Na véspera destas eleições para os órgãos sociais do Benfica, a Mesa da Assembleia-Geral do clube garantiu o cumprimento das regras do ato eleitoral, que este ano ocorre por meio de voto eletrónico e contra voto físico. No entanto, ao longo do dia têm sido registados problemas de segurança na plataforma de voto eletrónico que podem potencialmente colocar em causa a integridade do processo.

Uma das pessoas que denunciou estas irregularidades trata-se de João Pina. Em declarações ao Tribuna Expresso, o programador responsável pela plataforma Fogos.pt explicou que em causa esteve o facto de existir um endereço URL a circular nas redes sociais através do qual era possível aceder a sessões de votação abertas por um sócio do clube, ou seja, a ver boletins de voto alheios.

Recorrendo a um “script” — um conjunto de instruções em código de programação — era assim possível aceder a sessões de votação destinadas aos sócios, inclusivamente sessões que ainda não tivessem sido estabelecidas. Isto porque o sistema informático do Benfica não tem mecanismos de segurança capazes de bloquear o acesso a terceiros que queiram aceder às sessões.

Com estas vulnerabilidades denunciadas, a questão que se coloca é se alguém de facto conseguiu alterar votos já submetidos, o que constaria como um ato de fraude eleitoral. Segundo João Pina, é possível que tal tenha acontecido, mas mesmo que não tenha havido votos transviados, existem “muitas bandeiras vermelhas à volta deste sistema”. "Se este caso acontecesse numas autárquicas ou legislativas os cidadãos não iriam impugnar?", disse ao Tribuna.

Mais tarde, porém, o programador confirmou na sua conta de Twitter que o tal URL a ser partilhado já não funcionava, o que sugere que a equipa de segurança informática do Benfica tenha agido.

Para além deste problema, porém, acresce o facto de, no início do dia, vários votantes nos Açores se verem impedidos de submeter os seus votos electrónicos. Tal aconteceu porque o sistema de votos estava a bloquear IPs (os endereços de protocolo de Internet que cada dispositivo tem) nacionais, mas a situação foi depois corrigida.

Candidatura de Noronha Lopes exige contagem de votos físicos, Rui Gomes da Silva fala em "cenas de teatro"

Situações como estas acima registadas já levaram uma das candidaturas a reagir. Vítor Paneira, mandatário da Lista B, de João Noronha Lopes, lançou suspeitas sobre o sistema de voto eletrónico e deixou um apelo à "transparência", avançando que a única forma de a conseguir é contar os votos físicos depois de feita a contabilização dos votos eletrónicos.

Tal pedido foi depois replicado num comunicado oficial da parte da candidatura de João Noronha Lopes. “Temos uma eleição com voto electrónico que vários especialistas em cibersegurança consideram vulnerável a ataques e fraude”, lê-se na nota, falando de “relatos de situações que revelam problemas informáticos de extrema gravidade.”

A nota de João Noronha Lopes lamenta ainda que o atual presidente da Mesa da Assembleia Geral, Virgílio Duque Vieira, não queira contabilizar os votos físicos depositados em urna, apesar de ter informado numa carta datada de 4 de setembro que estes votos seriam contabilizados.

Por estas razões, o candidato anunciou que vai exigir a contagem dos votos físicos e que a sua equipa não abandonará o local de voto enquanto tal não acontecer. “Se queremos um ato eleitoral digno e sem margem para dúvidas, o voto físico vai ser contado e vai ser contado hoje. E por isso aproveito para informar o presidente da MAG: os meus delegados não vão arredar pé dos locais de voto enquanto as urnas não foram abertas e o voto físico não for contado”, conclui.

Também a candidatura de Rui Gomes da Silva se disse opor à contagem exclusiva dos votos eletrónicos numa publicação de Facebook feita a 26 de outubro.

No entanto, hoje, já depois de exercer o seu direito de voto, o ex-vice-presidente do Benfica voltou a lamentar que a decisão tenha sido a de recorrer ao sistema eletrónico.

"Eu sou um crítico do sistema desde a primeira hora. Se se lembrarem, sempre disse que o voto eletrónico não merecia a minha confiança. Sempre achei que aquilo que era melhor e aquilo que seria evidente, é que hoje tivéssemos, depois do voto eletrónico tivéssemos a contagem do voto físico. Era aquilo que minimamente seria exigível", declarou os jornalistas.

"Lamento que a direção e a Mesa do Benfica não tenham cumprido e aceite um conjunto de regras que nós próprios propusemos em vários momentos, há meses, há um mês ou ainda na segunda-feira. Mas é o que é. A minha expectativa não é tanto sobre aquilo que os sócios votaram, mas esperar que o computador do Benfica generoso com minha pessoa e candidatura", comentou ainda quanto a este tema.

Rui Gomes da Silva, todavia, aproveitou também para deixar duras críticas à Lista B, que acusou de não se ter unificado numa posição conjunta contra o voto eletrónico e de agora entrar em "cenas de teatro" e "golpes palacianos".

"Ainda na semana passada, na reunião com a Mesa da Assembleia Geral com os técnicos que nos expuseram o que era o voto eletrónico, os representantes da Lista D tiveram o cuidado de lançar um conjunto de temas e de medidas que fariam com que este resultado respeitasse de facto aquilo que era a vontade dos sócios. E não quiseram".

"A Mesa da Assembleia Geral não quis e à outra lista que hoje está a disputar as eleições foi proposta uma posição conjunta e não o quiseram. Portanto não venham agora entrar em cenas de teatro no momento da votação. Não vão contar comigo para por em causa, agora, determinadas questões. Sei o que digo, sei o que penso. As pessoas serão livres de fazer o que quiserem. Não venham é agora com frentismos populares em relação ao voto eletrónico quando durante três meses se recusaram determinantemente a assinar uma posição conjunta", disse.

Por isso, frisou que para não contarem com ele para agora se entrar em "cenas de teatro, em golpes palacianos". "Eles próprios [Lista B] aceitaram as regras e recusaram na altura contestar por razões que os senhores [os jornalistas] terão que lhe [a Noronha Lopes] perguntar.

Presidente da Mesa da Assembleia-Geral diz que contagem de votos físicos não vai acontecer

Para responder às questões levantadas pela Lista B, o presidente da Mesa da Assembleia-Geral, Virgílio Duque Vieira, deixou claro que não vão ser abertas as urnas onde estão a ser depositados os votos físicos.

"As urnas não serão abertas, são seladas em frente dos representantes da mesa e dos delegados das candidaturas nas 24 delegações", confirmou Duque Vieira aos jornalistas

Respondendo às críticas da candidatura Noronha Lopes, o presidente da MAG disse que "não é nada disso que se passa” e que tais denúncias se deram "certamente por falta de informação ou por informação defeituosa”. “Se alguém conseguir entrar no sistema, poderá porventura, mas não consegue votar, e isso é verdadeiramente a segurança do sistema", disse Duque Vieira.

De acordo com o dirigente, a MAG optou pelo sistema eletrónico tal como está previsto nos estatutos do clube e fê-lo porque "considera que é um sistema perfeitamente auditável, fidedigno, sério, rigoroso e que garante a confidencialidade".

"Ouço as candidaturas, vejo as notícias e as televisões, e alguns dos sócios têm posto a questão da contagem dos votos em papel. O voto em papel foi uma exigência da própria MAG porque é algo que, se algum sócio do Benfica entender que o sistema de voto eletrónico, por qualquer razão, não é sério ou rigoroso, é sempre possível tirar a limpo essa situação", disse o presidente da MAG, não esclarecendo se isso envolveria a abertura das urnas, que esclareceu que serão seladas e transportadas "por uma empresa de guarda de valores que as reterá à sua guarda e as vai guardar durante, pelo menos, 6 meses". "Não vou revelar qual a empresa por uma questão de segurança", disse ainda.

O presidente do Benfica e candidato pela Lista A Luís Filipe Vieira, entretanto, também já reagiu às acusações dos seus concorrentes, considerando o levantamento de suspeições “a coisa mais baixa que se pode fazer em eleições” e que "às vezes as pessoas têm uma tendência para preocupar-se mais com elas próprias do que com o Benfica, esse é o seu desespero”,

O Benfica elege hoje o novo presidente do clube, numas eleições em que Luís Filipe Vieira se candidata a um sexto mandato, frente a João Noronha Lopes e Rui Gomes da Silva.

As eleições, que decorrem no Pavilhão n.º 2 do Estádio da Luz, em Lisboa, entre as 08:00 e as 22:00, e em 24 casas do clube, vão definir os órgãos sociais para o quadriénio de 2020/2024, e estão entre as mais concorridas de sempre.

Na história do clube é apenas a sétima vez que concorrem três listas à liderança, e apenas não existe o recorde de quatro porque a candidatura da lista C, encabeçada por Luís Miguel David, e proposta por Bruno Costa Carvalho, se retirou.

[Notícia atualizada às 20:12]