O retrato do "Portugal das patentes"
Portugal ocupa a 32.ª posição no ranking dos 50 países com maior número de patentes solicitadas junto do Instituto Europeu de Patentes, atrás de países como Barbados ou as Ilhas Caimão. Mas o destaque vai para a tendência: um aumento de 13,9% em 2021 face ao ano anterior, revelador de uma mudança estratégica na forma como se olha para a proteção do conhecimento.
"Muitas das novas empresas portuguesas, sobretudo as tecnológicas, têm pessoal mais novo ou nasceram no seio das universidades. Então, têm gente com uma visão mais afinada sobre a questão da proteção do conhecimento, com uma estratégia e uma ambição diferentes", explica Jorge Machado, agente oficial de propriedade industrial na Inventa, numa conversa com o The Next Big Idea por ocasião do Dia Mundial da Propriedade Intelectual.
"A maior parte não pensa no mercado nacional, mas no mercado global", pois o mercado nacional é pequeno e interessa "estender a proteção a outros países". Nesse sentido, "é preciso adotar uma estratégia [de proteção do conhecimento] que permita abranger vários países de uma penada só".
É esta a justificação para se que avance logo com um pedido de patente europeu ou internacional ao invés do nacional, cujos números recuaram no comparativo entre 2020 e 2021.
Jorge Machado explica a lógica por detrás: "É como se comprássemos um bilhete para um clube com dezenas [por via europeia] ou centenas [por via internacional] de associados, o que me vai permitir ter até 30 meses para escolher com que 'sócios' quero fazer negócio". A entrada neste "clube" vai também garantir prioridade à empresa em questão, impedindo que seja ultrapassada por outra qualquer que chegue mais tarde ao mercado.
Em termos absolutos, Portugal apresentou 286 pedidos ao Instituto Europeu de Patentes em 2021, muito longe dos 46 mil dos EUA ou dos 25 mil da Alemanha. Há "um longo caminho para andar", reconhece Jorge Machado, mas "já o estamos a fazer e temos bons exemplos". Na Bosch Car Multimedia, por exemplo, "a massa cinzenta é nossa, portuguesa, mesmo que a gestão da empresa seja estrangeira", nota.
"Os portugueses são muito bons inventores, tão bons ou melhores que muitos outros, mas falta planeamento, visão sobre a importância da proteção do conhecimento, alguma organização e acreditar mais na nossa capacidade de fazer a diferença", diz o especialista.
"É fundamental passar a encarar a proteção do conhecimento como algo imperativo no ciclo de inovação", defende Jorge Machado, reconhecendo, todavia, que "entre investigar, comprar material e produzir um protótipo, a proteção do conhecimento fica muitas vezes para segundo plano", numa altura em que "o dinheiro que sobra já é curto", seja "por desconhecimento ou por falta de planeamento".
Mas isso está a mudar.
Nos últimos 20 anos registou-se um aumento consistente no número de pedido de patente só para território nacional — de 240 em 2000, para 919 em 2021.
E o mérito não está apenas na "quantidade de pedidos, mas na qualidade dos pedidos", ressalva Jorge Machado, acrescentando que para isso foi "fundamental o trabalho realizado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial na criação das redes de Gabinetes de Apoio à Propriedade Industrial nas universidades, associações e centros tecnológicos. Formaram professores, empresários, criou-se uma cultura de propriedade industrial. Foi um trabalho meritório que, não tenho dúvidas, gerou frutos", reitera.
A região Norte lidera o número de pedidos de proteção de invenções, alavancada por empresas como a Bosch Car Multimedia (Braga) e as universidades do Minho e do Porto. Segue-se a Região Centro, onde se destaca a Feedzai (Coimbra), a Yazaki (Ovar) ou a Carbocode (Cantanhede), e a universidade de Aveiro.
É tudo uma questão de estratégia
Até ao momento temos chamado tudo de "patente", mas na realidade existem várias formas de proteger a propriedade industrial ou o conhecimento.
"As patentes, os modelos de utilidade e os segredos comerciais servem para proteger a tecnologia por si só, seja um dispositivo, um método de produção ou uma nova utilização para um produto já existente", explica Jorge Machado. Já "os direitos de marcas e logótipos, que são os sinais distintivos de comércio, servem para proteger nomes e slogans". Se quisermos simplificar, diz, "os produtos protegem-se por patentes, os nomes dos produtos protegem-se por marcas".
Enquanto as patentes dão uma proteção por 20 anos, os modelos de utilidade — que servem para proteger invenções mais simples — conferem uma proteção de 10 anos. Os segredos comerciais ou industriais servem "para proteger conhecimento que não é possível ser protegido por uma patente, como o software", e não têm limite de tempo.
"Se a Coca-cola tivesse optado por pedir uma patente, hoje toda a gente faria Coca-cola. Primeiro porque as patentes, 18 meses depois de pedidas, são divulgadas, o que acabaria por expor ao mercado a formulação inerente àquele refrigerante. Depois, ainda que as patentes confiram um direito exclusivo de utilização por 20 anos, estas expiram e aquele conhecimento passa a ser de domínio público".
A alternativa é então o segredo comercial, "aplicado através de conjunto de procedimentos internos da empresa e acordos de confidencialidade" que impedem que a fórmula seja conhecida. Os procedimentos vão definir quem tem acesso à informação e os acordos determinam a quem e em que condições esta informação pode ser transmitida a terceiros.
Jorge Machado dá um exemplo mais atual: "a nível europeu e internacional, o maior número de patentes pedidas são nas áreas das telecomunicações, computadores e dispositivos médicos, em que o software é fundamental. Mas o software não é patenteável, porque se considera que é um mecanismo de compilação de informação e não uma invenção e, logo, não tem contributo técnico — o que é ingrato e já fez correr muita tinta a nível de jurisprudência". A solução é proteger aquele conhecimento através do segredo comercial, criando mecanismos internos que impeçam a sua divulgação.
Portanto, "tudo depende do tipo de proteção que queremos para o conhecimento que se produz internamente" e é aí que entra o agente oficial de propriedade industrial, que deverá recomendar a melhor opção.
Olhando para o comparativo entre 2020 e 2021, salta à vista uma diminuição geral nos pedidos de proteção de invenções a nível nacional (-18,2%), em especial no que diz respeito a patentes (-58,3%), mas é no detalhe que se percebe a tendência: mais pedidos junto do Instituto Europeu de Patentes (13,9%), mais os pedidos de proteção por via de "modelo de utilidade" (7,7%) e mais pedidos provisórios de patente (4%).
Se a opção de avançar logo com um pedido europeu se prende com uma visão mais estratégia e uma maior ambição das empresas portuguesas, como acima mencionado, o que explica as outras duas tendências?
"Em termos práticos, é complicado entender a fronteira entre o modelo de utilidade e a patente", diz Jorge, mas "enquanto a patente é uma solução técnica para um problema técnico, o modelo de utilidade centra-se mais na vantagem técnica, porque nem toda a inovação tem de ser rocket science".
Ainda assim, numa sociedade em que a inovação se faz a grande velocidade, o modelo de utilidade soma vantagens: o processo é menos exigente, protege da mesma forma (ainda que por menos tempo) e é um modelo que existe em várias jurisdições. "Se todas as invenções tivessem de ter o crivo das patentes, muitas das mais simples nunca veriam a luz do dia ou o inventor nunca seria reconhecido", nota Jorge Machado.
Outra das tendências é o aumento de pedidos provisórios de patente (+4%), mesmo a nível nacional. E há várias vantagens em fazê-lo, refere o especialista.
O pedido de patente provisório "foi pensado para aquelas circunstâncias em que o inventor não tem a matéria técnica totalmente desenvolvida, mas precisa de fazer uma divulgação — recorde-se que qualquer inovação precisa de estar protegida antes de ser divulgada, caso contrário matamos a novidade, que é condição essencial para se avançar com um pedido de patente".
Depois, o pedido provisório permite-nos "investigar mais e melhorar o nosso dispositivo. Quando tivermos a matéria mais defendida, podemos ainda fazer um novo pedido provisório e juntar os dois para avançar com um pedido definitivo".
Além disso, é possível usar os 12 meses do pedido de patente provisório para "avançar com um pedido a nível europeu ou internacional, garantindo prioridade". Ou seja, o facto de se fazer um pedido provisório a nível nacional garante que se tem prioridade num pedido internacional, o que "impedirá alguém que registe depois de nós ganhar vantagem no futuro".
Quanto pode custar (e demorar) pedir uma patente?
Em média, avançar com o pedido de uma patente nacional custa à volta de mil euros, entre redação e taxas, diz Jorge Machado. Se for europeia, o valor ronda os 3.500 euros. Já uma patente internacional pode chegar aos 5 mil euros, sobretudo devido ao esforço das traduções. Quando o objetivo é proteger a inovação em vários países, o valor pode ascender aos 15 mil euros, aos quais acresce o pagamento de anuidades, estima o especialista.
Há também a questão do tempo: "em média, decorrendo a coisa de forma regular, estamos a falar de 24 a 30 meses até se conseguir uma concessão de proteção nacional, porque se houver objeções pode esticar-se". Já a nível internacional dependerá dos países, "sendo que alguns podem levar mais de dez anos a conceder uma patente".
Quando perguntamos a Jorge quais os erros mais comuns quando uma empresa decide avançar um pedido de proteção da propriedade industrial, é perentório:
"Não sei se são os erros ou O erro. O que mais me custa é não haver um exercício prévio e óbvio de se fazer análises ao estado da arte. Fazer essa análise não é caro e é fundamental para saber se a nossa patente tem pernas para a andar. Para um inventor não há coisa mais descompensadora do que fazer um pedido de patente e receber um relatório a dizer que aquela inovação já existe. Imagine-se a quantidade de dinheiro que se gasta em inovação, os recursos humanos e financeiros aplicados a algo que não vai ter futuro. Depois, conhecer o estado da arte é a melhor forma de saber como contornar isso e redigir a patente de forma a que seja validada. Muitas vezes não fazemos boas patentes, mesmo quando o produto ou as soluções são boas, porque elas não estão bem redigidas, porque não se conhece o estado da arte prévia. Até os Estados, que injetam dinheiro em investigação, em empresas ou universidades, deviam fazer este trabalho para saber em que áreas é que vale a pena investir. Esse é o meu grande conselho".
Comentários