A Europa está em dificuldades – não é preciso ser jornalista, nem achista, nem sequer estar muito informado para perceber que o projecto da UE está debaixo de fogo – ele é o Brexit, ele são os nacionalistas, tipo Salvini em Itália ou Orbán na Hungria, eles são os imigrantes perturbados e perturbadores, ele são os líderes de fora do Continente, como Trump ou Xi Jinping – muita gente, grande e pequena, que não está nada interessada no sonho começado em 1957 por Schuman, Adenauer, Spaak, Faure e outros tantos esquecidos pela História.
Para resumir uma longa epopeia, cheia de altos e baixos, nos últimos anos o eixo central do poder europeu tem andado entre Paris e Berlim desde o famoso – e também quase esquecido – Tratado do Eliseu, assinado por de Gaulle e Adenauer em 22 de Janeiro de 1963. Os acordos do documento, de cooperação em política estrangeira, economia, integração militar e intercâmbio de ensino, não foram tão importantes – importantes que foram – como a reversão radical da secular inimizade franco-germânica numa cooperação amigável. Posteriormente, sobretudo a partir da era Kohl-Chirac, formou-se uma palpável cumplicidade entre a França e a Alemanha, que muito irritou os outros países mas que, indubitavelmente, tem representado o fio condutor da unidade europeia.
Essa unidade anda tremida pelas ameaças acima afloradas – outras ameaças há, obviamente – e os actuais líderes dos dois países, eles mesmos afligidos com problemas próprios (a contestação em França, o desequilíbrio político na Alemanha, a imigração nos dois), resolveram que era a altura de reavivar a amizade mais sólida no meio da cacofonia geral.
Assim, esta segunda-feira o Presidente francês a e Chanceler alemã reuniram-se na cidade de Aachen, para elaborar um documento optimisticamente chamado Orly 2. Aachen não foi escolhida por acaso; chamada Aix-la-Chapelle pelos franceses, foi a capital do império de Carlos Magno, um território relativamente estável que incluiu as duas nações de hoje.
Agora, que o terceiro país mais importante da UE, o Reino Unido, está em vias de bater com a porta, torna-se essencial que o primeiro e o segundo mostrem que estão juntos. E fazem-no numa altura em que por acaso até estão num mau momento da sua relação. Os planos europeus de Macron, como o novo orçamento para a Eurozona não têm encontrado grande eco em Berlim. A união bancária também não teve acolhimento favorável dos alemães. Por outro lado, a França anda irritada com a redução de despesa comunitária que Merkel gostaria de instituir e a Alemanha está em risco de recessão. E Macron nada fez para ajudar a Chanceler com o problema dos imigrantes, enquanto tenta mudar o equilíbrio partidário no Parlamento Europeu, o que seria mau para os Cristãos Democratas alemães.
Apesar de todas estas nuvens, há que mostrar o brilho do sol no continente tão açoitado por tempestades. E assim, com muitos abraços e sorrisos, o encontro de Aachen produziu um pouco mais do que a oportunidade de boas fotos de família. É evidente que há interesses comuns, o primeiro dos quais é salvar a UE da desintegração, e isso só será possível se a amizade Paris-Berlim estiver acima de qualquer dúvida. Assim, Merkel e Macron assinaram um texto que, apesar das redundâncias em relação ao que já está acordado, tem o mérito de mostrar vontade. É o caso, por exemplo, da assistência militar em caso de guerra ou de crise, provisões já cobertas pela NATO e pelos tratados da própria UE. Outra provisão, a criação de uma zona económica franco-alemã, não é nada de novo, mas fica sempre bem reforçar. Quanto à ideia de criar um Conselho de Sábios Franco-Alemão para a criação de uma cultura económica europeia comum, parece simultaneamente um idealismo lírico e motivo de irritação para os outros países europeus com pretensões, como Itália ou Espanha – mas não é uma má ideia e, como provavelmente não sairá do papel, acabará por não ferir susceptibilidades.
O primeiro tratado de Orly mostrou em 1963 que havia uma efectiva reconciliação entre a França e a Alemanha. Este Orly 2, cinquenta e seis anos depois, mostra que os dois países estão realmente interessados em que essa reconciliação perdure e esperançados que a boa vontade se espalhe pelos outros membros. Há propostas inéditas que, se resultarem, podem ser mais do que simbólicas – como, por exemplo, que um ministro de um dos países participe durante três meses no conselho de ministro do outro país. Esta miscigenação incluirá outros altos funcionários. Há diferenças importantes que não se resolveram, como a fabricação de um caça franco-germânico, que Heiko Maas (o Ministro de Negócios Estrangeiros alemão) vê com muito menos entusiasmo que Guillaume Faury, o futuro director da Airbus.
Pormenores. No num ambiente cheio de más notícias, o encontro de Aachen é um alívio para os que acreditam que a União Europeia tem um futuro, mesmo que ele passe pela liderança de dois países mais iguais do que os outros.
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