As ondas de choque do caso dos refugiados ucranianos que foram recebidos na Câmara de Setúbal por russos simpatizantes do regime de Vladimir Putin continuam a fazer-se sentir, e entramos na fase do apuramento de responsabilidades políticas.

A nível nacional, a Assembleia da República apresentou requerimentos para três audiências distintas, mas só duas delas passaram: ao ministro da Administração Interna e à ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, sobre o acolhimento de refugiados ucranianos naquele município. Todavia, aquela que gerava mais expectativa foi bloqueada pelo Partido Socialista.

O presidente da Câmara de Setúbal, André Martins, não será ouvido na Assembleia da República (AR) acerca do caso, apesar dos pedidos do Chega, do PSD, da Iniciativa Liberal e, sim, do PCP. Todos os partidos votaram a favor na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, menos o PS que, recorde-se, tem maioria absoluta.

A justificação para este bloqueio, proferida por Pedro Delgado Alves, é de que o presidente de câmara "responde perante a Assembleia Municipal", pelo que é necessário "respeitar o poder autárquico" e as questões institucionais. “Parece-nos que a resposta perante o órgão de fiscalização político de uma Câmara Municipal é a respetiva Assembleia Municipal”, sustentou o socialista, vincando a importância da “separação de competências” e sublinhando que “não é função” do parlamento fiscalizar o poder autárquico.

Todos os partidos estranharam a posição, especialmente porque Fernando Medina foi chamado quanto era autarca de Lisboa por uma situação análoga e porque o próprio André Martins se mostrou disponível para se justificar perante os deputados. Nada feito.

A este caso, o líder da oposição, Rui Rio, declarou-se “absolutamente estupefacto com aquilo que o PS resolveu fazer”. “É uma das primeiras ações de uma maioria absoluta que não se entende. Eu já fiz parte de uma maioria absoluta, a primeira vez que estive no parlamento foi numa maioria absoluta, com o Dr. Cavaco Silva, reconheço que o Grupo Parlamentar do PSD cometeu um ou outro excesso, mas assim uma coisa destas não me lembro francamente de ter acontecido”, atirou.

Um dos seus possíveis sucessores, Luís Montenegro, candidato à liderança do PSD, seguiu pela mesma bitola, acusando o PS de “não querer que se saiba a verdade toda” sobre o que aconteceu no acolhimento aos refugiados ucranianos. “Não queremos escrutinar no parlamento decisões autárquicas, mas queremos escrutinar no parlamento o que uma autarquia faz em relação aos serviços que o Governo tutela”, defendeu.

Mas se este caso promete a contestação dos partidos face ao que entendem ser o abuso de uma posição maioritária, a nível local a situação ainda promete ser mais quente.

O PSD fez saber que vai apresentar moção de censura a exigir a demissão do presidente da Câmara de Setúbal na Assembleia Municipal Extraordinária da próxima terça-feira, disse hoje à Lusa o deputado social-democrata Nuno Carvalho. 

“Vamos apresentar uma moção de censura porque o presidente da Câmara de Setúbal sabia das ligações dos elementos da Associação dos Imigrantes de Leste (Edinstvo) ao governo russo e nunca o assumiu”, justificou Nuno Carvalho, defendendo que a demissão de André Martins deveria ser acompanhada pelos restantes vereadores da CDU.

“Por outro lado, o tratamento de dados dos refugiados ucranianos estava ferido de ilegalidade, por não haver um encarregado de Proteção de Dados, que só foi nomeado no passado dia 3 de maio”, acrescentou o deputado e eleito do PSD na Assembleia Municipal de Setúbal. De resto, Rui Rio já disse que não tem autoridade para ordenar os vereadores do PSD a demitirem-se e afetar ainda mais o executivo autárquico, mas apontou também que o autarca não tem condições para continuar.

O PS também se prepara para apresentar uma moção de censura, mas esta não exigindo a demissão de André Martins. No entanto, está visto que os próximos tempos não prometem ser nada fáceis para o executivo camarário da CDU.

Tal como podem não ser para António Costa. O primeiro-ministro descartou responsabilidades numa primeira fase, mas o PSD vai puxá-lo de volta aos holofotes. O mesmo deputado disposto a derrubar André Martins, Nuno Carvalho, entregou hoje no parlamento um conjunto de perguntas dirigidas ao primeiro-ministro, questionando em que momento se inteirou das ligações ao Kremlin dos cidadãos russos que acolheram refugiados ucranianos na Câmara de Setúbal.

Nas perguntas dirigidas ao primeiro-ministro, o deputado do PSD pergunta se Costa recebeu uma carta de André Martins a pedir para “clarificar as reais intenções e a veracidade das afirmações da embaixadora da Ucrânia, sobre a existência de associações com ligações ao atual governo russo a acolherem refugiados ucranianos que chegam a Portugal”. Nuno Carvalho pede também informação sobre o momento em que o primeiro-ministro foi informado sobre os protocolos do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) com a Associação de Imigrantes de Leste (Edinstvo), envolvida na receção de refugiados ucranianos.

No documento, o deputado social-democrata questiona igualmente se o Governo já tinha iniciado algumas diligências relacionadas com este processo ou se as mesmas só ocorreram após o pedido da Câmara Municipal de Setúbal.

No meio de tudo isto, Marcelo Rebelo de Sousa, ao seu jeito, deixou um aviso. “Eu acho que os portugueses é que gostarão de saber aquilo que se passou, aquilo que se passa, uma vez investigado, para poderem conhecer, tanto quanto a verdade é possível descobrir toda, aquilo que é verdade sobre esta matéria”, afirmou o Presidente da República.

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