O caso, ocorrido no ano passado, foi analisado pela Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica, que concluiu que, apesar de a vítima ter sido “proativa na busca de proteção”, “não foi cumprido nenhum dos preceitos legais identificados” e a “atuação das entidades judiciárias [caracterizou-se] pela ausência de atuação”.

“A PSP [Polícia de Segurança Pública] e o MP [Ministério Público] não utilizaram os mecanismos de proteção nem desencadearam os procedimentos para aplicação de medidas de coação condizentes com a situação de elevado risco que havia sido detetada”, lê-se no relatório.

Vítima e agressor tiveram uma relação entre abril e dezembro de 2016. O agressor inicialmente aceitou o fim do relacionamento, mas a partir de abril de 2017 começou a enviar mensagens e a telefonar sistematicamente para a ex-companheira numa tentativa de reatar a relação.

Rapidamente passou das mensagens para também perseguir e fazer esperas à vítima no local de trabalho ou em casa, muitas destas situações presenciadas pela filha da mulher, à data com sete anos, até chegar às agressões físicas, que obrigaram a que fosse assistida no hospital.

Pelo caminho, houve várias queixas à polícia até que no dia 20 de setembro, um dia antes da data marcada pelo Ministério Público para ambos serem ouvidos, o homem conseguiu atacar a mulher, primeiro tentando esfaqueá-la, depois com agressões “selváticas” que a fizeram cair na rua e, por fim, imolando-se pelo fogo e agarrando-se a ela, provocando-lhe queimaduras em 80% do corpo, das quais morreu quatro meses depois.

Para a Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD), “existiam evidências significativas de que B [agressor] era obcecado por A [vítima]” e sublinha que a mulher tentou por variadas formas não só demonstrar que a relação tinha acabado, como procurar ajuda, mas “sem qualquer resultado”.

“Existiram oportunidades de intervenção relevantes, ou seja, momentos determinantes em que a PSP e o MP deveriam ter tido a iniciativa de adotar medidas para proteger A e conter B”, lê-se no relatório.

Especificamente em relação à atuação da PSP, a EARHVD aponta que a denúncia foi tipificada como crime contra a integridade física e não como um caso de violência doméstica, apesar de o risco ter sido avaliado como elevado não houve registo de planeamento de segurança e a única medida de proteção foi a de estabelecer contactos periódicos com a vítima e reavaliar ao fim de 30 dias, quando esta reavaliação deveria ser feita no prazo de três a sete dias.

A equipa lembra que a legislação atual define procedimentos a desencadear imediatamente após ser recebida uma denúncia e que visam não só proteger a vítima, como recolher prova para avaliar a necessidade de aplicar uma medida de coação ao arguido, tudo no prazo máximo de 72 horas.

“No caso em análise não foi cumprido nenhum dos preceitos legais identificados, que visam uma atuação rápida e expedita perante a denúncia de comportamentos de violência doméstica, tendo-se caracterizado a atuação das entidades judiciárias pela ausência de atuação”, refere a EARHVD.

A primeira queixa à PSP foi feita a 13 de junho de 2017, mas só foi reclassificada como violência doméstica a 21 desse mês e a avaliação de risco só foi enviada ao MP a 04 de agosto. Nem a PSP nem o MP atribuíram estatuto de vítima à mulher e “não foi tomada nenhuma posição sobre a segurança da vítima ou o estatuto processual do arguido”.

Tendo em conta o risco detetado, “poderiam ter sido aplicadas várias medidas”, mas “não existiu gestão do risco e os procedimentos desenvolvidos foram ineficazes”, além de que a gravidade das agressões impunha medidas de contenção que também nunca existiram.

O inquérito e a morte da vítima acontecem em parte durante o período das férias judiciais e a equipa critica que o magistrado de turno não se tenha “debruçado” sobre as necessidades de proteção da vítima.

“Consideramos que todas as ações desencadeadas pela PSP e MP se limitaram a seguir uma atuação formal, sem proatividade, nomeadamente no que diz respeito à operacionalização e gestão de risco, e que não foram desencadeadas medidas efetivas de proteção da vítima e também da filha”, refere a equipa, acrescentando que foi negligenciado o sofrimento da criança.

Critica ainda que das duas vezes que a vítima precisou de assistência hospitalar, o hospital também nunca tenha questionado a origem das lesões.

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