O caminho para 2023 começa agora. Apesar de a próxima JMJ, que se deveria realizar em Lisboa em 2022, ter sido adiada para agosto do ano seguinte devido à pandemia, foi este domingo, 22 de novembro de 2020, que os jovens católicos portugueses começaram a viver a preparação do evento com maior intensidade.

O Papa desafiou hoje os jovens católicos a rejeitarem uma mentalidade “consumista” e o “pensamento dominante”, que descarta os mais necessitados, e pediu-lhes “grandes sonhos”, que alarguem “horizontes” e não os deixem “estacionados nas margens da vida”.

Na homilia da missa da solenidade de Cristo Rei, a que presidiu na Basílica de São Pedro e na qual participou a delegação portuguesa que recebeu, no final da cerimónia, os símbolos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Papa Francisco convidou os jovens a assumirem “escolhas vigorosas, decisivas e eternas”.

“Hoje, escolher é não se deixar domesticar pela homogeneização nem anestesiar pelos mecanismos do consumo, que desativam a originalidade, é saber renunciar às aparências e à exibição. Escolher a vida é lutar contra a mentalidade do usa e deita fora, do tudo e imediatamente, para orientar a existência rumo à meta do Céu, rumo aos sonhos de Deus”, afirmou.

Francisco destacou a importância dos “grandes sonhos” na vida dos jovens, para que estes alarguem os seus “horizontes” e não fiquem “estacionados nas margens da vida”.

“Não fomos feitos para sonhar aos feriados ou ao fim de semana, mas para realizar os sonhos de Deus neste mundo. Ele tornou-nos capazes de sonhar, para abraçar a beleza da vida”, frisou.

O Papa alertou que “escolhas banais levam a uma vida banal”, realçando que “a beleza das opções depende do amor”.

“Se escolhemos roubar, tornamo-nos ladrões; se escolhemos pensar em nós mesmos, tornamo-nos egoístas; se escolhemos odiar, tornamo-nos furiosos; se escolhemos passar horas no telemóvel, tornamo-nos dependentes. Mas, se escolhermos Deus, vamo-nos tornando dia a dia mais amáveis; e, se optarmos por amar, tornamo-nos felizes”, afirmou.

A homilia recordou o exemplo de São Martinho, cuja festa litúrgica se celebra em 11 de novembro, um jovem romano de 18 anos, que, ainda não batizado, “cortou o seu manto e deu metade ao pobre, suportando o riso de escárnio de alguns à sua volta”.

“São Martinho era um jovem que teve aquele sonho porque o vivera, embora sem o saber, como os justos do Evangelho de hoje”, acrescentou.

Francisco admitiu que, na vida dos mais novos, há “obstáculos” no momento de decidir, “o medo, a insegurança, os porquês sem resposta”.

“A vida já está cheia de escolhas que fazemos para nós mesmos: ter um diploma, amigos, uma casa; satisfazer os próprios passatempos e interesses. De facto, corremos o risco de passar anos a pensar em nós mesmos, sem começar a amar”, advertiu.

No final da homilia, o Papa deixou um “conselho” para que os jovens possam “escolher bem”.

“A opção diária situa-se aqui: escolher entre o que me apetece fazer e o que me faz bem. Desta busca interior, podem nascer escolhas banais ou escolhas vitais. Olhemos para Jesus, peçamos-Lhe a coragem de escolher o que nos faz bem, de caminhar atrás d’Ele pela via do amor e encontrar a alegria”, declarou.

A entrega dos símbolos foi ainda marcada pelo anúncio do Papa de que o Dia Mundial da Juventude passará a ser celebrado nas dioceses de todo o mundo no Dia de Cristo Rei e não no Domingo de Ramos, como até aqui.

A comitiva portuguesa em Roma

A Roma chegou, na sexta-feira, uma comitiva portuguesa presidida pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente. A representar todas as dioceses nacionais estiveram dez jovens, que recebem das mãos dos jovens do Panamá os símbolos da JMJ.

O grupo levou também uma carta do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para entregar ao Papa Francisco. A representar o governo português esteve também em Roma o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, que tutela a área da juventude.

A Cruz Peregrina, com 3,8 metros de altura, e a réplica do ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani, que retrata a Virgem Maria com o Menino nos braços, estiveram anteriormente no Panamá e, chegadas a Lisboa, vão ficar na Sé Patriarcal — mas há também um pedido para receber os símbolos por parte de Santiago de Compostela, Espanha, que em 1989 acolheu a JMJ, e que celebra o Ano Jacobeo em 2021.

O momento de passagem dos símbolos deveria ter acontecido em abril, mas foi também adiado devido à covid-19. Em Roma, a cerimónia também foi diferente.

"Infelizmente não vamos poder contar com o calor humano dos nossos irmãos panamenhos, que não podem viajar do Panamá para a Europa, mas estará uma representação de panamenhos que vivem em Roma”, explicou D. Américo Aguiar, presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023 e bispo auxiliar de Lisboa, que integra também a comitiva portuguesa que se desloca a Roma, à Agência Lusa, antes da celebração.

Apesar de o momento "acontecer em circunstâncias muito especiais de cumprimento das regras sanitárias, quer portuguesas, quer italianas", é "uma festa". Segundo D. Américo Aguiar, a preparação da JMJ em Lisboa "continua com muitas condicionantes, com muitos adiamentos, mas é para fazer caminho, porque o verão de 2023 está aí à espreita".

Ultrapassar a lógica do "mega-acontecimento pontual"

Os dias da comitiva portuguesa em Roma começaram com um encontro com D. José Tolentino Mendonça, arquivista e bibliotecário da Biblioteca Apostólica Vaticana, no sábado.

Numa catequese na Igreja de Santo António dos Portugueses, em Roma, o Cardeal apelou hoje ao combate a uma "cultura dominante do egoísmo". Para D. José Tolentino Mendonça, a par do combate ao egoísmo deve sobressair o entendimento da vida como "serviço e dedicação” aos outros.

Citado pela agência Ecclesia, referiu ainda que as JMJ são um "sinal" e ultrapassam a lógica do "mega-acontecimento pontual", que deixa tudo "como estava".

"As jornadas não são apenas uma das maiores concentrações humanas e juvenis do planeta, com tudo o que isso representa em termos de organização", afirmou, acrescentando que as JMJ são uma intensa "jornada de evangelização".

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e Bispo de Setúbal, D. José Ornelas, deixou também ontem uma mensagem dirigida aos jovens portugueses, desejando que os símbolos sejam um sinal da vontade de "levantar-se para acudir, agora as vítimas da crise; levantar-se para superar as dificuldades; levantar-se para um mundo mais humano e fraterno".

De mais longe, o Arcebispo do Panamá, D. Jose Domingo Ulloa, também dedicou breves palavras aos jovens, num vídeo que recorda momentos da anterior JMJ.

"Unimo-nos à alegria da juventude do mundo inteiro na ocasião da transferência dos símbolos da Jornada Mundial da Juventude para a Igreja de Portugal. Do Panamá a Lisboa 2023", pode ouvir-se.

Uma cruz viajada e um ícone que protege das desgraças

Os dois símbolos que acompanham e representam a Jornada Mundial da Juventude têm histórias que começam em momentos diferentes, acabando por se complementar por vontade do Papa João Paulo II.

A Cruz peregrina foi construída a propósito do Ano Santo, em 1983, e foi confiada pelo Papa aos jovens no Domingo de Ramos do ano seguinte, para que percorresse todo o mundo. Desde então, a cruz de madeira iniciou a sua peregrinação que já a levou aos cinco continentes, num total de quase 90 países.

"Foi transportada a pé, de barco e até por meios pouco comuns como trenós, gruas ou tratores. Passou pela selva, visitou igrejas, centros de detenção juvenis, prisões, escolas, universidades, hospitais, monumentos e centros comerciais. No percurso enfrentou muitos obstáculos: desde greves aéreas a dificuldades de transporte, como a impossibilidade de viajar por não caber em nenhum dos aviões disponíveis", pode ler-se no site da organização.

"Tem-se afirmado como um sinal de esperança em locais particularmente sensíveis. Em 1985, esteve em Praga, na atual República Checa, na altura em que a Europa estava dividida pela cortina de ferro, e foi aí sinal de comunhão com o Papa. Pouco depois do 11 de setembro de 2001, viajou até ao Ground Zero, em Nova Iorque, onde ocorreram os ataques terroristas que vitimaram quase 3000 pessoas. Passou também pelo Ruanda, em 2006, depois de o país ter sido assolado pela guerra civil", é referido.

Por sua vez, a réplica do ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani acompanha a cruz apenas desde o ano 2000, sendo "símbolo da presença de Maria junto dos jovens".

"Com 1,20 metros de altura e 80 centímetros de largura, o ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani está associado a uma das mais populares devoções marianas em Itália. É antiga a tradição de o levar em procissão pelas ruas de Roma, para afastar perigos e desgraças ou pôr fim a pestes. O ícone original encontra-se na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, e é visitado pelo Papa Francisco que ali reza e deixa um ramo de flores, antes e depois de cada viagem apostólica", explica a organização. Este ano, a 15 de março, o Papa Francisco rezou em frente a esta imagem, devido à atual pandemia da covid-19.

A JMJ: uma peregrinação e uma festa

A JMJ é o maior evento organizado pela Igreja Católica. Segundo a organização, "é, simultaneamente, uma peregrinação, uma festa da juventude, uma expressão da Igreja universal e um momento forte de evangelização do mundo juvenil. Apresenta-se como um convite a uma geração determinada em construir um mundo mais justo e solidário. Com uma identidade claramente católica, é aberta a todos, quer estejam mais próximos ou mais distantes da Igreja", lê-se no site.

O evento aconteceu, todos os anos a nível diocesano, por altura do Domingo de Ramos, o domingo anterior à Páscoa — o que muda a partir deste ano —, e a cada dois, três ou quatro anos como um encontro internacional, numa cidade escolhida pelo Papa — e sempre com a sua presença.

Tudo começou em Roma, em 1984, quando o Papa João Paulo II quis organizar um encontro com jovens, no Domingo de Ramos, para "celebrar o jubileu dos jovens inserido no Ano Santo da Redenção 1983-1984". Eram esperados cerca de 60 mil jovens peregrinos, mas o número foi largamente ultrapassado: estima-se que tenham estado 25o mil pessoas em Roma, oriundas de vários países.

Devido ao enorme sucesso da iniciativa, o Papa decidiu, no ano seguinte, tornar o evento oficial e escreve uma Carta Apostólica aos jovens do mundo inteiro e anuncia, a 20 de dezembro, a instituição da Jornada Mundial da Juventude.

"Todos os jovens devem sentir-se acompanhados pela Igreja: é por isso que toda a Igreja, em união com o Sucessor de Pedro, se sente mais comprometida, a nível mundial, a favor da juventude, das suas preocupações e pedidos, da sua abertura e esperanças, para corresponder à suas aspirações, comunicando a certeza que é Cristo, a Verdade que é Cristo, o amor que é Cristo, através de uma formação apropriada", explicou na altura.

Mas o que acontece exatamente numa Jornada Mundial da Juventude? Ao longo de uma semana, os jovens — que se deslocam de todo o mundo — são acolhidos maioritariamente em instalações públicas e paroquiais ou em casas de famílias. Nos vários dias existem "momentos de oração, partilha e lazer os jovens inscritos participam em várias iniciativas organizadas pela equipa da JMJ, em diferentes locais da cidade que a acolhe".

O Papa marca presença nos atos centrais: a cerimónia de acolhimento e abertura da Jornada, a via-sacra, a vigília e, no último dia, a missa de envio.

Até agora já aconteceram 15 Jornadas Mundiais da Juventude, com a presença de três Papas:

Papa João Paulo II

1986: Roma, Itália

1987: Buenos Aires, Argentina

1989: Santiago de Compostela, Espanha

1991: Czestochowa, Polónia

1993: Denver, Estados Unidos da América

1995: Manila, Filipinas

1997: Paris, França

2000: Roma, Itália

2002: Toronto, Canadá

Papa Bento XVI

2005: Colónia, Alemanha

2008: Sydney, Austrália

2011: Madrid, Espanha

Papa Francisco

2013: Rio de Janeiro, Brasil

2016: Cracóvia, Polónia

2019: Cidade do Panamá, Panamá

A edição de 2023, em Lisboa, tem como tema "Maria levantou-se e partiu apressadamente". Será um acontecimento nunca visto em Portugal, com um custo estimado acima de 50 milhões de euros. Além disso, Lisboa será o segundo país lusófono, depois do Brasil, a acolher uma Jornada Mundial da Juventude.

Para a angariação de fundos e gestão dos fundos associados ao evento foi criada a Fundação Jornada Mundial da Juventude.

A organização da Jornada Mundial da Juventude tem uma sede provisória em São Vicente de Fora, no concelho de Lisboa, e o Cardeal Patriarca de Lisboa disse em novembro de 2019 esperar que o evento possa ter o mesmo impacto no desenvolvimento da zona entre os municípios de Lisboa e Loures — onde vai decorrer — que a Expo 98 teve no local onde hoje se situa o Parque das Nações.

Para ajudar a criar ambiente até ao evento, a organização disponibilizou já as camisolas oficiais — com o logótipo criado para edição em Portugal — e um itinerário de preparação para a JMJ Lisboa 2023, elaborado pela Direção de Pastoral e Eventos Centrais, que "propõe um caminho de aprofundamento da fé com base no verbo levantar-se", comum aos temas das mensagens para a Jornada Mundial da Juventude — e percetível na oração que marca também o momento, lançada no sábado.