Os partidos discutiram hoje no parlamento dois projetos de lei apresentados pelo PSD e pelo Pessoas-Animais-Natureza (PAN) que pretendem tornar públicos contratos que envolvam o Estado em "setores estratégicos" e "fundamentais" como a banca ou os transportes.
“Os portugueses têm assistido ao longo de muitos anos à utilização de recursos públicos para solver responsabilidades de outras entidades, em prejuízo, desde logo, de melhores serviços públicos. E tantas vezes a informação que legitimamente deveria ser facultada aos portugueses nunca o foi”, criticou o social-democrata Hugo Carneiro.
Como exemplos, o deputado destacou o setor da banca, nomeadamente o caso Novo Banco, mas também o dos transportes, referindo a TAP.
Hugo Carneiro sustentou que “o parlamento é o órgão de soberania eleito pelo povo e no quadro constitucional deve poder ser chamado a abrir portas da opacidade nestes setores, quando em causa esteja o uso de dinheiro público”.
O diploma do PSD defende que a recusa em revelar estes contratos deve ser punido com “crime de desobediência qualificada” e admite ainda que a desclassificação se possa estender à divulgação do nome de grandes devedores, quando estes tiverem conduzido a perdas definitivas e superiores a 2.500 vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais, ou seja, cerca de um milhão de euros.
Na iniciativa, refere-se que “o disposto na presente lei prevalece em especial sobre qualquer regime legal de sigilo bancário ou sigilo comercial” mas não do segredo de Estado ou de justiça.
Pelo PAN, o deputado André Silva apontou que “no âmbito do Novo Banco, deu-se, inclusivamente, o absurdo de este parlamento ver ser-lhe vedado o acesso sem restrições a informação relevante quanto a estas intervenções” que “acabou exposta em meios de comunicação social ou até em blogs”.
André Silva esclareceu que “não se trata de alterar as regras de sigilo ou segredo previstas, trata-se sim de criar um regime especial que permite que, em casos muito concretos e delimitados, a Assembleia da República possa deliberar, quando assim entender e com uma fundamentação adequada, levantar o sigilo ou o segredo que é imposto sobre certos documentos”.
O projeto de lei do PAN exige ainda que este acesso tenha retroativos até 2007.
Pelo PS, o deputado Fernando Anastácio, começou por dizer que o partido do governo se revê e “está de acordo com o princípio da transparência e de uma administração aberta” mas apontou alguma “confusão de conceitos” aos projetos apresentados.
O deputado apontou que uma administração aberta não pode “pôr entorses na própria orgânica do nosso sistema jurídico-constitucional”, acrescentando que os diplomas apresentados “não questionam nem fazem crítica ao sistema já em funcionamento”.
“À Assembleia da República não cabe classificar ou desclassificar, à Assembleia da República cabe sim conhecer, exercer o seu mandato de fiscalização e é nesse quadro de transparência que nos colocamos”, disse.
Reconhecendo a dificuldade em aceder a alguns documentos, o deputado socialista colocou a hipótese da criação de uma única entidade “que possa fazer esta verificação, esta desclassificação e garantir este efetivo acesso”.
Pelo Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua considerou que os projetos “podem ir mais longe” e apontou que “a questão não é apenas a de aceder aos documentos, é poder divulgá-los e torná-los públicos”.
“Parece-me que [os contratos] são segredo para proteger os ministros e os governantes que os fizeram e também as empresas privadas que lucram com esses mesmos contratos”, acusou.
António Filipe, do PCP, sublinhou que o princípio da administração aberta é “caro” aos comunistas, mas alertou que existem pontos que têm de ser clarificados na especialidade, tal como a questão da retroatividade defendida pelo PAN.
O comunista apontou ainda que não é a “desclassificação que está em causa, uma vez que a classificação pertence a quem classifica”, tratando-se sim de “salvaguardar o direito de acesso da Assembleia da República a esses documentos.
Pelo CDS, a deputada Cecília Meireles salientou “mais do que a questão jurídica, importa tirar consequências da questão política, porque os contratos do Estado são para cumprir mas são antes de mais para assumir”.
“O contribuinte sabe que está a pagar, vê o seu dinheiro a voar para os cofres do Estado, mas não sabe o que está a pagar, não sabe o porquê de estar a pagar, não sabe se havia alternativas melhores ou mais baratas”, criticou também o deputado liberal João Cotrim de Figueiredo.
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