O vigilante, que iniciou o seu turno de serviço pouco antes das 8:00 do dia 12 de março, data da morte de Ihor Homeniuk, falava como testemunha no julgamento em que três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) estão acusados do homicídio qualificado do cidadão ucraniano, devido a alegadas agressões perpetradas à vítima que, durante a noite e madrugada, teve de ser isolado na sala dos médicos porque se mostrara inquieto e perturbado por não ser autorizado a entrar no país.
Segundo contou Rui Rebelo, na passagem de turno, os vigilantes da noite/madrugada comunicaram-lhe que tinham tido uma noite "agitada" e estavam cansados devido aos problemas criados por Ihor, tendo um dos seguranças ficado magoado num pé por causa de um sofá que estava no interior da sala onde Ihor Homeniuk ficaracom isolado, com os pés atados com fita adesiva castanha alegadamente como forma de controlar o seu temperamento descrito como algo agressivo.
O segurança admitiu que, nessa altura, viu que o cidadão ucraniano "tinha a cara inchada" e os "pés atados com fita adesiva", tendo-lhe sido dito por um dos colegas da noite que o passageiro tinha sido medicado e sofria de "problemas de epilepsia".
Face ao caso complicado para o qual como vigilantes não estavam preparados para enfrentar, comunicaram o assunto ao SEF, tendo volvidos cerca de 15 minutos aparecido os inspetores Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa (arguidos), os quais entraram na sala onde se encontrava o cidadão ucraniano.
Rui Rebelo revelou ainda que quando foi levar o pequeno-almoço a Ihor Homeniuk "viu o inspetor Laja com o pé em cima do peito" do cidadão ucraniano, dizendo ao passageiro: "Está quieto, está quieto". De seguida, a porta foi fechada, pelo que não viu mais nada naquela altura
Disse ainda que outros colegas "foram á espreitar" e que os inspetores os "mandaram embora" dali.
Descreveu que nos escassos momentos que viu Ihor Homeniuk, este estava deitado no colchão, virado para cima" e que, além de Laja, que tinha o pé em cima do passageiro, estavam lá os outros dois inspetores do SEF em pé.
Relatou que, já durante a tarde, foi espreitar à sala e encontrou Ihor deitado", sendo que este, apesar de algemado nas costas, mexia-se bastante, tendo até conseguido sair do colchão. Disse ainda que, nessa altura, o passageiro "falava muito baixinho" num idioma que não percebia.
Reiterou que Ihor Homeniuk tinha a "cara inchada" e "estava todo transpirado, suado"", assegurando que "nunca mais o viu" até a Cruz Vermelha ter sido chamada, já durante a tarde, após o inspetor Gabriel Pinto ter vindo alertar que "já tinham matado o homem".
Contudo, precisou, apesar da afirmação daquele inspetor, Ihor Homeniuk ainda não tinha morrido, porque o passageiro ainda respirava, tendo sido acionado os meios de emergência médica.
No final da audiência, Maria Manuel Candal, em representação dos advogados de defesa, esclareceu que foi pedido ao tribunal a extração de certidão por falsas declarações da testemunha, por existirem "grandes contradições" entre o que disse hoje em julgamento e o que declarou à PJ em inquérito, numa alusão ao facto de alegadamente ter sido a primeira vez que o vigilante veio dizer que viu Duarte Laja com um pé em cima do corpo de Ihor.
Na sessão de hoje foram ouvidos outros três vigilantes como testemunhas, tendo Sónia Antunes garantido ao coletivo de juízes, presidido por Rui Coelho, que, excetuando o caso de Ihor Homeniuk, "nunca tinha visto ninguém algemado", nem preso com fita adesiva nos pés nas instalações do SEF, como forma de acalmar algum passageiro.
Em sessões anteriores, outros dois seguranças disseram ter ouvido gritos de dor de Ihor vindos da sala onde a vítima estava com os três inspetores acusados, e também que Duarte Laja tinha um pé em cima da cabeça/nuca do cidadão ucraniano, dizendo para ele "estar quieto".
Os três inspetores SEF estão a ser julgados por homicídio qualificado de Ihor Homeniuk, um crime punível com pena de prisão até 25 anos.
O crime terá ocorrido a 12 de março, dois dias após o cidadão do Leste Europeu ter sido impedido de entrar em Portugal, alegadamente por não ter visto de trabalho.
Segundo a acusação do Ministério Público, que em julgamento está representado pela procuradora Leonor Machado, o passageiro ucraniano após ser espancado terá sido deixado no chão, manietado, a asfixiar lentamente até à morte.
Dois dos inspetores acusados neste processo respondem ainda pelo crime de posse de arma proibida (bastão), instrumento que alegadamente terá sido utilizado contra Ihor Homeniuk dentro da sala dos médicos.
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