"Há uns dias chegou-nos cá um senhor, vindo do Brasil, à procura de informação. Encontrou a própria fotografia. Tinha trabalhado no exterior, mas quando ia ser enviado para a exploração subterrânea, o pai mandou-o para o Brasil porque quis que o filho fugisse à escravidão", conta Micaela Santos, curadora do Museu Mineiro de São Pedro da Cova, freguesia do distrito do Porto, cujos habitantes estão intimamente ligados às minas de onde cerca de 65% da produção nacional de carvão saía nos anos 30 e 40.
"Contou-nos que no dia que fez 16 anos estava feliz e disse ao pai que finalmente seria mineiro à séria, porque até aí faltava-lhe o gasómetro. O pai, que conhecia bem a dureza do interior, mandou-o entregar a chapa [de identificação]. Obedeceu, mas foi para o Brasil contrariado. Voltou cá décadas depois para encontrar um cadastro que lhe conta parte da sua própria história e prova que o pai teve razão em lhe proporcionar uma fuga que provavelmente o salvou", continua a curadora.
A este relato somam-se outros, como o de uma neta de mineiros que através das fotografias arquivadas no Museu Mineiro conseguiu "conhecer" os avós e perceber melhor o que os pais lhe contavam sobre uma freguesia que viveu a exploração, a humana e a do carvão, ao longo de 170 anos.
O complexo mineiro encerrou em 1970 e foi ocupado pela população em 1975, altura em que abriu ao público o primeiro Museu Mineiro de São Pedro da Cova, nos antigos escritórios da Companhia das Minas.
O trabalho da comunidade, com a ajuda do Centro Revolucionário Mineiro (CRM) que nasceu, fará no próximo ano, 45 anos, permitiu salvaguardar um arquivo que contém milhares de documentos, cerca de 3.000 fotografias e 9.000 cadastros.
Através dessa documentação, conta à agência Lusa Micaela Santos, é possível perceber quanto é que mineiros e enchedores, bem como escolhedeiras e britadeiras - mulheres a quem, de joelhos, cabia selecionar com as mãos o melhor carvão - ganhavam nas minas.
Também é através dessa documentação que é possível perceber que existiam meios de controlo disciplinar e que os filhos de mineiros eram obrigados a trabalhar aos 14 anos ou os pais perdiam a casa, uma vez que a Companhia das Minas era dona dos bairros de uma freguesia onde, ou se morria de acidente ou por silicose, enfermidade provocada pela inalação de pó de sílica, conhecido como "poeira de carvão".
Foi também através da recolha desses documentos que foi possível, continua a curadora, atribuir as reformas por invalidez e por doença a quem trabalhou nas minas, ou iniciar um processo de alfabetização de adultos na freguesia.
Atualmente, o Museu Mineiro de São Pedro da Cova está instalado, sendo de acesso livre e gratuito, já fora do complexo mineiro que se encontra abandonado - a Câmara de Gondomar anunciou a expropriação do espaço em novembro, apontando como objetivo criar ali uma da entrada do Parque das Serras do Porto e fazer um Centro de Interpretação Histórica.
Aberto de terça-feira a sábado, das 10:00 às 17:30, o Museu Mineiro de São Pedro da Cova existe há 30 anos numa antiga Casa da Malta - edifício construído pela Companhia das Minas para alojar trabalhadores que vinham de outras regiões do país - adquirida pela Junta de Freguesia local em 1987.
Ainda são visíveis marcas das paredes dos 50 quartos que albergavam os mineiros que ali viviam durante a semana, podendo regressar às suas casas nas zonas do Douro, Tâmega, Sousa, entre outras, ao fim de semana.
Uma cozinha com lareira, arrecadação de lenha, lavandaria e um armazém de bicicletas eram outras das divisões de uma Casa da Malta, que agora tem à frente a Zorra n.º 53, equipamento que serviu nas décadas anteriores a 1960 para transportar carvão entre São Pedro da Cova e Massarelos, no Porto, e que esteve sinalizada para abate pela Sociedade de Transportes Coletivos do Porto, mas foi "devolvida" à freguesia na década de 90.
"Entre 2009 até 2011 tivemos cerca de 4.000 a 5.000 visitantes [no museu]. Desde de 2012 temos tido cerca de 6.000 a 7.000 visitantes anuais. O público alvo é o escolar. Porquê? Quer porque temos como objetivo preservar a memória quer porque, reparámos, após a visita de uma escola, as crianças regressam e trazem familiares", descreve Micaela Santos.
Além de exposições, montras com pás, picas, martelos e picaretas, gasómetros, um circuito que conta a "viagem" do carvão e a "escravidão" do trabalho mineiro, maquetas sobre a "vila mineira" dos anos 60, e o acervo documental, o Museu Mineiro tem outra ramificação: uma coleção de fósseis.
Soma-se a atividade 'Museu vai à escola' que se traduz numa maleta pedagógica que é levada até às escolas, onde é contada a história do museu e de São Pedro da Cova.
E é também junto das crianças que Micaela Santos sente que há muita curiosidade sobre a atualidade da freguesia, sobre o facto de nas escombreiras das minas terem sido depositadas, em 2001/2002, toneladas de resíduos industriais perigosos provenientes da Siderurgia Nacional.
"Até os miúdos mais pequenos questionam. E aqui, no museu, crianças e adultos perguntam-nos como foi possível e quando ficará tudo resolvido", descreve.
Em causa, uma situação que a tutela garantiu, em novembro, que será resolvida no início do próximo ano, isto depois da remoção dos resíduos ter começado em outubro de 2014, mais de 10 anos depois do depósito, tendo terminado em maio do ano seguinte, com a retirada de 105.600 toneladas. Ficaram para uma segunda fase de remoção mais de 125 mil toneladas de resíduos.
O Museu Mineiro de São Pedro da Cova também organiza percursos pedestres pela freguesia e visitas a um complexo mineiro onde existe, entre outros edifícios, o Cavalete do Poço de São Vicente classificado como Monumento de Interesse Público em março de 2010.
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