Chama-se Mahathir Mohamad, não é avesso a polémicas nem a confrontos com poderosas instituições. Eleito em 2018 depois de se ter reformado em 2003, o primeiro-ministro da Malásia encontra-se num braço de ferro com a instituição financeira Goldman Sachs para reaver o dinheiro desviado de um fundo de investimento malaio, naquele que foi um dos maiores casos de fraude da história do país.

No cerne deste caso está o 1Malaysia Development Berhad (1MDB), um fundo de investimento público detido pelo estado malaio e fundado em 2009 pelo primeiro-ministro à época, Najib Razak. O desvio do dinheiro nele depositado descobriu-se e em 2015 e tornou-se numa das maiores fraudes financeiras da história da Malásia.

O caso provocou ondas de choque no sistema financeiro global, estando as ramificações desta fraude a ser investigadas em dez países. Um deles, os EUA, anunciou que os desvios terão ocorrido entre 2009 e 2015, com o valor total a ser cifrado nos 4.500 milhões de dólares.

Najib Razak, o ex-primeiro-ministro suspeito

Mas o terramoto causado pelo desfalque também foi político, tendo Najib Razak, a governar desde 2009, perdido as eleições presidenciais do país em maio de 2018, tendo agora dezenas de acusações pendendo sobre si pelo seu alegado papel no desvio.

O seu substituto acabou por ser um dos mais conhecidos políticos do país, Mahathir Mohamad, que aos 93 anos tornou-se no mais velho chefe de governo do mundo, cumprindo o seu segundo mandato depois de governar o país com braço de ferro entre 1981 e 2003, ano em que anunciou a sua reforma política.

Figura polémica, anti-semita assumido, cujo primeiro mandato foi marcado por uma postura autocrática, Mahathir Mohamad diz-se agora um político mais moderado e respeitador das regras da democracia. É também ele que agora encabeça as investigações do paradeiro do dinheiro desviado do 1MDB e um dos alvos do primeiro-ministro malaio é o grupo financeiro Goldman Sachs.

Um primeiro-ministro com 94 anos vs. Goldman Sachs

Segundo o estado malaio, a Goldman Sachs e 17 dos seus funcionários induziram investidores a comprar títulos que o grupo ajudou a criar para a 1MDB no valor de 6.500 milhões de dólares. Dois deles, avança a acusação, subornaram funcionários malaios para garantir que a Goldman Sachs estava envolvida na emissão dos títulos, tendo obtido 600 milhões em comissões.

Acusando então o grupo financeiro de ter sido parte ativa no desvio dos fundos do 1MDB, a Malásia exigiu à Goldman Sachs o pagamento de 7.500 milhões de euros em compensação pelas perdas, mas a instituição financeira avançou na semana passada com um valor bastante mais baixo, de menos de dois mil milhões de dólares.

A proposta foi confirmada pelo próprio primeiro-ministro malaio numa entrevista ao jornal britânico Financial Times, dizendo, ainda assim, estar disposto a negociar um valor. “Não estamos satisfeitos com esse valor, por isso ainda estamos a falar com eles… Se responderem razoavelmente, podemos não insistir em obter os 7.500 milhões de dólares”, admitiu Mahathir Mohamad, que por outro lado disse à imprensa malaia que consideraria processar a instituição se um acordo não for atingido.

O caso, contudo, vai para lá da Goldman Sachs, tendo o primeiro-ministro confirmado que o estado malaio está em contacto com vários bancos para tentar identificar fundos que tenham pertencido ao 1MDB e provar de que são dinheiro malaio. Dois deles são o Deutsche Bank, na Alemanha, e a UBS, na Suíça.

Parte do enredo é também o Departamento de Justiça dos EUA, que conseguiu negociar um acordo para recuperar bens no valor de perto de mil milhões de euros das mãos de Jho Low, o empresário malaio que esteve no cerne desta fraude e que se encontra em fuga.

 Jho Low, o empresário em fuga

Sendo este considerado o maior caso de sempre de anti-corrupção pelo Departamento de Justiça dos EUA, a instituição norte-americana avançou com processos judiciais para tentar recuperar 1.700 milhões de dólares em bens alegadamente comprados com os fundos roubados do 1MDB.

No acordo, que não incluiu uma admissão de culpabilidade nem acusações criminais, Jho Low aceitou ceder bens no valor de 700 milhões de dólares, incluindo um jato privado e bens imobiliários em Beverly Hills, Nova Iorque e Londres. Estes bens, juntando-se aos previamente confiscados no valor de 246 milhões de dólares (que incluem um iate avaliado em 126 milhões de dólares), totalizam perto de mil milhões de dólares.

Segundo a Agência Reuters, o acordo representa um recorde, sendo maior apreensão de bens da história da justiça norte-americana. Mas esse dinheiro, todavia, poderá ter de voltar para a Malásia, já que Mahathir Mohamad também exige que esse dinheiro regresse ao país.

Os EUA já tinham devolvido 200 milhões de dólares à Malásia em maio, mas Mahathir Mohamad já garantiu que o país não se vai ficar por aqui, pois “o valor [desviado] é muito maior”. “Os bens foram comprados com dinheiro malaio, temos provas de que foi dinheiro malaio e vamos fazer uma reclamação ao governo norte-americano”, disse o primeiro-ministro na passada quinta-feira, indicando também que Departamento de Justiça dos EUA garantiu ao estado malaio que devolveria a totalidade do valor se este conseguisse demonstrar direitos de propriedade desse dinheiro.

No ano passado, as autoridades malaias emitiram um mandado de busca por Low, cujo paradeiro é desconhecido mas cujos relatos mais recentes apontam para os Emirados Árabes Unidos. Da parte do empresário, um porta-voz confirmou que Low pediu asilo em agosto deste ano num outro país, não especificando qual. Low diz ser inocente, sendo as acusações um ato de perseguição política 

Quem, para já, enfrenta a justiça malaia é Najib Razak, já que foram levantadas alegações de que mil milhões de fundos da 1MDB terão sido desviados para as suas contas pessoais e o preço a pagar por tais ligações não foi apenas a derrota nas eleições de maio de 2018.

Não só Razak e a sua mulher, Rosmah Mansor, foram impedidos de sair do país depois da derrota nas eleições, como rapidamente avançaram investigações ao seu estilo de vida, descobrindo-se bens e dinheiro físico no valor de 300 milhões de dólares em propriedades ligadas ao casal.

Agora o ex-primeiro-ministro enfrenta 42 acusações criminais na Malásia pela perda de fundos na 1MDB e noutras entidades governamentais, sendo que a moldura penal prevê vários anos de prisão. Najib Razak nega todas as acusações.