Os onze candidatos distribuem-se em três grupos previsíveis: os indefectíveis marxistas, que de tanto analisar a História não conseguem perceber que a História já vai quilómetros à frente, os políticos “mais-do-mesmo” que de tanto querer agradar não satisfazem ninguém, e o grupo de uma mulher só, que se destaca porque é tão esperta, mas tão esperta, que consegue "embalar" [ou branquear] o fascismo numa canção para enganar os desavisados.

Ou seja, destrinçando as minudências intelectuais que os franceses tanto apreciam, ou não muda nada e fica tudo na mesma porca miséria, ou muda tudo e o Ocidente implode no nacionalismo que já deu várias guerras e nenhuma satisfação.

Do lado da esquerda surreal, que felizmente não tem hipóteses, temos Jean Lassalle, cujo maior feito consistiu em estar 39 dias sem comer – o que não deixa de ser útil nos tempos que correm; um operário, Filipe Poutou, cuja única novidade está no nome do partido – Novos Anticapitalistas – e que é tão contra o sistema que até se recusou a ser fotografado com os outros candidatos; e a típica professora trotskista da Luta Operária, Nathalie Arthaud, que insiste no mantra da “proibição de despedimentos, ponto final” como solução económica para erradicar a “opressão dos trabalhadores”.

E há o grupo dos “ons” – Macron, Fillon, Menechon, Dupont – que, mais à esquerda ou mais à direita, fazem lembrar sobretudo Hillary Clinton. Ou seja, dizem o que for preciso para ganhar votos, desde que suficientemente vago para não os comprometer com nada de concreto. Fillon, por exemplo, tem a originalidade de se ver envolvido num escândalo de corrupção antes de ser votado, o que parece não o perturbar minimamente.

Mas o “on” mais notável é Emmanuel Macron, da “direita moderada” (ah! estas etiquetas...), não porque tenha propostas originais mas porque é o único em condições de derrotar a feroz Le Pen na segunda volta das eleições. Frase sintomática: “É essencial investir no treino continuado daqueles que procuram emprego.” De uma originalidade sufocante, portanto.

Ou seja, já que inevitavelmente vai ganhar a direita, pelo menos que ganhe uma direita em que a esquerda conseguirá votar, para evitar o pior.

Também Nicolas Dupont-Aignan merece uma menção, pelo singelo facto de considerar Le Pen uma moderada. O seu partido, que dá pelo sintomático nome de “Debout La France”, alinha, como já devem ter adivinhado, com o UKIP de Nicolas Farage e com o “América First” [América Primeiro] de Trump.

E há a Le Pen, evidentemente. Corre numa classe à parte, porque é a única que, tal como Trump, compreendeu que a velha antítese deixou de contar para as eleições: “Já não existe esquerda e direita mas sim patriotas ou globalistas”. Vivemos num mundo global, em que a globalização se mostrou mais castigadora do que o “capitalismo selvagem” do antigamente. Por isso, os que dantes votavam à esquerda, agora votam no nacionalismo, no isolacionismo, nas teses medievais de fieis contra infiéis.

Marine é, sem dúvida, a única política “pós-política” destas eleições francesas e, por isso, tal como Trump ou como o Brexit, tem na mão os desiludidos da vida. A líder da Frente Nacional segue na frente nas sondagens da primeira volta, a par de Macron. Se ganhasse a segunda – ou seja, se a esquerda não comesse o sapo de votar Macron, o mestre dos lugares comuns – a União Europeia (UE) acabava ainda mais cedo do que se espera. Jogando habilmente com os medos do desemprego pela concorrência estrangeira e do terrorismo islâmico, Le Pen torna as questões da injustiça capitalista irrelevantes. A sua proposta mais aterradora é a saída da França da UE, que não resistiria a perder a sua terceira economia e ter um território barricado no seu centro geográfico.

Apesar de estar a par de Macron nas intenções de voto na primeira volta, as sondagens mais recentes mostram que perde se defrontar o líder do movimento "En Marche!" (61% Macron; 39% Le Pen). Não vamos comparar estas sondagens com as sondagens pré-eleitorais nos Estados Unidos ou pré-referendo no Reino Unido. Não vamos, porque queremos dormir descansados. Mesmo com dirigentes do calibre dos onze franceses que se apresentaram ontem, a Europa continua a ser a melhor ideia à venda no mercado.