Khelif garantiu no mínimo uma das duas medalhas de bronze da categoria ao vencer a húngara Anna Luca Hamori. Após o anúncio do resultado da luta, não conseguiu conter as lágrimas e foi muito aplaudida pelos argelinos que lotaram as arquibancadas.

A participação de Khelif e da taiwanesa Lin Yu Ting em Paris-2024 provocou uma grande agitação política e midiática. Estão no centro de uma polémica depois de terem sido reprovadas num teste de elegibilidade de género para o Mundial feminino de boxe disputado no ano passado.

A desclassificação de Khelif e Lin do Mundial de 2023 foi decidida pela Associação Internacional de Boxe (IBA), que o COI retirou da organização do torneio olímpico de Paris por falta de transparência.

A boxeadora argelina que desafia preconceitos

Nascida numa aldeia pobre a quase 300 quilómetros de Argel, a boxeadora argelina Imane Khelif, alvo de uma controvérsia de género nos Jogos Olímpicos de Paris-2024 contra sua vontade, superou inúmeros obstáculos e preconceitos num país onde as mulheres não têm permissão para praticar esse tipo de desporto.

Com cabelos entrançados e um físico imponente de 1,79 m de altura, Imane, 25 anos, contou sua história com uma voz suave e muitas vezes sorrindo um mês antes dos Jogos na emissora pública de língua francesa Canal Algérie.

"A nossa aldeia ficava a cerca de 10 km do centro da cidade (Tiaret, 280 km a sudoeste de Argel). Eu costumava ir da aldeia para a cidade. Da cidade para a capital. Da capital para o exterior", confessa.

De uma família simples da região semidesértica de Tiaret, destacou as dificuldades da sua jornada "numa aldeia de pessoas conservadoras".

"Venho de uma família conservadora. O boxe não era um desporto muito popular para as mulheres, especialmente na Argélia. Foi difícil", disse ela ao Canal Algérie.

Atleticamente forte, jogava futebol com os meninos na sua aldeia de Biban Mesbah, mas a sua capacidade de correr mais rápido do que eles às vezes resultava em brigas às quais respondia com socos, o que a levou ao boxe.

Numa entrevista para o Unicef, da qual é embaixadora, também acrescentou que tinha que vender sucata e o cuscuz caseiro da mãe para pagar os bilhetes de autocarro da sua aldeia para Tiaret.

O pai não aprovou sua decisão de praticar boxe, mas tornou-se um de seus maiores fãs. O soldador desempregado de 49 anos confidenciou orgulhosamente a um jornalista da AFP na sexta-feira que sua filha era para ele "um exemplo de mulher argelina, uma das heroínas da Argélia".

Elogiou a "sua força de vontade no trabalho e nos treinos", descartando insinuações sobre seu género: " A minha filha é uma menina, foi criada como menina, é uma menina forte e corajosa".

Em 2022, Imane confidenciou à agência argelina APS que havia pensado em abandonar o boxe: "Porque a minha família não aceitava a ideia e porque a sociedade via que eu estava fazendo algo ruim".

Mas "todas essas barreiras tornaram-me mais forte e foram uma motivação adicional para alcançar o meu sonho", acrescentou.

A sua carreira internacional descolou com a participação nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2021 na categoria leve (-63 kg), onde ficou em quinto lugar após ser derrotada nos quartos de final pela irlandesa Kellie Harlington.

"Tudo mudou para melhor, especialmente quando a bandeira do meu país estava hasteada e hino foi tocado em muitos países à volta do mundo", explicou ela.

Em 2023, chegou às semifinais do Campeonato Mundial em Nova Délhi, antes de ser desclassificada após testes de elegibilidade de género organizados pela Federação Internacional de Boxe (IBA), que não é reconhecida pelo Comité Olímpico Internacional (COI).

Após a vitória nos oitavos de final em Paris-2024 contra a italiana Angela Carini, que desistiu aos 46 segundos da luta, foi alvo de uma campanha de ódio e racismo nas redes sociais, com publicações atribuídas especialmente à extrema direita insinuando que era "um homem a lutar contra mulheres".

Este sábado, na sua segunda luta em Paris-2024, assegurou a primeira medalha da Argélia nestes Jogos Olímpicos ao vencer a húngara Anna Luca Hamori nos quartos de final.

O COI apoiou a sua presença em Paris-2024, bem como a de Lin Yu-tin, de Taiwan, que também tem hiperandrogenismo.

"Todas as atletas respeitam as regras de elegibilidade para as competições", insistiu o porta-voz do COI, Mark Adams, acrescentando que "está estabelecido que elas são mulheres".

"Modelo" de coragem para o povo argelino

Na sua pequena aldeia na Argélia, a boxeadora Imane Khelif é um 'modelo' de coragem para jovens desportistas e "uma heroína" para o pai, que a defende dos que pedem sua exclusão dos Jogos Olímpicos por suspeitas sobre seu género.

Khelif, que neste sábado garantiu a primeira medalha da Argélia em Paris-2024 ao vencer nos quartos de final a húngara Anna Luca Hamori, é uma das duas boxeadoras na competição que foram reprovadas em um teste de género para a disputa do Mundial feminino de boxe no ano passado.

As imagens da vitória de Khelif sobre a italiana Angela Carini, que desistiu do combate após apenas 46 segundos depois de sofrer vários golpes, provocaram um incêndio nas redes sociais com várias referências do desporto e figuras políticas a pedir a sua exclusão dos Jogos, enquanto o COI defende sua presença em Paris.

"A minha filha é uma menina. Foi criada como uma menina. É uma menina forte. Eduquei-a para que trabalhasse e fosse corajosa", afirma Omar Khelif, pai da boxeadora, na casa da família na humilde aldeia rural localizada a dez quilómetros da cidade de Tiaret.

Ao lado dos dois filhos mais novos, Omar mostra orgulhoso uma foto de Imane, aos sete ou oito anos de idade, sorridente com tranças no cabelo, e uma série de documentos de identidade e certidões de nascimento.

Para ele, que trabalha como soldador, a vitória sobre Carini aconteceu "porque a minha filha era mais forte e a outra mais fraca".

Imane "tem uma força de vontade para o trabalho e para o treino", ressalta Omar. "A sua paixão pelo desporto vem desde pequena. Ela era sempre a melhor em todos os outros desportos, no atletismo e no futebol".

O pai acompanha empolgado a carreira da filha, embora no início tenha demorado a aceitar que ela subisse nos ringues. A própria boxeadora relatou isso num vídeo gravado para o Unicef, órgão do qual é embaixadora.

"Venho de uma família conservadora. O boxe não era um desporto muito popular entre as mulheres, especialmente na Argélia. Foi difícil", explicou Imane à emissora de TV local Canal Algérie, um mês antes dos Jogos Olímpicos.

Esquecer as críticas

Além dos preconceitos, Imane também lutou para financiar as suas viagens até Tiaret e depois para atravessar os quase 300 quilómetros que separam a sua aldeia da capital, Argel.

Quando adolescente, a boxeadora vendia sucata e a mãe vendia cuscuz que preparava em casa.

Horas antes de Imane enfrentar a húngara Anna Luca Hamori por uma vaga nas semifinais da categoria 66 quilos, Omar Khelif posa feliz diante da câmera, com os punhos cerrados e levantando os braços para incentivar a filha, de quem agora é o maior admirador.

"Imane é um exemplo de mulher argelina. É uma das heroínas da Argélia. Se Deus quiser, ela vai honrar-nos com uma medalha de ouro e levantar a bandeira nacional em Paris", diz Omar. "Esse é o nosso único objetivo desde o início".

A mesma emoção é vivida no clube esportivo da Defesa Civil local, onde Imane começou no boxe.

Um grupo de meninas de todas as idades aquece e pula corda antes do treino sob a orientação do técnico Abdelkader Bezaïz.

"Desejamos-lhe tudo de bom. É realmente a atleta que nos dá orgulho. Honrou a bandeira nacional. É o nosso modelo a seguir", reconhece Zohra Chourouk, de 17 anos.

Bezaïz também quis enviar uma mensagem a Imane.

"Não te incomodes com as críticas que circulam pelas redes sociais. O objetivo é claro: confundir-te e fazer-te esquecer por que está nos Jogos Olímpicos".