“A análise que fazemos é que em todos os momentos de desconfinamento, a reação da economia, emprego, consumo, investimento foi automática, foi muito forte. E na verdade aconteceu isso: todas as previsões económicas foram sendo revistas em alta ao longo do tempo pela reação que as economias tiveram”, referiu Mário Centeno, no programa “Grande Entrevista”, da RTP, hoje transmitido.
Mário Centeno disse ainda que interpreta essas revisões em alta “como a capacidade de adaptação que as economias têm tido a laborar”, num ambiente de dificuldades como o que a crise pandémica veio impor.
O governador do Banco de Portugal acrescentou que vários motivos têm contribuído para esta situação, nomeadamente as políticas implementadas pelas autoridades monetárias e orçamentais nos países onde a pandemia tem sido “severa” e que se mostraram eficazes no combate aos efeitos imediatos dos impactos causados pela crise sanitária.
Apesar de Portugal ter entrado neste mês de janeiro num confinamento geral semelhante ao que vigorou no ano passado, em abril e durante parte dos meses de março e maio, o Governador do Banco de Portugal acredita que o Produto Interno Bruto deste primeiro trimestre não vai ter uma queda tão acentuada como a registada no segundo trimestre do ano passado.
“O comportamento da economia em novembro, em que também houve medidas de confinamento, [comparado] com o que aconteceu em março e os indicadores preliminares que temos de janeiro indicam que não vamos ficar em números dessa grandeza”,afirmou.
Questionado sobre se prevê para 2021 uma nova recessão, Mário Centeno referiu que “não anteciparia” esse desfecho, embora tenha referido que os dados existentes são ainda escassos.
“Ainda é cedo. Temos que ver. Os números que temos para as compras e levantamentos em ATM tem uma queda muito significativa nos primeiros dias no novo confinamento, atingiram valores em queda superiores a 20%“, referiu para acrescentar que ao mesmo tempo há os “indicadores de consumo de energia que, mesmo corrigidos do efeito da temperatura, tem valores de variação praticamente nula em janeiro”.
Ao assinalar outra vertente única resultante desta crise sanitária, relacionada com o facto de neste momento haver mais incerteza sobre o curto prazo do que para o final do ano ou para 2021, Centeno referiu que, sem querer parecer otimista, “a revisão em alta do crescimento do quarto trimestre do ano passado é muito relevante para o crescimento em 2021 porque estabelece uma base para o crescimento económico mais elevada”.
“O primeiro trimestre de 2021 provavelmente vai ser revisto em baixa” pelo que uma revisão em alta do último trimestre de 2020, equilibra “e não carrega necessariamente para diante um fardo para o crescimento”, disse, quando questionado sobre o cenário que antevê para 2021.
Ainda sobre previsões, afirmou que o BdP mantém a de que no final de 2022 a economia possa ter um crescimento idêntico a 2019.
Nesta entrevista, Mário Centeno assinalou ainda a necessidade de não deixar que esta crise sanitária que passou a crise económica possa resvalar para uma crise financeira, sendo essa uma barreira que não pode ser ultrapassada.
Moratórias de crédito permitem suspender pagamento de 11 mil milhões de euros
“A nossa estimativa é que o conjunto de pagamentos aos bancos que deixará de ser feito até setembro de 2021 é de 11 mil milhões de euros”, afirmou Mário Centeno.
Questionado sobre os riscos que estas moratórias poderão acarretar no futuro, o antigo ministro das Finanças e governador do BdP sublinhou que as moratórias não são um perdão de dívida e que o risco que poderão ter é de, quando terminarem se estar perante “uma realidade de [crédito] malparado”.
“Na verdade do que estamos a falar é de projetos empresariais e familiares e estamos a adiar este pagamento que devia ocorrer entre março de 2020 e setembro de 2021 para a frente”, referiu Centeno, para acrescentar ser necessário acompanhar a capacidade de estes projetos “voltarem a fazer face às suas responsabilidades a partir de setembro”.
Neste contexto, precisou que os indicadores existentes dão conta de que as empresas com moratórias, dispõem de depósitos no sistema bancário no valor de 20% do crédito em moratória, ou seja, existe uma ‘almofada financeira’.
Mário Centeno referiu que, depois da interrupção de 2020, Portugal deve reiniciar a trajetória de descida da dívida pública e precisou que no ano passado a ‘almofada’ que esteve à disposição da recuperação da crise foi, essencialmente, a da dívida pública.
Em setembro passado, o Governo decidiu prolongar por mais seis meses, até 30 de setembro de 2021, o prazo das moratórias de crédito às famílias e, em dezembro, aprovou uma alteração ao regime, permitindo novas adesões até 31 de março de 2021.
O sistema bancário nacional concedeu um total de 46 mil milhões de euros em moratórias de crédito até setembro do ano passado, ao abrigo dos sistemas implementados na sequência da pandemia de covid-19, de acordo com dados do Banco de Portugal.
Os dados do supervisor bancário, divulgados na sexta-feira, indicavam que dos 46 mil milhões de euros, 24,4 mil milhões de euros dizem respeito a empresas (sociedades não financeiras, na designação técnica) e 21,6 mil milhões de euros às famílias.
Medidas de apoio devem ser focadas nos setores mais atingidos
Na mesma entrevista, Centeno afirmou que no atual contexto a “palavra de ordem na tomada de decisões é a adaptação das medidas” e que o foco deve estar em “medidas que sejam adequadas a uma crise que é temporária”.
A crise, que inicialmente se esperava temporária e simétrica, está a mostrar-se não tão temporária e assimétrica, salientou o ex-ministro das Finanças, acrescentando que as “políticas devem adaptar-se a esta assimetria” e “focadas nos setores mais atingidos”.
“Apesar de tudo e felizmente para o conjunto da economia, [a crise] não é igual em todos os setores”, realçou.
“Temos que ir adaptando aos momentos da crise que vivemos”, referiu Centeno, destacando que a política orçamental é a via que pode ser usada para fazer esta distinção e dar mais atenção a determinados setores.
O governador do BdP indicou que as medidas de apoio à economia, na sequência da crise sanitária causada pela pandemia, foram pensadas para serem temporárias e seria “um péssimo sinal” se tivessem de ser eternizadas, desfecho que não considerou ser necessário.
“Há um momento da crise em que temos de começar a dirigir alguns destes recursos para os setores que tem capacidade de crescer e de os absorver”, acrescentou.
Centeno reconheceu que este é um exercício difícil, “que tem de ser feito de forma gradual”, a ser iniciado assim que a “economia tenha um horizonte de crescimento sustentado”, o que neste momento ainda não sucede.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.159.155 mortos resultantes de mais de 100 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
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