais assustados. Às vezes, na ida ao supermercado, vejo na rua senhores mais velhos, e eles preferem atravessar a estrada do que cruzarem-se com uma pessoa jovem"

Dulce Vilaça, engenheira

"Na Suécia as pessoas só se cumprimentam com um beijo em duas situações: quando se conhecem pela primeira vez ou quando têm a certeza de que nunca mais se vão ver"

Um relato que pode ler na íntegra aqui.

Seguimos para a China e para Angola, com os relatos do César Sousa, em Shenzen, e Álvaro Mendonça, em Luanda.

César Sousa, professor de ténis

"Quando saímos de casa o segurança mede-nos a temperatura, que volta a ser medida à entrada do supermercado. Depois, se vamos à farmácia comprar qualquer coisa, medem-nos a temperatura ... Num espaço de 30 minutos às vezes mediam-nos a temperatura dez vezes, e isso também é bom"

Álvaro Mendonça, vice-presidente de uma empresa de construção

"A máscara tornou-se quase imediatamente um acessório de moda, porque os angolanos são muito vaidosos e elegantes, gostam de andar todos "pipis". Só que, muitas vezes, não era usada para tapar a boca e o nariz"

Um relato que pode ler na íntegra aqui.

Quanto ao material de protecção individual, na Polónia a polémica não foi diferente, e no início faltaram máscaras, luvas e tudo o resto nos hospitais e nas restantes áreas. "As autoridades foram sugerindo a utilização desse material à medida que ele ia estando disponível", conta Gonçalo.

A política de testes também foi falha, bem como a capacidade do sistema nacional de saúde, que tem uma quantidade pequena de camas nos cuidados intensivos e poucos ventiladores. "Nesse sentido, a Polónia não é diferente de outras países onde há dificuldades. Se compararmos, a Alemanha dizia sempre que o número de camas disponíveis em cuidados intensivos era superior ao número de pessoas internadas nos cuidados intensivos em Espanha. E na Polónia não, a situação é igual a Portugal, Espanha ou, se calhar, até pior. Se tivessem tido um crescimento exponencial da doença, teriam tido também muitos problemas e muitas dificuldades", assegura.

Hoje é obrigatório andar na rua de máscara, é obrigatório usar luvas no supermercado, é obrigatório desinfetar as mãos nos supermercados, que o disponibilizam à entrada, embora não sejam obrigados a isso. "Onde os supermercados têm alguma dificuldade, é com as luvas. Inicialmente disponibilizaram luvas para todos os clientes, mas depois começou a haver alguma escassez, alguma dificuldade de fornecimento, e começaram a usar sacos de plástico para substituir as luvas", explica.

"Onde os supermercados têm alguma dificuldade, é com as luvas. Inicialmente disponibilizaram luvas para todos os clientes, mas depois começou a haver alguma escassez"

O não cumprimento destas regras dá direito a multa: 500 zloty, um pouco mais de 100 euros. Os mais pequenos também são obrigados a usá-las. Antes desta medida, e exatamente por não haver máscaras, já havia medidas muito restritivas. Durante três semanas os menores de 18 anos estavam proibidos de sair e casa sem estarem acompanhados por um adulto. E só podia estar um menor por adulto.

"Para dar um exemplo", diz Gonçalo, "vivemos um bocadinho fora de Varsóvia e, nesta situação, temos até umas condições melhores do que muitos, porque temos um jardim, vivemos num condomínio, as crianças acabam por sair um bocadinho, dar uns passeios de bicicleta... Mas mesmo nesta realidade de condomínio fechado, a polícia vem por aqui adentro e manda-nos para casa. Não aconteceu comigo, mas aconteceu com a nanny enquanto passeava a mais pequena no carrinho de bebé: mandaram-na para casa. Entram por aqui e não têm contemplações, o que é, de facto, um exagero", considera Gonçalo. "Mas é a prova de que estão a levar isto muito a sério".

"vivemos um bocadinho fora de Varsóvia e, nesta situação, temos até umas condições melhores do que muitos, porque temos um jardim, vivemos num condomínio ... Mas mesmo nesta realidade de condomínio fechado, a polícia vem por aqui adentro e manda-nos para casa"

Outras medidas restritivas que, entretanto foram sendo aliviadas foram, por exemplo, aquelas que limitaram de forma drástica o número de pessoas nos supermercados. "Aqui, a limitação não foi feita em função da área, mas sim em função do número de caixas registadoras. Tipicamente, um supermercado tem três, quatro, cinco ou seis caixas e só eram permitido três clientes por caixa, o que quer dizer que os supermercados, que chegam a ter 60 a 80 pessoas em simultâneo, foram limitados a dez, 15 ou 18 pessoas. Foi extraordinariamente restritivo e o resultado é que se tornou frequente ver filas enormes à porta dos supermercados", lembra.

Se alguém poderia responder sobre a famosa corrida ao papel higiénico, era Gonçalo. "Ninguém percebe", responde, "mas aconteceu em todos os países e a Polónia não foi exceção. Corriam vídeos de pessoas a dirigir-se de carrinho à prateleira do supermercado e a varrer com o braço o papel higiénico para dentro dos carrinhos", conta. E recorda que na semana em que o governo anunciou o fecho das escolas, "houve uma corrida brutal aos supermercados, registou-se o recorde de vendas de todos as cadeias, acima dos números da Páscoa, do Natal e de tudo o mais. Foi um dia tremendo", recorda. "Nesse dia as pessoas foram às massas, ao arroz, às conservas, ao papel higiénico... Acabou tudo. Mas bastaram dois ou três dias para as cadeias de distribuição voltarem a encher as prateleiras e voltar tudo ao normal". Tudo, ponto e vírgula, porque houve "uma alteração do modelo de consumo: as pessoas passaram a ir com menos frequência ao supermercado e a gastar muito mais de cada vez".

Gonçalo Borges e a família estão há quatro anos em Varsóvia. Quando recapitula as diversas fases por que os polacos passaram ao longo da epidemia, consegue ver diferenças em relação a Portugal: "Aqui, as pessoas tiveram medo muito mais depressa. E, portanto, logo que isto começou as ruas ficaram desertas de um dia para o outro. Em Portugal, pelo que vejo nas notícias, nas primeiras semanas viam-se as praias cheias, filas na ponte e tudo o mais. Aqui as pessoas ficaram com muito medo muito depressa e fecharam-se em casa. Esta é uma clara diferença cultural, tem um pouco a ver com a história, com a guerra. Os polacos antecipam os riscos mais depressa. Para dar uma ideia: trabalho a norte de Varsóvia, vivo a sul, tenho de atravessar a cidade todos os dias e demoro cerca de uma hora e meia a fazer este percurso. De um dia para o outro, passei a demorar 45 minutos - esta foi a grande vitória", brinca.

Mas a Polónia goza de outra diferença em relação a Portugal e a outros países, que jogou a seu favor: "Ao contrário de Portugal, onde penso que cerca de 80% da população é urbana, aqui 60% da população é rural, o que dificulta a propagação da doença", recorda Gonçalo. De resto, nos dois países a população "é envelhecida e a envelhecer". "Quando vim para cá", diz, "Portugal e a Polónia disputavam a cauda da Europa no que diz respeito à natalidade. Foi preciso tomar uma série de medidas - eu ajudei um bocado e desajudei em Portugal, porque trouxe quatro crianças para cá. Uma das bandeiras deste governo um pouco mais populista que está agora no poder é o Programa 500+, que dá 500 zloty (cerca de 120 euros) por mês e por criança, independentemente do rendimento das famílias, até aos 18 anos".

O que nos leva às questões económicas. "A previsão é que o país venha a ter uma recessão de cerca de 3%. Não escapa a isso, mas é, ainda assim, uma recessão menos profunda do que se prevê noutros países". A Polónia tem uma densidade de pequenos negócios e todos esses fecharam e têm muitas dificuldades. "Não há ainda os números oficiais nos registos do sistema nacional de estatística, ainda não se vê um crescimento do desemprego, que continua nos 5,5% - em março até desceu para 5,4% -, mas a verdade é que já vemos muita gente a vir procurar emprego nos nossos supermercados. Há uma dissonância entre o que dizem os números e o que se vê no terreno", nota Gonçalo.

Daqui para a frente, considera, "tudo vai depender do ritmo a que reabrirem os negócios". O governo já tem um plano, e na última semana reabriram as creches, "primeiro, porque o risco é menor, depois, para permitir que os pais possam voltar ao trabalho". A seguir reabriram os hotéis, os restaurantes e os centros comerciais, ainda que com medidas bastante restritivas. Numa terceira fase", a semana que agora entra, "abrem os negócios de maior contacto: cabeleireiros e este tipo de serviços".

Num prisma mais lato, e sobre a falta de acordo dentro da União Europeia em relação à forma como as ajudas devem chegar aos Estados-membros e também em relação ao comportamento pouco democrático do governo polaco, Gonçalo lembra que "nos últimos anos a Polónia voltou-se muito para o nacionalismo e para o populismo, tornando-se mais crítica da Europa. No entanto, não acredito que a Polónia saia da Europa, nem empurrada e menos ainda por vontade própria. A Polónia não consegue sair porque precisa da Europa, é um grande beneficiário dos fundos europeus. E a Europa não quer deixar a Polónia sair porque o país é grande de mais e tem uma posição geográfica demasiado importante para ficar de fora". Isso leva, segundo Gonçalo, a que os "políticos façam umas declarações mais populistas e estiquem um pouco a corda, de uma forma que não fariam noutras circunstâncias".

"nos últimos anos a Polónia voltou-se muito para o nacionalismo e para o populismo, tornando-se mais crítica da Europa. No entanto, não acredito que a Polónia saia da Europa, nem empurrada e menos ainda por vontade própria"

Sobre o que vai mudar e ficar na mesma, Gonçalo Borges ri e admite que as suas preocupações são, para já, uma pouco mais "comezinhas": "Espero conseguir ir a Portugal no verão e que não me obriguem a fazer 15 dias de quarentena". Mais a sério, explica que foi, durante um tempo, um dos negacionistas desta crise: "Eu achava, quase à Bolsonaro, que isto era só uma gripezinha. Com o tempo fui percebendo que não era bem assim e fui mudando de opinião. Agora, e até porque na minha área vejo os hábitos de consumo a mudar, os comportamentos a alterarem-se, não sei se irá voltar tudo ao normal. Suponho que há padrões que vão mudar, pelo menos até as pessoas voltarem a sentir o mesmo nível de segurança do passado. Mas se chegarmos rapidamente a uma vacina e as pessoas perceberem que isto deixa de ser um risco, gradualmente vamos voltar ao normal, é só uma questão de tempo para voltar tudo a ser o que era".

créditos: DR

Pedro Caetano - Abingdon, Reino Unido

Pedro Caetano trabalha e vive no Reino Unido. É diretor global de uma empresa na área da indústria farmacêutica e fez parte do grupo que preparou, entre 2012 e 2014, aquele que seria o programa de António José Seguro para a área da saúde, caso este vencesse as eleições.

"No Reino Unido isto está muito mal, sobretudo em Londres. Eu disse que Portugal está no pelotão dos países mais perigosos - e está, porque tem quase 100 mortos por milhão de habitantes -, mas aqui tem quase 300. Portanto, o Reino Unido está nos primeiros cinco piores". Como Londres regista a grande fatia dos casos, no local onde mora, "um subúrbio muito agradável de Oxford", Pedro Caetano não sente esse impacto.

"No Reino Unido isto está muito mal, sobretudo em Londres. Eu disse que Portugal está no pelotão dos países mais perigosos - e está, porque tem quase 100 mortos por milhão de habitantes -, mas aqui tem quase 300"

E o impacto é, de facto, grande: 31 587 mortos e mais de 215 mil infetados, o que torna o Reino Unido no quarto pais mais afetado pela Covid-19, depois dos Estado Unidos, da Espanha e da Itália.

Para Pedro, falhou sobretudo a rapidez de atuação. "Começámos a ouvir falar de Covid-19 em dezembro, sempre como algo basicamente contido na China, a afetar sobretudo Wuhan. Em janeiro, o governo estabeleceu voos para trazer britânicos de Wuhan e, nessa altura, falou-se muito no vírus. Depois, durante todo o mês de fevereiro a mensagem foi politicamente correcta, para não discriminar chineses. E, mesmo quando, já no final do mês, todos sabiam o que se começava a passar na Itália, a mensagem continuava a ser para lavar as mãos. A sério e a doer, percebendo que o problema era grande já em Inglaterra, só começaram a ser tomadas medidas na segunda semana de março, quando também a França começou a fechar fronteiras. Até então, pensava-se que o problema era só italiano e espanhol. No segundo fim-de-semana de março, ainda andava Londres cheia de gente e, como eram os últimos dias de uma exposição sobre Tróia, o Museu Britânico esteve apinhado", recorda.

As escolas fecharam uma semana depois de Portugal e o estado de emergência foi declarado apenas a 23 de março. "E foi quase surrealista, porque durante uma semana, como ainda estava apostados na imunidade de grupo, os restaurantes ainda se mantiveram abertos.  Entrei em regime de teletrabalho a 17 de março, mas até ao final dessa semana fui levar os meus filhos à escola. Pensava-se que o governo ia manter muitas lojas e escolas abertas, além dos restaurantes, e fazer como a Suécia. Mas quando o SNS começou a ficar entupido, mudaram de estratégia em cinco dias", continua. "Os próprios ministros, quando faziam briefings, não estavam bem certos do que se podia e não podia fazer".

Neste momento, estão a funcionar apenas supermercados, farmácias e outras atividades consideradas essenciais, como a recolha de lixo. Isto, "apesar dos protestos que cada vez mais se fazem ouvir, da restauração às floristas e centros de jardinagem, que muitos defendem que devem abrir, até para manter a sanidade mental das pessoas".

E como viu Pedro Caetano o pedido de ajuda do primeiro-ministro Boris Johnson à União Europeia, depois de tanto ter brigado para sair da UE? "Penso que estiveram muito mal", responde. E responsabiliza Dominic Cummings, conselheiro de BoJo, claramente contra a União Europeia. "Quando a Europa comprou máscaras e testes por atacado,  o Reino Unido, por ser ideologicamente contra a Europa, ficou de fora. Isso foi notícia em todos os jornais", diz Pedro. "Fico espantado quando os meus amigos de Portugal contam que vão sair de casa às 7:30 para comprar o "Correio da Manhã", que está a dar máscaras. Aqui, quem me dera que os jornais dessem máscaras, porque farto-me de comprar jornais. Mas não há máscaras, ponto. Tudo porque o Reino Unido foi contra a UE e agora está a tentar voltar atrás, pede ajuda da União Europeia".

"Quando a Europa comprou máscaras e testes por atacado, o Reino Unido, por ser ideologicamente contra a Europa, ficou de fora. Isso foi notícia em todos os jornais"

Se inicialmente, "o governo se comportou um pouco como uma galinha sem cabeça - e o primeiro-ministro teve o azar de ficar doente tendo sido inclusive cuidado pelo enfermeiro Luís Pitarma, o que gerou uma grande festa entre a comunidade portuguesa - agora, à medida que a curva for diminuindo poderão ser levantadas medidas", o que poderá não acontecer tão depressa.

Por isso, o ministro das Finanças britânico, Rishi Sunak, apressou-se a apresentar medidas de apoio à economia. "Penso que as medidas apresentadas pelo governo britânico para apoiar a economia são melhores do que as apresentadas pelo governo de António Costa para Portugal. Enquanto a Costa  só faltou dizer aos empresários para pedirem dinheiro emprestado para pagar salários, mesmo se forem à falência, aqui o executivo foi claro e está a pagar 80% dos salários de muita gente, até de empreiteiros. Os bancos também deram imediatamente a oportunidade de as pessoas deixarem de pagar os empréstimos à habitação durante três meses, sem burocracias. Mas há falhas: por exemplo, os dentistas não foram considerados pequeno negócio e, por isso, não estão a receber nem dos pacientes, nem das seguradoras, nem do governo. E o receio maior, porque o salário está assegurado pelo governo, é não terem negócio quando reabrirem portas", resume Pedro Caetano.

Quanto ao isolamento e outras regras de distanciamento social, Pedro conta que as pessoas são cumpridoras. "Mas aqui é fácil cumprir, porque há muito campo. Fora de Londres a densidade populacional não é elevada e os ingleses têm espaços para passear, jardins e parques, o que diminui a sensação de aprisionamento".

As escolas, como os pais, também tiveram de se adaptar ao regime de ensino à distância, que nem sempre foi fácil. "Tanto eu como a minha mulher estamos a trabalhar em casa, tal como acontece com muitos pais. Em Portugal a telescola começou mais cedo - até pus os meus miúdos a verem a RTP Memória. E estamos um pouco chateados: trabalho a tempo inteiro e nunca tive tanto trabalho como agora, porque sou da indústria farmacêutica. Como a minha mulher trabalha mais a meio tempo, é ela que está mais com os miúdos e é muita coisa mesmo; os professores, em vez de darem telescola, enviam-lhes uma quantidade de trabalhos. Tivemos de comprar várias impressoras e tinteiros, estiveram esgotadas durante algum tempo, porque os professores estavam sempre a mandar trabalhos de casa (e estamos a falar de miúdos pequenos, pré-primária e segunda classe). A professora de um deles queixa-se de que em 30 miúdos da turma, só quatro entregaram os trabalhos todos e já ia reportar aos serviços sociais - e aqui as pessoas têm um medo enorme dos serviços sociais, porque, mesmo que a pessoa seja de classe média-alta, eles roubam os filhos. Literalmente, roubam os filhos: tiram os filhos às pessoas", conta Pedro.

"Tivemos de comprar várias impressoras e tinteiros, estiveram esgotadas durante algum tempo, porque os professores estavam sempre a mandar trabalhos de casa (e estamos a falar de miúdos pequenos, pré-primária e segunda classe)"

Agora, finalmente, além dos poucos minutos de telescola através da BBC, "uma coisa muito pequenina", os professores já usam plataformas, "mas, basicamente, trabalhávamos com printouts". Por isso, em matéria de ensino, o que se discute "é que os professores podiam ajudar mais. Ou seja, enquanto nós estamos todos a trabalhar a partir e casa, os professores também deviam estar. Porque é fácil chegar à pasta do ano passado e enviar por email uma quantidade de trabalhos para os pais fazerem. Pensamos que deviam estar a dar aulas através do Zoom ou de outra plataforma. Afinal, a minha filha fez anos neste período e os miúdos da classe ligaram-se todos no Zoom. Se têm Zoom para uma festa, o professor também se podia ligar com eles para dar aulas. Se as diversas profissões se adaptaram, os professores também se deviam adaptar", considera.

Atualmente, o principal inimigo é a incerteza. "A maior insegurança é viver num país sem rumo nem liderança. Mesmo agora, que Boris voltou, os britânicos parecem já não acreditar no que diz. Não há máscaras - como já referi - nem para os trabalhadores-chave. Há poucos testes. A moral do país está muito afetada e quebrou-se definitivamente a ilusão de que o Reino Unido iria ser muito forte depois da saída da União Europeia", conclui Pedro.

Sobre o futuro, apenas esta certeza: o lockdown será levantado em maio com base em cinco critérios: "Proteger o SNS, se se verificar uma queda consistente das mortes, se o R (taxa de infeção) estiver abaixo de 1, se se conseguir testar quem deve ser testado, se houver confiança em que o alívio de medidas não leva a uma segunda vaga que coloque de novo em perigo a capacidade do SNS".