De acordo com indicações da União Europeia, a liberalização do mercado ferroviário europeu inicia-se em 2019 e tem um período de adaptação até março de 2020, o que significa que qualquer operador estrangeiro pode atuar em Portugal e concorrer diretamente com a CP, explicou à Lusa Manuel Tão, especialista em economia dos transportes, da Universidade do Algarve.
“Há aqui uma tempestade perfeita. Há uma situação que vem de trás, de subinvestimento na infraestrutura, subinvestimento no operador estatal e um novo quadro institucional que advém das diretivas comunitárias e que nos remete para uma situação de liberalização da operação”, salientou.
À semelhança do que acontece já nos aeroportos com as companhias aéreas, os operadores ferroviários, inclusivamente ‘low cost’, tal como os aviões, “vão tornar-se muito comuns e vulgares”, exemplificou.
“Isso remete-nos para uma situação completamente nova, que não foi pensada atempadamente pelo poder político. O poder político em Portugal nunca se preocupou com aquilo que estava previsto há muito, que é a liberalização do transporte ferroviário, e o que nos vai acontecer, no fundo, é que vamos ser confrontados com uma situação nova para a qual não estávamos preparados”, disse.
Manuel Tão realçou que a situação atual “resulta de opções políticas, desde a entrada de Portugal na União Europeia, em que o caminho de ferro nunca teve investimento, ao contrário das estradas”.
“Estivemos em contraciclo em relação a praticamente toda a União Europeia”, considerou, realçando que “o transporte ferroviário se tornou tão obsoleto” que se deixou de contar com ele.
Neste contexto, referiu, é difícil encontrar “forças mobilizadoras que permitam perspetivar a recuperação do transporte ferroviário a nível de investimento”.
“Muito provavelmente o que vai acontecer é que o investimento há de vir, mas através de um investimento direto estrangeiro e de uma dinâmica externa. Muito provavelmente serão esses operadores que vêm de fora que vão ditar quais são os próximos investimentos. […] No fundo é isso que a liberalização nos pode trazer”, considerou, salientando que é muito difícil prever o futuro próximo da ferrovia em Portugal e que, neste contexto, a CP pode inclusive desaparecer nos próximos anos.
Também o presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento dos Sistemas Integrados de Transporte (ADFERSIT), Tomás Leiria Pinto, considerou que Portugal não está preparado para a liberalização do mercado de passageiros, por falta de competitividade.
O responsável considerou que o setor ferroviário atravessa uma grave situação ao nível do transporte de passageiros e de mercadorias e ao nível da manutenção e modernização de infraestruturas.
“A liberalização do transporte de passageiros exigia que, nesta altura, a CP estivesse de facto com material circulante moderno e com uma capacidade operacional competitiva. Tinha capacidade e oferta para responder à procura que existe. E isto não está a acontecer”, disse.
No início do ano, a alemã Deutsche Bahn (DB) manifestou interesse em futuramente fazer a ligação da Corunha ao Porto.
“Quando nós hoje ainda não temos a linha interoperável do Porto à Corunha e os nossos comboios demoram o que demoram para chegar do Porto à Corunha, mudando até várias vezes de composição, estamos de facto longe de ser competitivos”, sublinhou.
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