A Primeira Guerra Mundial foi, acima de tudo, um grande conflito europeu, cujo fim se decidiu na frente ocidental, na França e na Bélgica, onde foram travadas as batalhas mais sangrentas. A guerra também deixou milhões de mortos nas demais frentes: Rússia, Balcãs, Itália. No entanto, nem todas as batalhas se travaram no Velho Continente.

Devido aos impérios, a guerra alcançou rapidamente todos os continentes: os domínios britânicos mobilizaram-se, a África colonial foi cenário de combates, assim como a Ásia, onde o Japão conquistou as possessões alemãs a partir de agosto de 1914.

A intervenção dos Estados Unidos, tardia, mas decisiva, provocou em 1917 a incorporação de vários países da América Latina no conflito. No Oriente Médio, onde houve múltiplos confrontos durante quatro anos, as fronteiras ficaram totalmente transformadas a partir do conflito.

Mas a frente ocidental foi, durante quase toda a guerra, o objetivo principal dos beligerantes. Foi ali, numa linha de mais de 700 km entre o Mar do Norte e a Suíça, onde se concentrou o maior número de combatentes e ali onde foram travadas as batalhas míticas da guerra, que deixaram um número assustador de vítimas.

Um regresso ao passado

Em 28 de junho de 1914, o príncipe herdeiro do império austro-húngaro, o arquiduque Francisco Fernando, e sua esposa Sofia estavam em Sarajevo, capital da Bósnia, uma antiga província do império otomano anexada em 1908 pela Áustria-Hungria, cujo principal adversário nos Balcãs era a Sérvia, apoiada pela Rússia.

A Primeira Guerra Mundial em números

  • Mais de 70 países beligerantes (trata-se todavia de um número um pouco anacrónico porque a maioria dos países ainda não eram independentes e faziam parte dos seis impérios ou potências coloniais (Reino Unido, França, Rússia, Alemanha, Áustria-Hungria, Império Otomano).
  • Cerca de 20 milhões de homens foram mobilizados no começo da guerra, em 1914. Esse número aumentará paulatinamente até os 70 milhões.
  • Nas fileiras militares, a guerra deixou 10 milhões de mortos e 20 milhões de feridos.
  • A chamada guerra de movimento (operações de deslocamento rápidos de tropas em 1914), os êxodos, a fome, a guerra civil na Rússia e os conflitos regionais do pós-guerra podem ter causado entre 5 e 10 milhões de mortos entre a população, segundo as estimativas de vários historiadores.
  • 6 milhões de prisioneiros.
  • 10 milhões de refugiados em toda Europa.
  • 3 milhões de viúvas e 6 milhões de órfãos.
  • A guerra custou 180 mil milhões de dólares aos principais beligerantes, ou seja entre 3 e 4 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) dos países europeus, que acabaram arruinados.

Nota: Na ausência de fontes confiáveis, os dados da Primeira Guerra Mundial são baseados em aproximações e variam de acordo com os historiadores. A AFP cita os dados mais consensuais ou margens de variações quando as diferenças são pronunciadas.

O estudante nacionalista sérvio-bósnio Gavrilo Princip atirou e matou o arquiduque e sua esposa e a Áustria responsabilizou a Sérvia pelo crime. Isto deflagrou uma série de acontecimentos que levou à guerra, um mês depois.

No dia 28 de julho, a Áustria declarou guerra à Sérvia e bombardeou Belgrado após ter dado um ultimato em 23 de julho. Em 30 do mesmo mês, a Rússia decretou uma mobilização geral para intimidar a Áustria. Em 1º de agosto, a Alemanha - aliada da Áustria - e a França - em apoio à Rússia - colocaram suas tropas de prontidão. No mesmo dia Berlim declarou guerra aos russos.

Em 3 de agosto, a Alemanha declarou guerra à França e as tropas alemãs invadiram a Bélgica. No dia seguinte, o Reino Unido, aliado de França e Rússia, entrou em guerra com os alemães por violação da neutralidade belga.

Uma impossível vitória rápida

O início dos combates foi estrondoso. Em agosto de 1914, os franceses tentaram em vão abrir caminho entre as forças alemãs na região de Lorena (nordeste), enquanto o exército germânico atravessava com sucesso a Bélgica, antes de castigar as tropas francesas e se dirigir a Paris, então abandonada pelos seus moradores e pelo governo, que se instalou em Bordeaux no começo de setembro. A terra ficou encharcada de sangue: 27.000 soldados franceses morreram no sábado, 22 de agosto, o dia mais letal de toda a história do exército francês.

No entanto, em setembro, durante a batalha do Marne, um enorme confronto frontal, que deixou meio milhão de mortos, Joseph Joffre bloqueou as tropas de Helmut von Moltke antes de expulsá-las para o norte. Sem esta batalha — famosa porque o exército francês confiscou táxis parisienses para levar reforços para a frente — a guerra poderia ter terminado em algumas semanas com uma vitória alemã.

A partir de então, a violência dos bombardeios obrigou os combatentes a esconderem-se nas trincheiras, e o conflito transformou-se numa guerra de desgaste. Nenhum estratega tinha antecipado este cenário e as tentativas de avanço dos dois lados, qualificados às vezes de "massacres" ou "carnificinas", não teriam nenhum resultado real antes de 1918.

Guerra de movimento rumo ao leste

Na frente leste, menos populosa, a situação foi totalmente diferente. Era impossível cavar trincheiras em espaços tão extensos e por isso a guerra foi uma guerra de movimento.

A partir de 1914, os otomanos, aliados da Alemanha, fecharam os estreitos para isolar a Rússia. Esta lançou imediatamente uma grande ofensiva contra a Prússia Oriental, que resultou em duas duras derrotas em setembro, em Tannenberg e nos lagos Massurianos.

Para o império dos czares, que logo seria derrubado pela Revolução de 1917, começou aqui um longo retrocesso para o leste, que terminou com o tratado de Brest-Litovsk, assinado em março de 1918 pelo novo governo bolchevique com os impérios centrais. A nova Rússia perdeu, então, os seus territórios ocidentais e mais de 30% da sua população.

No oeste, o ano de 1915 foi marcado por grandes e inócuas ofensivas do exército francês no leste do país. Os soldados sofreram as consequências da guerra moderna. Os alemães usaram gás de combate na cidade belga de Ypres, uma novidade que suscitou grande indignação mundial.

Desastre nos Dardanelos

No mesmo ano, a ofensiva naval e terrestre dos Dardanelos, com a qual os Aliados queriam liberar os estreitos, deu lugar a uma derrota humilhante diante do Império otomano.

Em 25 de abril de 1915, forças britânicas e francesas desembarcaram em Galípoli, no estreito de turco de Dardanelos, visando abrir o acesso a Constantinopla (hoje Istambul) e ao Mar Negro, fechado pela Turquia, aliada à Alemanha e ao império austro-húngaro.

créditos: STRINGER / Collection BDIC / AFP

A operação, defendida por Winston Churchill, à frente da Marinha Real britânica, tinha por objetivo atingir Alemanha e Áustria pela retaguarda e estabelecer uma ligação com a Rússia. O ataque foi um fracasso total: 180 mil mortos entre os aliados, que acabaram por se retirar em janeiro de 1916.

Australianos e neozelandeses comemoram a Batalha de Galípoli porque lutaram nela pela primeira vez sob sua bandeira nacional. Aquela operação foi uma experiência iniciática para muitos jovens australianos e neozelandeses cuja identidade nacional se forjou em parte nestes combates desesperados.

No entanto, os russos detiveram os otomanos no Cáucaso e na Arménia. A partir dessa batalha, centenas de milhares de arménios foram massacrados pelos otomanos, que os acusavam de apoiar o inimigo russo.

As forças navais britânicas e alemãs enfrentaram-se no Mar do Norte. A Alemanha, que queria impor um bloqueio marítimo como resposta ao bloqueio que sofria, lançou em 1915 uma impiedosa guerra submarina. Foi uma decisão estratégica pouco acertada, que acabou por incitar os americanos, indignados com o ataque alemão de embarcações neutras ou que transportavam civis americanos, como o "Lusitania", a entrar na guerra.

Verdun, o símbolo

Verdun marcou o ano de 1916. Em 25 de fevereiro de 1916, os alemães - que queriam desorganizar por completo o exército francês e obrigar Paris a um armistício - lançaram uma grande ofensiva ao norte de Verdun. A partir de junho, o avanço alemão foi detido. Em outubro e dezembro os franceses reconquistaram os emblemáticos fortes de Douaumont e a maior parte do terreno perdido no início da batalha.

créditos: AFP

Em dezembro de 1916, quando a batalha acabou, as linhas eram praticamente as mesmas, apesar das pesadíssimas baixas. A batalha, ponto culminante da guerra das trincheiras, continua a ser o símbolo do conflito, devido à violência de combates sangrentos que deixaram cerca de 800.000 mortos e feridos nos dois lados.

Em julho, as forças britânicas empreenderam a ofensiva do Somme, a maior batalha da guerra, que deixou 1,2 milhões de vítimas. Mas, uma vez mais, o avanço decisivo que esperavam os estrategas não ocorreu e o confronto marcou profundamente os britânicos e os alemães.

A ofensiva foi lançada pelos Aliados no dia 1 de julho, o dia mais sangrento da história britânica, com 20 mil mortos ou desaparecidos - a maioria durante a primeira hora - e 40 mil feridos. Após cinco meses de combates, os progressos sobre o terreno eram ínfimos.

No Oriente Médio, os britânicos, que tinham alternado até então as vitórias e os fracassos militares, provocaram a revolta dos árabes, aos quais prometeram a independência frente à dominação otomana. Um episódio no qual teve papel de destaque Lawrence da Arábia. Mas ao mesmo tempo, Londres e Paris já partilhavam de antemão a região com os acordos Sykes-Picot, assinados em março.

A mudança decisiva de 1917

O ano de 1917 foi o da mudança, com a entrada na guerra dos Estados Unidos contra a Alemanha. No dia 26 de junho, o primeiro comboio com tropas americanas chegou a França. O corpo expedicionário dos EUA chegou a 1 milhão de homens no verão de 1918 e a 2 milhões no final da guerra. Quase 117.000 soldados americanos morreram durante a guerra.

Este também foi o ano das últimas grandes batalhas, tão mortais quanto inúteis. O fracasso da ofensiva de Nivelle no Caminho das Damas, em abril e maio de 1917, provocou motins no exército francês e uma revisão da estratégia militar aliada.

Em 16 de abril de 1917, o exército francês - comandado pelo general Robert Nivelle - lançou uma ofensiva com um milhão de homens no Caminho das Damas, uma pequena estrada usada no passado pelas Damas da França (as filhas do rei Luis XV). A ofensiva encontrou uma forte resistência alemã e até ao início de maio os franceses avançaram apenas algumas centenas de metros; ao custo de 100.000 mortos em poucas semanas. No dia 15 de maio, o general Philippe Pétain substituiu Nivelle e decidiu deter as grandes ofensivas para controlar as revoltas entre as tropas. Entre 30.000 e 40.000 homens se envolveram nas revoltas, em geral na retaguarda, entre tropas que vinham e iam para arriscar a vida por progressos quase nulos. No total, 554 rebelados foram condenados à morte e 49 acabaram executados.

Em outubro, as forças italianas viveram um desastre em Caporetto, onde deixaram 300.000 prisioneiros nas mãos dos austro-alemães.

Entre 1914 e 1917, a Rússia perdeu em combate mais de dois milhões de soldados e oficiais, devido principalmente à falta de armamentos. Em março de 1917, uma primeira revolução provocou a abdicação do czar Nicolau II e a formação de um governo provisório, que na prática não controlava quase nada, enquanto crescia a reação contra a guerra entre a população russa.

Em novembro, os bolcheviques tomaram o poder e sua primeira decisão foi propor aos países em guerra contra a Rússia um armistício. Lenin obteve um armistício com os alemães no dia 15 de dezembro, em Brest-Litovsk, e em 3 de março de 1918 firmou um tratado que entregou grande parte de seus territórios ocidentais à Alemanha (Polónia, Países Bálticos e Finlândia). A Alemanha transferiu parte de suas forças para a frente ocidental.

Assim, no final de 1917, a guerra acelerou para o sul: o general britânico Edmund Allenby entrou em Jerusalém, depois de o Reino Unido se declarar favorável ao estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina, contradizendo as promessas feitas aos árabes.

Na frente ocidental, a Alemanha, que tinha se livrado da Rússia no leste, jogou tudo para conquistar a vitória face à chegada dos reforços americanos. O seu exército conseguiu por fim desembaraçar-se das linhas inimigas na primavera de 1918 e voltou a se aproximar de Paris, que foi bombardeada.

A queda alemã

Mas os Aliados, comandados pelo general Ferdinand Foch, voltaram a conter as exauridas forças alemãs no Marne, e estas, que pareciam estar perto da vitória, sucumbiram durante o verão face às contraofensivas aliadas, e recuaram para as fronteiras.

Um atrás do outro, os aliados da Alemanha foram desistindo: Bulgária firmou um armistício em 29 de setembro; Áustria foi derrotada pelos italianos em Vittorio Veneto (24-27 de outubro); e Turquia foi obrigada ao armistício de Mudros em 30 de outubro.

Na Alemanha, um movimento revolucionário provocou a abdicação do imperador Guilherme II em 9 de novembro e foi proclamada a República.

Em 11 de novembro, às 05h20 da manhã em Rethondes (norte de Paris), num vagão do general Foch, a delegação alemã firmou o armistício. Os alemães aceitaram entregar as armas, libertar os prisioneiros aliados e retirar-se em 15 dias dos territórios ocupados no oeste, assim como da Alsácia-Lorena. Às 11h00 entrou em vigor o cessar-fogo e a Primeira Guerra Mundial havia acabado.

Fotografia de família dos signatários do Armistício. créditos: STR / AFP

Na França e no Reino Unido, esgotados após anos de guerra, a multidão demonstra a sua alegria nas ruas. Mas em países como a Polónia, a Turquia e a Rússia, ameaçados pela guerra civil, seria preciso aguardar anos de conflitos regionais sangrentos para que realmente terminasse a Grande Guerra.

Uma guerra que moldou o século XX

"A Alemanha pagará". O leitmotiv francês que se refletiu no Tratado de Versalhes resume as ilusões dos vencedores sobre o estado da Europa após a Primeira Guerra Mundial, ignorando o colapso político, económico e moral de um continente que dominou o mundo durante séculos.

No final do conflito, os povos europeus estavam exaustos e a tentação revolucionária, inspirada pelo exemplo russo, espalhou-se em 1919, especialmente na Alemanha e na Hungria. Essas tentativas duraram muito tempo e foram reprimidas duramente, assim como as greves que eclodiram na França e na Itália.

A Rússia bolchevique conseguiu estabelecer seu poder depois de uma implacável guerra civil — antes de cair num totalitarismo implacável sob o comando de Stálin e formar um bloco que confrontou os Estados Unidos durante meio século de Guerra Fria, após a Segundo Guerra Mundial.

A Primeira Guerra Mundial moldou em grande medida o Séc. XX. Como? Vejamos.

Terra fértil para totalitarismos

Adolf Hitler encontrou naquele contexto um terreno fértil para alcançar o poder dez anos depois, antes de voltar a levar a Europa para uma guerra devastadora. Benito Mussolini alimentou na Itália as mesmas ânsias de revanche e de grandeza, enquanto, ao contrário, na França e no Reino Unido, a guerra gerou um pacifismo que explica a paralisia das democracias europeias perante Hitler.

Fotografia tirada em setembro de 1937, em Munique, que mostra Adolf Hitler e Benito Mussolini. créditos: SNEP / AFP

Os tratados de paz não só afetaram a Alemanha, mas também desenharam o novo mapa da Europa e do Oriente Médio, dividindo os impérios vencidos e lançando as bases para futuros conflitos entre novas nações, desde os países bálticos até a Turquia, passando pela Jugoslávia e Checoslováquia.

O Império Otomano, que estava a morrer desde o século XIX, foi dissolvido em benefício dos vencedores, e as contraditórias promessas britânicas feitas aos árabes e judeus foram as sementes do futuro conflito entre Israel e os palestinos.

Domínio americano

Embora o prestígio político dos principais vencedores, França e Reino Unido, parecesse atingir o seu auge em 1919, isso não impediu a ascensão internacional dos Estados Unidos, que se afirmou como a principal potência económica, militar e política do mundo ocidental nas décadas seguintes.

O conflito também deixou a Europa exaurida demograficamente. Quase 10 milhões de soldados morreram, 20 milhões ficaram feridos e dezenas de milhões de civis morreram vítimas de massacres, fome e doenças, sem contar as consequências da gripe espanhola em 1918 e 1919.

A guerra também causou milhões de inválidos, viúvas e órfãos.

Emancipação feminina

As mulheres desempenharam um papel fundamental no esforço de guerra, substituindo nas fábricas e campos os homens que estavam na frente de batalha. Muitos delas descobriram naquele momento o benefício da emancipação.

Embora a maioria retornasse às tarefas domésticas após a desmobilização dos homens, a mulheres conquistaram o direito ao voto em vários países como Alemanha, Áustria ou Reino Unido. As franceses estavam entre as poucas que tiveram que esperar até o final do próximo conflito, em 1944, para poder votar.

Os massacres da guerra também deixaram uma marca inesquecível em artistas e intelectuais, atormentados pelas atrocidades que presenciaram. O dadaísmo, nascido durante o conflito, e o surrealismo espalharam-se pela poesia, pintura e literatura, em países como França, Bélgica e Alemanha, como um exorcismo contra o horror.

Nas cidades, a juventude expressou a sua enorme fome de viver, de rir, de protestar. Foi a época dos "anos loucos" em Paris, enquanto que, em Berlim, os pintores tentavam esquecer o seu triste dia a dia em festas noturnas que duravam até o amanhecer.

O mundo viria a envolver-se anos mais tarde numa nova guerra global e sangrenta. A Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações do mundo.

*Por Pierre Glachant, Vincent Drouin e Claude Casteran