A atualidade informativa tem sido marcada pelos surpreendentes sucessos da contraofensiva ucraniana, os mais significativos desde que as tropas de Kiev conseguiram expulsar as forças de Putin da capital, em abril.

Ontem, pelas contas das autoridades ucranianas, tinham sido recuperados mais de 3.000 quilómetros quadrados de território só em setembro, durante uma contraofensiva no nordeste, especificamente na região de Kharkiv, a segunda maior cidade do país (recorde-se que as tropas de Vladimir Putin controlam cerca de 120.000 quilómetros quadrados de território ucraniano, incluindo a península da Crimeia, anexada em 2014).

Os soldados russos foram obrigados a retirar de Balakliya, Izium e Kupiansk — um triângulo estratégico para os russos na região. Incapaz de esconder a derrota, o Kremlin assumiu a retirada, mas com o objetivo de “fortalecer-se” em torno de Donetsk, mais a sul, uma das capitais dos separatistas pró-russos.

Parte do sucesso desta contraofensiva no nordeste poderá deve-se ao que a Ucrânia apelidou de "operação especial de desinformação" — numa referência irónica ao facto de a Rússia se referir internamento à guerra como uma "operação militar especial".

O porta-voz das forças especiais do exército ucraniano, Taras Berezovets, descreveu-o da seguinte forma ao The Guardian: “A Rússia pensou que íamos atacar no Sul e levou para lá o seu equipamento. Em vez disso, a ofensiva aconteceu onde eles menos esperavam, o que os deixou em pânico.”

Mas a sul também se anunciam progressos. Segundo Natalia Humeniuk, porta-voz do exército ucraniano, as tropas de Kiev já conseguiram recuperar cinco localidades na região de Kherson, tendo sido libertados cerca de 500 quilómetros quadrados — uma informação que ainda não foi possível confirmar de forma independente.

Volodymyr Zelensky acredita que “este inverno é um ponto de inflexão e pode implicar uma rápida desocupação da Ucrânia. Vemos como [as forças russas] estão a fugir em algumas direções. Se formos um pouco mais fortes com as armas, poderemos desocupar mais rapidamente”, assinalou durante uma intervenção no fórum internacional anual na Yalta European Strategy (YES) .

A Rússia, por sua vez, desvalorizou formalmente os avanços ucranianos e mantém que os objetivos definidos para este conflito serão cumpridos — e a resposta russa aos recuos em Kharkiv não tardou, com a cidade a ser atingida por vários mísseis, deixando-a sem luz e sem água.

A leitura dos serviços de inteligência britânicos é de que em Kharkiv, "desde quarta-feira, a Ucrânia recuperou o equivalente a duas vezes o território da Região de Londres [cerca de 3 mil quilómetros quadrados]".

Já a "sul, junto a Kherson, a Rússia está provavelmente com dificuldades em transportar reservas suficiente através o rio Dnipro para a linha da frente. Uma ponte flutuante russa improvisada, que começou a ser construída há duas semanas, continua incompleta. A artilharia ucraniana de longo alcance está a bombardear os acessos no Dnipro com tanta frequência que impedem qualquer reparação de pontes por parte da Rússia", acrescenta.

Assim, conclui o relatório desta segunda-feira, 12 de setembro, "os rápidos sucessos da Ucrânia podem ter implicações significativas para o conjunto do desenho operacional russo. É muito provável que a maior parte das forças [russas] na Ucrânia seja obrigada a dar prioridade a ações defensivas de emergência. A já limitada confiança que as tropas russas têm na liderança militar deverá deteriorar-se ainda mais".

Talvez por isso, Kirill Stremousov, um dos líderes impostos pela Rússia no território ocupado de Kherson, tenha estado particularmente ativo no Telegram na manhã desta segunda-feira, publicando diversos vídeos com o objetivo de aumentar a moral das tropas.

Em casa, a contraofensiva ucraniana começa a "pesar" sobre a reputação de Putin.

Nacionalistas russos exigem agora ao seu líder que faça mudanças imediatas na ofensiva, com vista a garantir uma vitória definitiva sobre a Ucrânia, escreve a Reuters,

O líder da Chechênia, Ramzan Kadyrov, aliado de Putin e cujas tropas estão também na linha da frente, assumiu que a campanha militar não está a correr como esperado. "Se hoje ou amanhã não forem feiras mudanças na operação militar especial, serei forçado a ir até à liderança e explicar-lhes a situação no terreno".

Rybar, um proeminente blogger do Telegram, que apoia a intervenção militar, criticou o silêncio de Moscovo sobre esta contraofensiva. "Agora é o tempo de calar e não dizer nada... isto prejudica seriamente a causa", disse.

"Por causa de erros que não conhecemos, o controlo do processo político foi perdido", assumiu Sergei Markov, um analista pró-Kremlin, que aparece recorrentemente na televisão estatal, nas redes sociais. "Eu garanto-vos que esta confusão não vai durar. Mas de momento, é uma confusão".

“Parece que está na altura de endurecer,” defendeu Vladimir Solovyov, no seu programa de televisão este domingo, dizendo que a Rússia não está a fazer o suficiente para travar o exército ucraniano e quebrar as suas linhas de abastecimento.

Igor Girkin, que ajudou a lançar a guerra no Donbass em 2014, comparou o colapso de uma das principais frentes de batalha na Ucrânia à batalha de Mukden, em que uma derrota catastrófica no conflito russo-japonês levou à Revolução Russa de 1905. O ex-operacional do FSB, que tem apelidado o ministro da Defesa de "o marechal de papelão", tem dito repetidamente que a Rússia será derrotada se não declarar uma mobilização nacional de tropas para este conflito.

Mesmo que a fúria seja, nesta fase, direcionada para as chefias militares, a contraofensiva ucraniana não abona em favor da imagem de estratega militar e político de Vladimir Putin, numa guerra anunciada como "operação especial", que se esperava ver "resolvida" em algumas semanas e leva já mais de seis meses.

"A força é a única fonte de legitimidade de Putin", diz Abbas Gallyamov, que em tempos foi responsável por escrever os discursos do líder russo, ao The New York Times. "E numa situação em que ele não tem força, a sua legitimidade vai cair até chegar a zero", acrescentou.

Segundo alguns analistas ouvidos pelo NYT, a realidade não suporta a narrativa de Putin sobre a Ucrânia, criando "buracos" na ideia de que o exército russo é invencível, de que a Ucrânia é um país de corruptos e cobardes ou de que a Rússia "não perdeu nada" com este conflito (segundo um balanço oficial do Governo ucraniano, pelo menos 52.650 militares russo já foram mortos na Ucrânia desde o início da operação militar).

E o descontentamento começa a ser visível até em Moscovo, cidade que a Putin tentou "escudar" dos custos do conflito.

Tatiana Stanovaya, analista política russa, diz que ao minimizar a guerra — inclusive apelidando-a de "operação militar especial" — o Kremlin criou para os russos uma realidade paralela, de aparente normalidade, provavelmente crente de que este seria um conflito de curto prazo. No entanto, recuo após recuo, a narrativa é difícil de manter.

Na tragédia dos números, dão-se como confirmados 13 milhões de deslocados, pelo menos 5.587 civis mortos e 7.890 feridos, mas sabe-se que serão muitos mais, num conflito que, para já, continua sem fim à vista.

Não é claro como é que a Rússia vai responder aos avanços da Ucrânia no terreno — ou o que Putin está disposto a fazer para travar o "momentum" ucraniano, mas tal irá determinar se este momento é uma viragem decisiva na guerra ou apenas mais uma batalha.