O que diz a lei em vigor 

Aquela que ficou conhecida como a 'lei Uber' estabelece, pela primeira vez em Portugal, um regime jurídico aplicável à atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.

Segundo a lei 45/2018, o início da atividade de operador de TVDE está sujeito a licenciamento do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, licença essa que será válida por 10 anos.

Para ser parceiro e poder ter automóveis ao serviço das plataformas, é obrigatório constituir uma empresa, pois a lei só permite a atividade a pessoas coletivas. É de 500 euros a taxa para o pedido do licenciamento das plataformas, enquanto a emissão e revalidação do licenciamento da atividade das empresas com frotas de carros (que trabalham para as plataformas) custará 200 euros.

Os motoristas ligados às plataformas têm de fazer um curso de formação inicial de 50 horas, com componente prática e teórica, e um contrato escrito com um parceiro, que passa a ser a sua entidade empregadora.

Ao contrário dos taxistas, estão impedidos de recolher passageiros na rua sem serem chamados ou circular em faixas 'bus' e também não podem parar em praças de táxis. Estão proibidos de estar mais de 10 horas por dia ao volante, independentemente da aplicação para a qual trabalhem.

Entrada das plataformas eletrónicas de transporte no país longe de ser pacífica

A entrada no mercado das operadoras de transporte de passageiros a partir de plataforma eletrónica não foi pacífica: a contestação dos taxistas durou mais de quatro anos, com protestos em várias cidades do país por dias consecutivos.

A pioneira em Portugal foi a Uber, a operar desde 2014. Chegaram depois a Cabify, a Bolt (anteriormente Taxify) e a Kapten (anterior Chauffeur Privé).

Atualmente há mais três operadores de TVDE (transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados de plataforma eletrónica) com licença emitida pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, mas ainda não estão em funcionamento: Its my ride, Vemja e Biguride.

Em setembro do ano passado, o setor do táxi protagonizou o seu quarto grande protesto contra estas plataformas de transporte, parando entre 19 e 26 de setembro contra a entrada em vigor desta lei e reclamando que as plataformas deveriam ser sujeitas igualmente a contingentes, como o seu setor.

Ao fim de oito dias parados nas cidades de Lisboa, Porto e Faro, as associações representativas do setor decidiram desmobilizar os protestos, depois de o PS se disponibilizar para propor a transferência da regulação do número de carros ao serviço das plataformas para as autarquias, algo que ainda não está concretizado.

Nos primeiros tempos a relação entre motoristas de plataformas e de táxis não foi das melhores, com vários relatos de agressões a surgirem entre ambos, sobretudo na zona do aeroporto, ainda quando a Uber era a única a operar no mercado nacional.

O clima foi sempre de crispação entre os dois setores, chegando a existir viaturas danificadas dos motoristas das plataformas eletrónicas, mas, de acordo com os responsáveis do setor do táxi, “tudo já está mais contido”.

Com um novo setor de atividade surgiram também tentativas de crime, no entanto, a Polícia Judiciária desmantelou, já este ano, um grupo de oito pessoas no âmbito de uma operação relacionada com a obtenção forjada de certificados e formações obrigatórias para motoristas de veículos descaracterizados de transporte de passageiros.

A rede criminosa desmantelada era composta por diversos responsáveis de escolas de condução e de centros de formação homologados pela entidade pública competente (Instituto de Mobilidade e Transportes), dois médicos, um advogado, um funcionário de organismo público e angariadores.

O esquema detetado envolvia a obtenção fraudulenta, através de formações fictícias, de certificados de aptidão para motoristas, certificados de motoristas de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados e de transporte coletivo de crianças.

Operadoras de TVDE consideram que lei foi mais-valia para a mobilidade

Num setor que fez nascer nos primeiros nove meses de 2019 (até 30 de setembro) mais de três mil empresas (3.209) segundo um barómetro da consultora Informa, as quatro operadoras licenciadas e a operar no país sublinharam que depois de um período de adaptação à lei não foram encontrados grandes entraves.

A Cabify adiantou à Lusa ter vivido “um período de adaptação” após a entrada da lei 45/2018, frisando que “foi um passo verdadeiramente importante para o futuro da mobilidade em Portugal e, simultaneamente, um contributo para um paradigma de cidades sustentáveis e inteligentes”.

“A entrada em vigor da legislação de 01 de novembro permitiu criar maior estabilidade, que é positiva para todos aqueles que desenvolvem o seu negócio no setor. Desta forma, a existência de regras claras, e o facto de estas estarem a ser escrupulosamente cumpridas por todos, muito nos apraz e mais nos motiva a trabalhar em prol de um ainda melhor serviço e satisfação de clientes e parceiros”, referiu fonte da Cabify.

Também a Kapten, que começou por se chamar Chaffeur Privé, referiu à Lusa que desde o início acreditou que a lei “iria contribuir para que os ‘players’ tradicionais competissem em qualidade e para que estes se concentrassem na elevação dos seus padrões globais de serviço e de apoio ao cliente, pelo que a adaptação da Kapten foi a melhor”.

“Auxiliámos todos os nossos parceiros em termos burocráticos no processo e acreditamos que a lei TVDE veio reforçar o setor”, adiantou Sérgio Pereira, diretor-geral da Kapten Portugal, salientando que a operadora tem instalações no país “onde paga os respetivos impostos”.

Pioneira no mercado nacional, a operar em Portugal desde 2014, a Uber referiu ser uma empresa que “faz cada vez mais parte da vida das cidades portuguesas e contribui para que mais pessoas reduzam a utilização do carro privado, diminuindo o congestionamento das cidades” onde opera.

De acordo com dados fornecidos à Lusa por fonte oficial da Uber, há um ano a empresa marcava presença nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, no Algarve, em Braga e em Guimarães, “cobrindo mais de 53% da população portuguesa”.

Entretanto, a Uber indicou ter expandido os serviços até estar em mais de 60 municípios, cobrindo “mais de 60% da população portuguesa, a maior cobertura do serviço no sul da Europa”.

Já a Bolt, que inicialmente foi legalizada com o nome de Taxify, considerou que a entrada da lei em vigor obrigou a “fazer alguns ajustes à operação” da empresa. Contudo, desde que começou a operar, em janeiro de 2018, já estava a trabalhar tendo em vista a lei que viria a ser aprovada, uma vez que já estava a ser discutida pelos partidos na Assembleia da República, o que fez com que o período de adaptação e transição “ocorresse de forma bastante eficaz”.

“No geral, não há dúvida de que a lei veio melhorar em larga escala o funcionamento do setor das plataformas de mobilidade, bem como a relação com os taxistas”, frisou fonte da Bolt.

Questionados sobre a representatividade de motoristas portugueses ou estrangeiros, os quatro operadores referiram que na sua grande maioria são de nacionalidade portuguesa, com a Cabify a indicar que “12% dos motoristas são de nacionalidade brasileira”.

A Lusa questionou igualmente os operadores quanto ao facto de os seus motoristas trabalharam em simultâneo para outro operador, mas só a Cabify respondeu, afirmando que se trata de “um resultado natural de um mercado que não exige exclusividade”, mas reconhecendo, no entanto, não contabilizar o número de motoristas nessa situação.

Depois dos conflitos iniciais com os taxistas, as operadores de plataformas reconhecem que essas situações diminuíram, com a Kapten a admitir uma maior “harmonização no setor de transporte, especificamente entre TVDE e taxistas, apesar de servirem clientes e setores diferentes”.

A Uber, que inicialmente foi a mais lesada a este nível, avançou que atualmente “não tem registado incidentes”.

Há mais três plataformas já licenciadas pelo IMT. Em resposta à Lusa, as operadoras Biguride e a Vemca indicaram que preveem começar a sua atividade ainda em novembro. A Its my ride não respondeu aos contactos.

Federação diz que táxis perderam clientes, mas estão a recuperar

O presidente da Federação Portuguesa do Táxi reconhece que o setor “perdeu clientes” com a chegada das plataformas de veículos descaracterizados ao mercado nacional e a existência de uma “certa crispação” entre os dois serviços de transporte.

Quando se assinala um ano da entrada em vigor da lei que regula as plataformas eletrónicas de transporte que operam em Portugal (01 de novembro), Carlos Ramos diz, contudo, que, depois da perda de clientes, o setor do táxi “está a recuperar”.

“Houve muita gente nova que testou as plataformas e que diz que não há assim tantas diferenças. Estamos a recuperar muitos clientes que contam experiências interessantes que tiveram com os TVDE [transporte em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica]”, explicou, em declarações à Lusa.

De acordo com Carlos Ramos, a “crispação entre os dois setores mantém-se, mas está mais contida”. Os responsáveis do setor do táxi deram inclusive indicações aos seus associados “para haver contenção de ânimos”.

O último grande protesto dos taxistas aconteceu entre 19 e 26 de setembro de 2018, em Lisboa, Porto e Faro, contra, precisamente, a entrada em vigor, em 01 de novembro, da lei que regulamenta as plataformas eletrónicas de transporte, como a Uber ou a Cabify, depois de longos meses de discussão parlamentar e da contestação do setor do táxi.

O protesto, que juntou milhares de taxistas, só terminou com a promessa do PS de levar à comissão de descentralização uma proposta para as autarquias regularem contingentes para as plataformas eletrónicas de transporte, processo que já leva vários meses.

Carlos Ramos assegurou à Lusa que a luta dos taxistas não está esquecida e que irá agora questionar os grupos parlamentares sobre os compromissos assumidos, depois da tomada de posse dos novos deputados na Assembleia da República.

“Vamos perguntar se as coisas mudaram em relação aos compromissos que o PS tinha tomado connosco, para nós nada mudou. Era garantia por parte do Partido Socialista que os contingentes dos TVDE passavam a ser da responsabilidade das autarquias e isso ainda não aconteceu”, precisou o responsável.

“O Governo tem de cumprir aquilo com que se comprometeu connosco”, avisou.

Carlos Ramos disse ainda que nas reuniões com os grupos parlamentares vai “tentar evangelizar para os problemas do setor”.

Entre estes, o responsável referiu a questão da reestruturação do sistema tarifário, sublinhando a “urgência em estruturar o sistema do setor para poder concorrer com as plataformas”.

“Não estamos aqui para impedir aumentos, mas queremos ter um preço mais acessível ao cliente”, sublinhou.

Urgente para Carlos Ramos é também a definição dos contingentes nos táxis: “Já devíamos estar a discutir se devem continuar ou não com este regime concelhio ou se devem ser os contingentes intermunicipais ou municípios agregados, em que os táxis possam circular livremente dentro destes, de forma a que o cliente pague menos pelo serviço prestado”.