Já se sabia. Não era novidade, nem algo propriamente inesperado. Esta noite não ia ser um daqueles jogos fáceis. Nem na teoria, nem na prática. Bastava ruminar um bocadinho a memória para ver os ecos do caminho trilhado pelos helvéticos durante a última qualificação para o Mundial disputado na Rússia para se perceber isso. Paralelamente, como dava nota a conta oficial do Twitter de língua portuguesa do site de análise de dados Opta antes do jogo, "Portugal não marcou mais de um golo em nenhum dos seus últimos cinco jogos em casa, depois de ter marcado 2+ golos em 14 dos seus últimos 15 jogos em todas as competições".

Todavia, ainda que assim fosse, há que encarar com naturalidade aquele optimismo que nos invade em relação ao desfecho da competição. Basta olhar para o leque de jogadores disponíveis de Portugal. Basta pensar que somos campeões europeus em título. Basta saber que estamos a disputar em casa a novíssima competição da UEFA que ganhou vida para dar lugar aos jogos de teor amigável e a feijões.

Porém, a realidade passada na noite de quarta-feira revelou que, na hora das decisões, foi o suspeito do costume que mascarou alguns dos problemas (falta de ligação entre setores, erros defensivos, falta de acerto ofensivo) que vincaram o fio de jogo da seleção portuguesa. Porque esta noite bastou e foi suficiente. Portugal está na final da primeira edição da Liga das Nações. Mas, analisando friamente aquilo que se passou no Estádio do Dragão, a realidade ditou uma vitória à boleia do génio de Cristiano Ronaldo — e que salvou tanto estas linhas como as manchetes dos jornais de amanhã de virem a ser bem diferentes. Isto porque a seleção suíça esteve melhor em muitos momentos do encontro, acabou o jogo com mais posse de bola e conseguiu várias oportunidades para marcar. Só não teve um talento igual ao de CR7 que a metesse lá dentro.

Claro que estas "nuances" vão cair no logro do nosso esquecimento. Os momentos que nos vídeos de resumos na Internet que vão inundar as redes sociais dos próximos dias serão outros. Assim como as próximas notícias serão acerca dos 88 golos de Ronaldo pela seleção ou dos 21 golos que separam o português do melhor marcador de sempre de seleções, o iraniano Ali Daei (149 internacionalizações, 109 golos) e não da (fraca) exibição do jogo da turma de Fernando Santos.

Não quer dizer com isto que Portugal não seja um melhor conjunto ou tenha melhores jogadores do que a Suíça e que Portugal não deva celebrar os números astronómicos de Cristiano Ronaldo. Aliás, pode e deve fazê-lo. Mas sem embandeirar em arco porque o próximo jogo — seja contra a Inglaterra ou Holanda — deverá ser bem mais complicado que o desta noite. E talvez a "tática" de "Ronaldo e mais 10" (passe o exagero) não chegue. É que o capitão da seleção portuguesa falhou a primeira fase da Liga das Nações, regressando às escolhas do selecionador Fernando Santos para o arranque da qualificação para o Euro2020, mas esta noite voltou a relembrar a todos a sua importância nos momentos chaves.

A estreia de Félix, a marca de Patrício e o desacerto de Seferović

Hoje deu-se a estreia de João Félix (a quadragésima promovida por Fernando Santos) pela seleção das Quinas, mas também o dia em que Rui Patrício igualou a marca das 80 internacionalizações de Baía e deixou para trás Ricardo. Quanto ao onze Portugal alinhou da seguinte forma: na baliza, sem surpresa, esteve Rui Patrício; Nelson Semedo (ganhou a corrida a Cancelo) no lado direito, Raphael Guerreiro, Pepe e Rúben Dias na defesa; Bernardo Silva, Bruno Fernandes, William Carvalho e Rúben Neves a preencher o meio campo; por fim, na frente, a fazer as despesas do ataque, João Félix e Cristiano Ronaldo. No 4-4-2 disfarçado habitual de Portugal, portanto.

Do lado da Suíça, o treinador helvético promoveu três regressos (Schär, Shaqiri e Seferović) no onze relativamente ao último encontro disputado no final de março, num jogo que deu empate (3-3) frente à Dinamarca. No entanto, alinhou com a sua habitual defesa a três, num 3-5-2 com pendor ofensivo com destaque para Shär e Akanji no eixo mais recuado, Mbaku no corredor direito e, por fim, na frente, os nomes mais sonantes: Shaqiri (recém campeão europeu pelo Liverpool) a apoiar o bem conhecido dos portugueses Seferović.

Ora, mal a bola tinha começado a rolar no tapete verde no Dragão e já havia périplo para ser contado. Logo a abrir, Shaqiri (3') ficou na cara do golo, mas Rui Patrício fez uma bela mancha e livrou Portugal de começar o jogo logo em desvantagem. Durante a primeira parte, aliás, a Suíça parecia a equipa mais esclarecida em campo. Até chegar o minuto 25. Porque lá está, Cristiano Ronaldo estava em campo. E com o astro português em campo, um jogo mau pode virar em alegria num ápice. E foi do meio da rua que se abriu o marcador.

Note-se que Portugal não rematava enquadrado, nem criava lances de perigo dentro da área. À meia-hora de jogo os helvéticos dominavam a estatística quer em remates, quer em posse de bola e com Haris Seferović a ser o mais rematador — só ele rematou mais do que toda a equipa portuguesa. O suíço aos 14’ falha o desvio e não responde da melhor forma ao cruzamento — naquele tipo de lance em que se pede um raspão ou apenas "pentear" a bola. Aos 18’, ganhou a Rúben Dias, mas Patrício apanha o esférico que lhe caiu nas mãos já que foi à figura. E, já bem perto do intervalo, o suíço antecipou-se a Pepe e enviou de primeira, com o seu o pior pé, o direito, à barra. Podia ter feito pelo menos um golo. Felizmente para Portugal não fez nenhum.

E a primeira parte foi mais ou menos assim. Desacerto do lado português que não conseguia criar perigo e batia longo demasiadas vezes, João Félix a correr muito sozinho na frente à procura de espaços e sem conseguir chegar à ou a ter bola. (Ainda assim tentou fazer brilharete, a passe genial de Cristiano Ronaldo, acabando por falhar a única oportunidade real que conseguiu ter durante o tempo que teve em campo.) Estreia apagada que o levou a ser substituído aos 70' por Gonçalo Guedes.

No segundo tempo, no entanto, dá-se a situação caricata do jogo. Ora, na opinião deste que assina, a situação não devia de ser sido sequer uma "situação" — independentemente dos protestos suíços —, mas a verdade é que o VAR virou aquilo que acabou com penálti a favor da Suíça quando todos pensavam que havia assinalado penálti a favor de Portugal. Confuso? Naturalmente. Mas por partes partes.

Tudo começa num lance na área lusa que envolveu Nélson Semedo e Steven Zuber. Shariqi descaído sobre a direita — como foi seu apanágio durante quase todo o jogo — bateu longo à procura de Zuber; este tentou disputar o lance, mas o lateral português do Barcelona cortou de cabeça para as mãos de Patrício que agarrou e lançou rapidamente o contra-ataque. O jogador suíço caiu "derrubado", mas o lance seguiu até à área contrária. Durante este tempo, a realização do jogo captou o árbitro alemão que ia correndo para acompanhar a jogada enquanto tentava ouvir aquilo que a sua equipa de arbitragem ia falando pelo intercomunicador. Certo é que ainda nem tinha esclarecido o primeiro lance na área portuguesa e já tinha um jogador (Bernardo Silva) no chão da área suíça e um estádio inteiro a reclamar por penálti. Pois bem, de seguida, obviamente, parou tudo para o senhor Felix Brych ir ver o lance pelos seus próprios olhos na linha lateral e no ecrã. E, vistas as imagens e feita a análise juntamente com o VAR, assinalou penálti. Mas para os suíços e não para Portugal.

A dúvida pairou entre do minuto 50 aos 55’. No entanto, a verdade é que terminou com o golo de Rodriguez, defesa esquerdino suíço, de pénalti. O jogador do AC Milan, aliás, está imaculado a nível internacional ou não tivesse convertido os 5 lances em que foi chamado à marcação das grandes penalidades.

Só que o jogo teimava em não mudar. Estava perigosamente como tinha terminado a primeira parte. Mais posse, mais situações e mais esclarecimento por parte dos suíços. Tanto assim foi que aos 69', de acordo com a estatística do Goal Point, Portugal só tinha um remate feito à baliza — precisamente o do golo.

Portugal simplesmente tinha dificuldades em criar perigo junto da baliza de Yann Sommer. Ou seja, a bola não chegava à frente. Pior que isso, contudo, era a facilidade com que os suíços aproveitavam os flancos lusos. E não só durante o segundo tempo, mas sim durante quase a totalidade dos 90'.

Só que perto do fim, numa altura em que já se vaticinava um possível prolongamento e já soavam alguns alarmes no Dragão, Ronaldo faz aquilo que Ronaldo faz melhor: resolveu e foi decisivo. Aos 34 anos, no final da partida, podia-se pensar que podia acusar algum desgaste. Mas não. É de CR7 que estamos a falar. Portanto, passadas umas horas e em género já de rescaldo, não surpreende quase ninguém que tenha respondido da melhor forma à jogada de Bernardo Silva (que diga-se com toda a franqueza que foi dos mais inconformados e um dos melhores da equipa das Quinas) na direita e fez o golo que deu a vantagem a Portugal.

Antes de cair o pano e praticamente no lance a seguir ao golo, o dianteiro chegou mesmo ao 'hat-trick', numa jogada rápida de contra-ataque e a fazer aquele vintage Ronaldo antes de rematar forte e colocado.

Portugal irá disputar a final da Liga das Nações no Estádio do Dragão com o vencedor do encontro que se realizará amanhã entre a Holanda e a Inglaterra.

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso, ó meus?

O lance aconteceu meros minutos após Ronaldo ter disparado o seu rocket para fazer balançar a rede pela primeira vez no Dragão. Os intervenientes? Rúben Dias e Rui Patrício. O que aconteceu? Um lance digno de FIFA que faria qualquer jogador desta famosa saga de videojogos tivesse vontade de partir um ou outro comando e gritar em plenos pulmões "SCRIPTED" — terminologia utilizada pelos ditos para catalogar uma espécie de "sabotagem" da Inteligência Artificial do jogo para equilibrar a partida e prejudicar o jogador que está em vantagem. Rúben Dias fez o passe a queimar, Patrício saiu dos postes e tentou agarrar a bola, mas a realidade é que a dupla acabou por nos pregar um susto valente com a bola andar por ali a vaguear na área à espera que alguém não-português a empurrasse lá para dentro.

Cristiano Ronaldo, a vantagem de ter duas pernas

Não jogou durante a fase de qualificação da Liga das Nações, mas o capitão voltou a demonstrar a sua dimensão e aquilo que pode acrescentar ao jogo da seleção. Fez maldades (aquele lance individual sobre Mbaku...) e marcou os golos que carimbaram a passagem de Portugal à final. Certo é que, feitas as continhas todas, já lá vão 88 golos para o madeirense ao serviço da seleção. E o sétimo 'hat-trick' pelas Quinas.

Fica na retina o cheiro de bom futebol

A jogada do 2º golo de CR7 e de Portugal. Tudo foi bonito e confeccionado para dar um belo regalo à vista daqueles que apreciam isto da bola. Começou com um belíssimo passe em profundidade Rúben Neves, contou com o trabalho de Bernardo Silva (na memória fica o domínio de bola e o passe, mas a sua inteligência na abordagem do lance é igualmente deliciosa) e culminou com uma finalização de primeira com aquela classe de Cristiano Ronaldo.

Nem com dois pulmões chegava à bola

Sim, vamos bater na mesma tecla e falar novamente de CR7. Mas aqui serve para a defesa suíça que não teve pernas para acompanhar o passe "sem olhar" do capitão das Quinas. Foi um dos momentos da primeira parte. Ora veja:

(Artigo atualizado às 03:35 de 6 de junho. Corrige o nome de Rúben Dias ao longo do texto.)

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