Com o objetivo de assegurar o direito à habitação a todos os cidadãos, consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, as três iniciativas legislativas defendiam o conceito de função social da habitação, em que se incluía a requisição temporária de casas injustificadamente devolutas ou abandonadas, mas o PS recuou na apresentação dessa proposta, após ter decidido avançar com um texto de substituição ao próprio projeto de lei.
A eliminação da ideia de requisição de habitações devolutas ou abandonadas mereceu o apoio de PSD e CDS-PP e a oposição de PCP e BE, bem como da deputada independente do PS Helena Roseta, autora do projeto inicial do PS, apresentado em abril de 2018.
Eis as principais propostas para a Lei de Bases da Habitação:
Projeto de lei do PS, após apresentação do texto de substituição
Na perspetiva dos socialistas, “o Estado é o principal garante do direito à habitação”.
Com a retirada da proposta de requisição de habitações devolutas ou abandonadas, no âmbito da função social da habitação, o PS refere apenas que “os imóveis ou frações habitacionais detidos por entidades públicas ou privadas participam na prossecução do objetivo nacional de garantir a todos o direito a uma habitação condigna”, indicando que “o Estado, as regiões autónomas e as autarquias têm o dever de promover o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública e incentivar o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada, em especial nas zonas de maior défice habitacional”.
Além do acesso à habitação, os socialistas definem como direitos: a proteção da habitação permanente, a escolha do lugar de residência e da morada, em que “as pessoas na situação de sem abrigo têm o direito de indicar como morada postal um local de sua escolha, ainda que nele não pernoitem, desde que autorizado pelo titular dessa”.
Na proteção e acompanhamento no despejo, o PS quer garantir “a existência de serviços informativos, de meios de ação e de apoio judiciário”, a obrigação de serem consultadas as partes afetadas no sentido de encontrar soluções alternativas ao despejo e o estabelecimento de um período de pré-aviso razoável relativamente à data do despejo, assim como “a não execução de penhora para satisfação de créditos fiscais ou contributivos, quando esteja em causa a casa de morada de família”.
“O Estado assegura dotações públicas adequadas à concretização da Política Nacional de Habitação e garante os meios necessários à prossecução das políticas regionais e locais de habitação, no quadro das respetivas atribuições e competências”, lê-se no texto de substituição ao projeto de lei do PS, que prevê ainda que a capacidade de endividamento dos municípios “pode ser majorada para contração de empréstimos destinados ao investimento na política municipal de habitação”.
Em relação ao arrendamento habitacional, os socialistas defendem que o Estado tem de desenvolver “uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar” e discriminar positivamente o arrendamento sem termo ou de longa duração, assim como a atribuição de subsídios dirigidos às camadas populacionais que não consigam aceder ao mercado privado da habitação.
No crédito para aquisição de habitação própria permanente, pretende-se que seja “admitida a dação em cumprimento da dívida, extinguindo as obrigações do devedor independentemente do valor atribuído ao imóvel para esse efeito, desde que tal esteja contratualmente estabelecido, cabendo à instituição de crédito prestar essa informação antes da celebração do contrato”.
“Aos devedores de crédito à habitação que se encontrem em situação económica muito difícil pode ser aplicado um regime legal extraordinário de proteção, que inclua, nomeadamente, a possibilidade de reestruturação da dívida ou medidas substitutivas da execução hipotecária”, avançou o PS, acrescentando que a despesa pública com juros bonificados no crédito à habitação própria constitui uma forma de apoio público que pode implicar a constituição de ónus.
Outras das medidas propostas pelos socialistas visam a promoção de construção e reabilitação a custos controlados, a Estratégia Nacional de Apoio às Pessoas em Situação de Sem Abrigo, a proteção e respostas habitacionais de emergência em caso de grave e súbita carência habitacional em virtude de catástrofes naturais e acidentes, a reconversão de áreas urbanas de génese ilegal (AUGI) e a regeneração de núcleos de habitação precária e o apoio a territórios em risco de declínio demográfico.
“O Estado deverá garantir a existência de um parque habitacional público de dimensão igual ou superior à média dos países da União Europeia, prevendo anualmente a dotação necessária à sua concretização progressiva”, segundo o projeto do PS.
Propostas de alteração ao projeto de lei do PS
Defendendo “10 linhas fundamentais” para a Lei de Bases da Habitação, o PSD propôs alterações a 43 artigos do diploma do PS, defendendo que o Estado tem de se manter como garante do direito constitucional à habitação, nomeadamente através da atribuição de um subsídio de renda a famílias carenciadas e do uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública.
Os sociais-democratas defendem, ainda, que “incumbe ao Estado assegurar celeridade dos processos de inventário e dos processos judiciais de heranças indivisas que incluam bens imóveis com aptidão habitacional”.
Entre as sete propostas apresentadas pelo CDS-PP, destacam-se a eliminação do conceito de função social e a proposta de “um levantamento exaustivo” do património imobiliário público com aptidão para uso habitacional.
À iniciativa do PS, o BE fez três propostas de alteração, designadamente que se acrescente a requisição temporária das casas que se encontrem injustificadamente devolutas ou abandonadas e que no crédito à habitação “não podem ser concedidas aos fiadores condições mais desfavoráveis de pagamento dos créditos”.
Apresentadas a título individual, a deputada independente do PS Helena Roseta avançou com cinco propostas, defendendo a criação da Autoridade para as Condições do Arrendamento Habitacional e a introdução de alterações no apoio público em caso de despejo iminente ou já consumado, na renda acessível, no direito de preferência das entidades públicas e nas habitações devolutas ou degradadas à espera das necessárias partilhas sucessórias.
Da parte do PS, houve apenas uma proposta de alteração ao próprio texto de substituição, que visa assegurar a fiscalização das condições de habitabilidade.
Projeto de lei do PCP
Como princípios fundamentais, os comunistas defendem “o primado do papel do Estado na promoção de habitação, a prioridade de utilização do património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento, e a utilização prioritária do parque habitacional devoluto, seja público ou privado”.
Uma política pública de solos contra a especulação imobiliária, a expropriação dos edifícios devolutos públicos ou privados, a impenhorabilidade da casa de habitação própria e permanente para satisfação de créditos fiscais, contributivos ou execução judicial de créditos e “a extinção do contrato de empréstimo para a aquisição de habitação própria e permanente com a entrega da fração ou edifício” são as principais propostas do PCP.
Com 17 alterações à própria iniciativa legislativa, os comunistas reforçam a medida de expropriação de prédios ou frações autónomas devolutos ou degradados há cinco ou mais anos por razão injustificada, bem como a função social da habitação, o direito à proteção e acompanhamento no despejo e o exercício do direito de preferência sobre habitações devolutas ou degradadas.
Projeto de lei do BE
O BE defende que é o Estado que deve promover e garantir o acesso à habitação a todos os cidadãos, através da criação do Serviço Nacional de Habitação, que “integra todas as entidades da habitação não lucrativa, nomeadamente públicas, associativas e cooperativas que desenvolvam atividades de promoção na área da oferta pública de habitação e que integre ainda todo parque habitacional estatal, prevendo uma infraestrutura de serviços nacional, com desdobramento local e municipal”.
Para que se cumpra a “função social do parque habitacional” de providenciar o direito à habitação, o projeto do BE indica que o Estado tem de apostar na construção de fogos habitacionais e disponibilizá-los em programas de arrendamentos e que “as habitações que se encontrem injustificadamente devolutas, abandonadas, em degradação ou em ruínas estão sujeitas a penalizações definidas por lei, regimes fiscais diferenciados e requisição para ser efetivado o seu uso habitacional”.
Neste sentido, “a especulação imobiliária, o açambarcamento massivo de habitações para as retirar do mercado e os atos tendentes a transformar a habitação num simples veículo financeiro, colocam em risco a função social da habitação”, pelo que são sujeitas a regimes fiscais diferenciados, a penalizações e à requisição para ser efetivado o seu uso habitacional.
Com alterações a oito artigos do próprio projeto, os bloquistas sugerem a promoção da acessibilidade da habitação, nomeadamente por pessoas com deficiência e pessoas idosas, e que “a política fiscal relativa à habitação prossegue os objetivos da sua função social, nomeadamente através de benefícios à reabilitação para habitação para arrendamento de longa duração nos regimes de renda de cariz social, nos regimes de renda condicionada ou renda acessível, para habitação própria e pela exclusão de benefícios fiscais nas iniciativas de reabilitação urbana que não prossigam esses objetivos”.
No direito à proteção e acompanhamento no despejo, os bloquistas tinham propostas que determinavam “a impenhorabilidade da casa de morada de família para satisfação de créditos fiscais ou contributivos” e “a extinção do empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente com a entrega da habitação em causa” ao banco, mas no âmbito da apresentação de alterações, decidiram recuar nesse sentido.
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