A Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas discutiu hoje projetos de lei do PS, incluindo a regulação da representação de interesses, o chamado 'lóbi', que foi recusado pelo BE e o PCP, com os comunistas a lamentarem a aproximação do PS ao PSD e CDS e a considerarem que se pode estar perante a "institucionalização do tráfico de influências".

Os socialistas defendem que seja criado um registo de 'lobistas' para o parlamento e para cada uma das autarquias locais, sendo publicitadas as reuniões pedidas e temas desses encontros, mas sociais-democratas e centristas consideram que o diploma "não deve ficar por aqui" e, sim, abranger o Governo e a altos cargos da Administração Pública.

O socialista Pedro Delgado Alves argumentou que tal poderá levantar problemas de constitucionalidade, já que está definido na Lei Fundamental que a organização e o funcionamento do Governo são da sua exclusiva competência, mas manifestou total disponibilidade para discutir a matéria e ser convencido do contrário.

Esta matéria está contemplada no programa do Governo, lembrou o deputado socialista.

A questão foi levantada pelo deputado do PSD Duarte Marques, que disse perceber a dúvida constitucional, mas quis vincar: "Penso que a Assembleia da República não devia ficar por aqui e deixar ao critério do Governo".

"As grandes decisões tomam-se também nos gabinetes. É importante saber quem fala com quem. Deviam ser contemplados os gabinetes ministeriais e também os altos cargos da administração pública", defendeu Duarte Marques.

No mesmo sentido, o centrista António Carlos Monteiro sublinhou que não se pode limitar a o registo da transparência aos deputados e argumentou que "o poder legislativo não pode autocensurar-se".

"É para nós condição fundamental a que se possa ter acesso à chamada pegada legislativa e decisória, e é por isso importante que se estenda ao Governo, ao Governo Regional, e às autarquias", defendeu.

A chamada pegada legislativa designa a transparência de todo o processo, incluindo os deputados envolvidos, as pessoas ouvidas, que alterações foram introduzidas após essas audições e reuniões, entre outros aspetos.

Nesta reunião, que marcou o retomar dos trabalhos da comissão, BE e PCP reiteraram a sua posição contrária à regulamentação do lóbi, que já tinha sido proposta pelo CDS e apoiada pelo PSD, tendo agora contributos de projetos de lei do PS.

"O PS segue um caminho de aproximação do CDS e do PSD, que lamentamos", declarou o comunista Jorge Machado, argumentando que "não há nenhuma justificação para a criação de empresas de lóbi", e que, por essa via, pode estar em causa a "institucionalização do tráfico de influências".

Para os comunistas, a criação de empresas que fazem a intermediação de interesses não aumenta em nada a transparência, pelo contrário, cria "um manto de opacidade", quando atualmente grupos de cidadãos já podem pedir reuniões aos grupos parlamentares e já há transparência no funcionamento das comissões parlamentares, que são, por regra, públicas.

Para o bloquista José Manuel Pureza, ou está em causa "o contacto entre os deputados e os cidadãos organizados - e isso deve ser o dia-a-dia de um deputado -, ou isto é outra coisa, que se arrisca a ser uma rede de prender peixe miúdo e que não captura o peixe graúdo".

Pureza saudou, por outro lado, que o PS tenha acolhido nos seus projetos uma proposta originalmente feita pelo BE, de criação de uma Entidade da Transparência, a funcionar junto do Tribunal Constitucional, à semelhança da Entidade das Contas, com competência para fiscalizar a entrega e a conformidade de declarações de rendimentos e património de titulares de cargos públicos e políticos.