
"O problema é que a qualidade de educação está a baixar. Não há comunicação entre aluno e professor e, se não há comunicação, sendo que a sala de aula é um espaço de comunicação, por mais que alguém ensine, ninguém vai aprender", disse o académico Armindo Ngunga, em entrevista à Lusa, quando se assinala o Dia Internacional da Língua Materna.
O linguista moçambicano critica a "falta de entusiasmo" na criação de políticas e incentivos para massificação do ensino bilingue no país.
"Os professores acabam deixando os meninos passarem sem saber, porque se tivessem de chumbar, chumbavam todos, então isso é complicado. Precisamos de trabalhar seriamente nesta questão de programa de ensino bilingue para que toda a criança moçambicana, tal como a do mundo, tenha o direito de aprender a ler e escrever na língua em que aprendeu a falar", defendeu.
Armindo Ngunga, docente de linguística na Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e antigo vice-ministro de Educação e Desenvolvimento Humano, esteve no grupo que tentou implementar as primeiras iniciativas de ensino bilingue em Moçambique.
As autoridades moçambicanas introduziram o ensino bilingue na escola primária em 2015, visando facilitar a integração de crianças que não falam a língua portuguesa.
Cerca de 90% das crianças moçambicanas começam a frequentar as aulas sem saber falar a língua portuguesa, o que constitui um obstáculo para o processo de ensino e aprendizagem, indicam os últimos dados divulgados pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.
Para Ngunga , trata-se de uma questão de "injustiça social": colocar no mesmo patamar e nas mesmas condições de ensino e aprendizagem crianças que têm o português como língua materna e outras que têm, como primeira língua, as nacionais.
"A gente tem situações em que encontra um jovem, com a 12.ª classe, que começou a perceber bem a língua portuguesa no fim desta classe. E a gente reclama, mas como é que ele haveria de saber", questiona o académico.
Para o responsável, o ensino bilingue em Moçambique devia estender-se até ao nível secundário, contrariando a situação atual, em que se cinge aos alunos do primário.
"Não temos professores [para ensinar em modelo bilingue] porque não queremos formar, não queremos ter os professores (...) Temos de formar as pessoas para que possam responder às exigências do sistema de educação, um sistema que está para servir a todos", acrescentou.
O académico entende ainda que a expansão do ensino bilingue para mais escolas depende da vontade política do Governo.
"Isso passa por colocar as línguas na escola com o mesmo estatuto, com o mesmo nível", concluiu o académico.
O governo moçambicano indicou em 2019 que pretende que mais de cinco milhões de alunos estudem em português e numa língua nativa até 2029, no âmbito da Estratégia de Educação Inclusiva.
No ano passado, o país tinha um somatório de 2.894 escolas que usam a modalidade bilingue no processo de ensino, beneficiando um total de 886.998 alunos em Moçambique, de acordo com dados divulgados pelo Governo no início do ano letivo 2024.
Além de docente de linguística na UEM, a mais antiga do país, entre outras funções, Armindo Ngunga já foi Secretário do Estado para a província de Cabo Delgado, vice-ministro da Educação, Presidente do Conselho de Administração da Agência do Desenvolvimento Integrado do Norte.
PYME // VM
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