A trabalhar na Guatemala, onde gere as várias iniciativas do Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas, esta portuguesa nascida em Trevões, São João da Pesqueira, há 31 anos, abraçou a ação humanitária quando ainda estava a fazer o mestrado em saúde pública, no Reino Unido.

“As grandes causas e com maiores populações com incidências em doenças que dizem respeito ao léxico da saúde pública estão nos países em desenvolvimento. Comecei a fazer alguns estudos sobre a malária que me levaram até África”, contou à agência Lusa.

Desde 2013 passou por Moçambique, São Tomé e Príncipe, Maláui e Sudão, onde presenciou à queda de Omar al-Bashir, em 2019.

O seu trabalho para o PAM – um programa que anualmente ajuda 90 milhões de pessoas em 80 países – mostrou-lhe uma realidade nem sempre em sintonia com os livros.

“Só com a experiência no terreno e só com essas experiências vividas, com o intercâmbio de culturas, com o perceber que o que é normal para mim, pode não o ser necessariamente para outros povos, outras pessoas, só depois de ter esta convivência e nos apercebermos do que está no terreno é que se devia fazer os livros e não o contrário”, defende.

E acrescenta: “A parte teórica nem sempre se adapta a cada país ou a cada comunidade. Este jogo de cintura, esta adaptação ao contexto de cada país é das mais valias e das maiores riquezas que se aprende quando se está no terreno, quando se vive cá”.

“Existe sempre toda a parte teórica, o que idealmente se deve fazer, mas cada país é um país, cada contexto é um contexto, cada etnia é uma etnia diferente. Só estando no terreno, só estando com as comunidades, falando com as pessoas, percebendo exatamente o que elas querem é que se pode complementar o que está nos livros”, adiantou.

No Sudão, país que atravessa uma nova crise, após um golpe militar no passado mês de outubro, a especialista em saúde pública trabalhou com os refugiados.

Este país africano conta com um dos mais elevados números de deslocados internos do mundo (cerca de 454.000, segundo a organização que os monitoriza) e que para ali vão para fugir de conflitos, da violência ou porque se sentem ameaçados, apesar de também atravessar várias crises.

“Eles vêm sem nada ou com muito pouco e vêm para um Sudão, que é um país fragilizado, politicamente muito instável, com uma economia que já teve dias melhores, com uma inflação de 300%. Se essas pessoas vêm para um país que a nível macro está muito, muito mal, isso só diz que a única coisa que eles procuram é sobreviver, não é viver”, contou.

E dá o exemplo dos refugiados que vieram da Etiópia, em condições extremas - idosos, crianças, mulheres, mulheres grávidas, mulheres a amamentar.

“Os primeiros dias que esses refugiados vivem nos campos de refugiados, abertos pelo governo do Sudão, ficam para sempre na memória de cada um de nós e que nos ajudam a valorizar muito daquilo que temos. Muitas vezes queixamo-nos, mas na verdade somos todos é muito privilegiados”, referiu.

Este ano, Andreia Fausto deixou para trás o Sudão, onde o marido continua, também ele ao serviço da ação humanitária, para ser agradavelmente surpreendida por uma Guatemala cheia de cheiros e um povo simpático que, contudo, atravessa uma grave crise alimentar.

“A Guatemala, um país de renda média, é o sexto país do mundo com maior taxa de desnutrição crónica e o primeiro na América Latina”, disse.

Andreia Fausto considera que é importante entender as razões para estes dados aparentemente contraditórios, para os quais poderão estar a contribuir as desigualdades sociais, as diferenças entre os guatemaltecos e as suas populações indígenas.

“Estas diferenças sociais são muito marcadas com estes níveis de desnutrição crónica e isto, se não for tratado e se não se perceber qual é a razão por detrás de tudo isto e se não se tiverem programas específicos que trabalhem a mudança social de comportamento, o que vamos ver é que a Guatemala, que é um país agora de renda média, nunca vai ser um país produtivo, as pessoas não vão ter esta capacidade produtiva e cognitiva que teriam se não tivessem desnutrição crónica”.

E adverte: “Não é só os níveis de nutrição crónica, que são muito, muito preocupantes, mas é também o futuro das gerações que aí vêm e que estão comprometidas”.

A simpatia dos guatemaltecos surpreendeu Andreia Fausto, para quem este é um país “lindíssimo e que tem um potencial muito grande”, a par de aromas muito característicos, entre eles o bom café que produz, mas que acaba quase todo exportado.

“É um país que tem uma realidade muito diferente da realidade africana. A Guatemala tem um governo, um governo forte, que é um governo que existe, que tem estruturas e que essas estruturas, melhor ou pior, elas funcionam. Não é uma realidade como o Sudão, que tem golpes militares, ou até Moçambique ou o Malawi, que são estruturas governamentais mais deficientes”, prosseguiu.

Neste país que “tem sido uma boa caixa de surpresas” tem tido a sorte de ter colegas do programa de origem portuguesa, o que acontece pela primeira vez, pois o inglês é normalmente a língua com que trabalha.

Como em todos os países onde tem ajudado a combater a fome, e sempre que diz ser portuguesa, recebe a atenção de quem conhece Cristiano Ronaldo.

“Todos eles falam do Cristiano [Ronaldo] e há muitas pessoas que me perguntam se eu conheço o Cristiano, porque Portugal é pequeno”, disse, indicando que os pasteis de nata e o bacalhau seguem no top dos símbolos de Portugal identificados naquelas paragens.