Depois de, em França, preservar “Frutos esquecidos” na “Quinta que sonha” — títulos que deu às suas obras –, quer desenvolver técnicas de cultivo onde a chuva escasseia.
“Cada gota conta”, é o lema da Maioasis, entidade estabelecida nos terrenos de uma antiga cooperativa de plantas ornamentais da Calheta, aldeia a poente da ilha, com pouco mais de mil habitantes.
O proprietário daquele espaço fechou o projeto e 120 pessoas que ali trabalhavam tiveram de procurar outras ocupações — algumas emigraram –, até que Raphael Collici comprou o espaço, em outubro de 2022.
“Foi uma oportunidade” de concretizar um sonho antigo de pôr o pé em Cabo Verde, que foi cultivando ao longo de 50 anos de atividade agrícola em campos da Europa e África.
De enxada na mão, pelo terreno abaixo, abre uma vala e no fundo, a todo o comprimento, faz uma caminha de ramos e arbustos secos misturados com uma matéria igualmente seca e esponjosa.
“É caca [excrementos] de vaca”, explica, numa amálgama de francês, italiano e espanhol.
“Da água que vai para o solo, 80% foge”, por ser território arenoso, permeável, pelo que, antes de plantar árvores naquela vala, Raphael usa uma das 20 técnicas que quer demonstrar em Cabo Verde: usar uma base orgânica absorvente para reter toda a humidade.
Assim, o fundo daquela vala vai segurar a água e vai ser solo vivo, com bactérias, tal como é necessário para tudo crescer.
No terreno já se veem bananeiras, palmeiras, calabaceiras, papaeiras e uma árvore de noni: Rapahel aproxima-se desta e explica que dali é possível obter uma fruta com alto teor antioxidante, muito procurada nos mercados ocidentais (como Estados Unidos da América e Europa), onde atingem preços muito aliciantes para o produtor – um litro de sumo de noni pode custar mais de 20 euros.
“Aqui, podes plantar tudo”, diz, desde que cada árvore ocupe o seu lugar, consoante a altura, para aproveitar cada gota de orvalho: por cima ficam as palmeiras, de onde as gotas escorrem pelas folhas para as mangueiras, mais abaixo os abacateiros, depois as papaeiras, até chegarem às plantas de café e cacau, na base, debaixo de toda a outra folhagem.
É como imaginar uma cascata, refere o defensor da biodiversidade que encontrou em Cabo Verde uma forma completar os seus sonhos iniciados na Europa: quer escrever um novo livro e estudar formas de dar formação.
“Gosto do povo. É um sonho antigo” que se segue a outras incursões em África, que até já lhe valeram sustos, como acordar ameaçado por grupos armados num deserto do Senegal.
“É o meu suor que paga o trabalho aqui. Ainda vou a França e volto. Quando posso, invisto aqui. Um pouco aqui e lá”, descreve, sob o alpendre de uma casa branca de alvenaria de onde se avista quase todo o terreno, onde uma melancia carnuda aberta na mesa ajuda a suportar o sol abrasador.
Quando questionado sobre os lucros que espera fazer, encolhe os ombros.
Fez amigos nos campos de lavoura ao longo da vida, mas diz que alguns “aburguesaram-se”, “o que é pena”, porque “conheciam boas técnicas de retenção de água” e esse é o desafio que agora enfrenta no Maio — como muitos cientistas dizem que será o desafio global, devido às mudanças climáticas.
Jaen-Luc, braço direito de Rapahel na Maioasis, chegou ao Maio no início do ano e aponta para o céu para explicar o seu otimismo: “todos os dias vejo nuvens”.
“Sei que há humidade no ar e, já fiz prospeção, há lençóis de água no subsolo. Por isso, estou otimista”.
Ao lado, Diza Tavares, 40 anos, e Sandro Fernandes, 19 anos, residentes da ilha do Maio, colaboram com o projeto: tratam de áreas de cultivo, rega e outros detalhes do dia-a-dia, num projeto que veem como uma nova oportunidade, numa ilha que tem vindo a perder população e procura projetos que detenham quem ali ainda vive — hoje são pouco mais de seis mil habitantes.
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