Luís Miguel Afonso Fernandes, mais conhecido por Pizzi no mundo do futebol, foi oficializado hoje como reforço do Başakşehir, clube turco que atravessa um período de crise, depois do inédito campeonato conquistado em 2019/20. O jogador não viajou para Tondela na passada segunda-feira, onde o SL Benfica derrotou a equipa da casa por 1-3, e já apareceu nas redes sociais com a camisola do quinto classificado do principal escalão de futebol da Turquia, clube onde vai jogar até ao final da presente temporada.

Se há poucos anos a saída de um dos capitães das águias seria impensável, desde o início desta temporada que a transferência começou a tornar-se num cenário cada vez mais provável, sendo que o processo acelerou-se ainda mais com a polémica que envolveu Jorge Jesus e que resultou na saída do técnico português de 67 anos.

Para que entendamos o prisma micro e macro é capital olharmos para os números, eles que tão bem nos contam a história da importância do médio. Pizzi estreou-se pelo Benfica sob a égide de Jorge Jesus. Apesar de ter mostrado muito talento e aptidão natural para jogar no corredor direito, com Rui Vitória no Paços de Ferreira, o ex-“camisola 21” dos encarnados pegou de estaca no sistema de jogo da equipa de 2014/2015, na qual atuava essencialmente como um “box-to-box”.

O internacional português teve como primeira missão uma tarefa de acrescida dificuldade: fazer esquecer Enzo Pérez, símbolo de raça para os adeptos e de resistência física. Pizzi não era e nunca foi esse jogador e por isso fez da sua visão de jogo, rapidez de raciocínio e técnica a principal arma. Nos anos seguintes, numa equipa sem jogadores como Pablo Aimar (que já tinha saído na época 2013/2014) e Nicolás Gaitán, que trocou o Benfica pelo Atlético de Madrid em 2015, Pizzi começou a assumir as rédeas do jogo criativo e de construção da equipa. Foi com Jonas que o médio foi mais feliz nos encarnados. Juntos protagonizaram mais de 200 golos e de 100 assistências. Em parelha, acrescentaram velocidade ao jogo e um entendimento que mostrou resultados práticos que se traduzem em quase todos os 10 títulos que Pizzi conquistou pelas águias - e no estatuto de capitão que este alcançou.

O abrandamento significativo de Pizzi, em termos de performance, acontece aquando da época 2020/2021, já sob orientação de Jorge Jesus. Até então, Pizzi teve sempre uma participação muito ativa nas empreitadas ofensivas do coletivo, mesmo quando o rendimento coletivo não era o melhor. Na época 2019/20, quando o Benfica passou do céu do título ao inferno de conjuntos de resultados com apenas uma vitória em 10 encontros, o que culminou na demissão de Bruno Lage, Pizzi fez 18 golos e 16 assistências no campeonato. Um ano antes tinha sido considerado o melhor jogador da Liga, à frente de jogadores como Bruno Fernandes, por exemplo.

A chegada de Jorge Jesus veio mudar a tónica ao momento e respetiva preponderância de Pizzi. O modelo tático mudou, as ideias de jogo também e Pizzi parecia não funcionar no sistema encarnado. O estatuto do jogador de 32 anos permitiu-lhe ganhar peso no balneário, todavia o espaço começou a tornar-se cada vez menor dentro de campo; o médio acabou por ser relegado para o banco de suplentes, mas, ainda assim, utilizado pontualmente. O apogeu da crise de Pizzi no Benfica foi atingido quando Jorge Jesus abandonou o comando da equipa, na sequência de uma discussão entre os dois na qual o técnico terá afirmado que o internacional português era “sonso” e “enganador” e que era ele que decidia o rumo dos treinadores no clube. A esse episódio juntam-se as alegadas confissões de Bruno Lage, divulgadas em escutas da Operação Cartão Vermelho, que terá alertado para a presença de “prima donas” no Seixal, imagem que foi muito associada a elementos como Pizzi, André Almeida e Rafa.

Para o comentador desportivo Luís Cristóvão, o tempo de Pizzi no Benfica pode ser entendido como uma relação de “amor ódio”. De acordo com o atual comentador da SIC, Pizzi foi um jogador que apresentou “sempre muita qualidade”, contudo pecou, em momentos, pela “irregularidade”.

Luís Cristóvão entende que as causas da saída podem ser maioritariamente questões táticas da equipa: “A perda da influência do Pizzi tem que ver com a forma como a equipa joga. Começou com a lógica de três centrais de Jorge Jesus”. Acrescenta também que podia ter havido maior “abertura dos dois lados para o bem de Pizzi”.

Já para João Rosado é evidente que o clube atual de Pizzi, o Başakşehir, “não é condizente com o estatuto do atleta”. O jornalista e comentador desportivo enfatiza a estreia do médio pela mão de Jorge Jesus, mérito da polivalência do jogador, que começou a jogar no Benfica na “posição 8”, e sublinha que essa mesma capacidade “acabou por traí-lo”.

Rosado afirma que o jogador emprestado ao emblema turco sai “pela porta pequena”, numa situação na qual ninguém fica a ganhar e aponta o dedo à forma de atuação dos responsáveis encarnados: “Ninguém acredita que o Pizzi não teria colocação noutro mercado, um jogador extraordinariamente competente”, conclui.

Depois de 360 jogos e 94 golos pelo clube da Luz, ao serviço do qual foi capitão e conquistou quatro títulos de campeão nacional, uma Taça de Portugal, duas taças da Liga e três supertaças, além de ter sido eleito o melhor jogador do campeonato em 2016/17, podem estes meses ser um mero hiato para um regresso reconciliador com a história que escreveu no Benfica ou será apenas o prefácio para uma saída definitiva da Luz?