Depois de uma semana em que tudo parecia estar a correr de feição a Zelensky, ainda no rescaldo da sua visita europeia, ontem, no primeiro dia de reuniões da NATO, a Rússia voltou a criar bruaá no mundo ocidental. Durante terça-feira o espaço aéreo Moldavo esteve encerrado durante umas horas. E John Kirby, coordenador do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, chegou a manifestar preocupação com a possibilidade de um ataque àquele país.
Henrique Santos, Brigadeiro-General das forças armadas portuguesas, diz ao SAPO24 que esta “é uma ameaça real, embora dificilmente concretizável a curto prazo.” Para o oficial na reserva, com uma carreira ligada às informações, a realidade da ameaça prende-se com o facto de a Moldova não pertencer à NATO ou à União Europeia e, “como tal, ser um objetivo apetecível, na linha do comportamento recente de Putin. Acresce que existe uma população russófona importante naquele país, o que mais uma vez poderá ser tentador para Putin usar o argumento da defesa daquela população.”
Também um especialista em segurança moldavo, com ligações ao governo do país, refere, ao SAPO24, esta questão de proximidade à Rússia. Prefere não ser identificado, começa por assinalar o exemplo da região da Transnístria, que não é controlada pela Moldova, e explica que ali “o regime é em parte controlado por Moscovo. Têm sido decentes o suficiente para não nos surpreender. E não nos parece que tenham vontade de guerra, especialmente porque dois terços da população é de etnia moldava e ucraniana, e 67% das suas exportações são para a UE.”
O especialista do país que tem fronteira com a Ucrânia descarta alarmismos, lembra que “a nação tem paz”, que têm mantido os canais de comunicação com Rússia, “mas exclusivamente por motivos diplomáticos" e, quanto ao dia a dia, ressalva: "não temos ligado a provocações diretas.”
A geografia é particularmente importante neste caso e pode ser essa que, por um lado, justifica uma invasão, enquanto por outro atesta a dificuldade e a menor probabilidade de ingerência russa em território Moldavo. Henrique Santos pende para esta segunda hipótese. “É dificilmente concretizável [um ataque à Moldova] dada a sua localização geográfica, no lado ocidental da Ucrânia, com uma grande proximidade com a Roménia, e pela reação que certamente iria provocar no mundo ocidental. Se considerarmos Putin um ator racional, parece-me que essa ameaça não se irá materializar a curto prazo.”
José Manuel Lúcio, professor de geopolítica na Universidade Nova, confirma esta idiossincrasia ao SAPO24. “Diria que um ataque Russo à Moldova é possível, mas julgo que não será no imediato e depende de vários fatores, como o desgaste do exército russo, a vontade e o moral das tropas russas e o andamento do conflito na Ucrânia.” Lembra que “o conflito na Ucrânia está a desgastar fortemente, em homens e material, as forças armadas da Federação Russa. Mesmo tendo em conta que a Moldova é um país pequeno com capacidade militar limitada, não creio que a liderança das Forças Armadas Russas esteja interessada em abrir uma nova frente de batalha, que, inevitavelmente, desgastaria ainda mais as capacidades russas e obrigaria a um esforço suplementar de conquista e domínio de mais territórios. Não basta derrotar militarmente um inimigo, é preciso ter capacidades, convencionais, de informação militar e de gestão de forças insurgentes para conseguir ter sucesso numa ocupação que seria, certamente, o objetivo da Federação Russa e da sua liderança político-militar."
O académico explica que, do ponto de vista geográfico, “um avanço para a Moldova implica conquistar território meridional da Ucrânia, como, por exemplo, a região de Odessa, o que será certamente difícil e desgastante para as tropas da Federação Russa.”
Não obstante, acrescenta que esta dificuldade geográfica se pode tornar também ela uma vantagem do ponto de vista tático. “Mesmo assim, uma eventual progressão russa para o sul da Ucrânia, rumo à Moldova, levaria a que o exército ucraniano tivesse de se dividir numa nova frente, o que, por exemplo, enfraqueceria a sua capacidade de resposta no Leste - Donbass. Assim, talvez a Rússia tivesse aqui uma motivação estratégica para o avanço rumo à Moldova - dividir e enfraquecer a oposição civil-militar da Ucrânia no território que mais pretende, isto é, o Leste”.
O professor lembra que há ainda uma terceira hipótese no caso do xadrez militar mudar: “caso a guerra da Ucrânia comece, na ótica russa, a correr melhor, por exemplo, através da conquista de algumas posições estratégicas no leste, então talvez este facto possa aumentar a vontade expansionista de Moscovo. Até porque tendo já as tropas no terreno é mais simples manter o exército em movimento e em direção a novos objetivos.”
Se esta ação de ameaça ao território moldavo tinha como objetivo servir de alguma forma para pressionar a NATO, enquanto decorriam as negociações com os Ministros da Defesa da Aliança, não surtiu efeito. Os aliados querem acelerar o envio de armamento para a Ucrânia, depois do Presidente Zelensky ter dito que esta “fase da guerra está a ser extremamente difícil”.
O Secretário Geral da Aliança Atlântica, que participou no segundo dia de reuniões, afirma que a Rússia está a preparar novas ofensivas e que por isso as tropas ucranianas precisam de reforçar a defesa. Acrescenta que não mostrando a Rússia “sinais de que se esteja a preparar para a paz, pelo contrário, está a lançar novas ofensivas”, a resposta da NATO só pode ser uma: “aumento do nosso apoio à Ucrânia, reforço das nossas defesas com as forças, capacidade e reservas adequadas, e a proteção da nossa infraestrutura crítica fortalecendo o nosso planeamento militar e a nossa cooperação com a indústria”.
Jens Stoltenberg garante que este compromisso de mais armamento pesado e treino militar é essencial, uma vez que a “Ucrânia tem uma janela de oportunidade para fazer pender a balança, e o tempo urge”
No que a uma provocação da Rússia à NATO diz respeito, o Brigadeiro-General também não mostra ter dúvidas. “Não me parece que vá cometer esse erro. Salvo qualquer evento que possa fugir de controlo, da parte de qualquer um dos atores, tentará sempre levar a situação ao limite, procurando obter ganhos políticos e estratégicos, mas sem arriscar um confronto direto que não beneficiaria a sua posição. Ainda acredito que Putin é um ator racional, embora com uma postura dificilmente compreensível pelo Ocidente, e que só em situação de desespero irá escalar o conflito para outro nível ou para outra região."
Também o Professor José Manuel Lúcio antecipa que, no caso de uma invasão, o Ocidente replicaria a ajuda que está a dar à Ucrânia, à Moldova. “Tendo em consideração que, certamente, a NATO iria, também apoiar o governo legítimo da Moldova, este empreendimento russo de atacar uma outra nação soberana envolveria certamente muitos riscos.”
A fonte moldava próxima do governo do país garante que neste momento o seu país, e o seu governo, apenas sentem “uma fricção entre o partido no poder e os partidos da oposição - muitos deles apoiados e financiados por Moscovo - e cujo objetivo é voltar ao poder”. Explica, ao SAPO24, que fruto disto, Putin tenta, através destes partidos, que haja alguma insurreição no país, provocando protestos e pedidos de eleições antecipadas. Mas mantém a calma enquanto descansa o ocidente: “nós temos um partido pro-UE no Governo” e, destaca, eleições só em 2024 para a presidência e um ano depois para o parlamento. Regressa ainda à ideia de paz e de total alinhamento com os objetivos e valores da União Europeia e da NATO: “nós vivemos em paz e estabilidade. Temos uma relação próxima com Kiev, Bucareste, a UE, o Reino Unido e os Estados Unidos. Fazemos inclusive várias análises e trocamos informações relevantes. Está tudo bem”.
Também a ministra da defesa portuguesa, Helena Carreiras, garantiu à saída da reunião com os seus congénere europeus que o apoio à Ucrânia será “até quando for preciso e como for preciso.”
*O SAPO24 enviou perguntas à Embaixada Americana em Lisboa, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo
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