Os ministros indicados para as áreas económicas - Mário Centeno nas Finanças, Manuel Caldeira Cabral na Economia, Vieira da Silva na Segurança Social, Pedro Marques nas Obras Públicas, Maria Manuel Leitão Marques na Modernização Administrativa, Capoulas Santos na Agricultura - são sólidos, com as ideias arrumadas e, em vários casos, com provas dadas noutros governos.

Mas, porque continuamos a viver tempos invulgares nas prioridades da governação, entre todos quero destacar Mário Centeno. É dele que vai depender, em grande parte, o sucesso ou insucesso da governação.

Este não é mais um governo, na linha dos que se sucederam nas últimas décadas. Não é apenas mais um governo socialista, com as suas virtudes e defeitos, depois de um governo da direita. Este é um governo refém do apoio permanente e expresso de dois partidos que na sua matriz ideológica e programática têm como objectivo a mudança de regime económico, de uma economia de mercado para uma economia controlada pelo Estado.

Isso faz toda a diferença e não é preciso ser dotado de poderes adivinhatórios para antecipar que é dessa tensões entre duas formas radicalmente diferentes de olhar para a economia e para o papel do Estado que virão as maiores dificuldades para os governantes e para o país.

Mário Centeno estará na primeira linha dessa disputa e é sobre ele que vai recair o encargo de fazer as quadraturas do círculo necessárias para acomodar dentro de um orçamento que cumpra as metas europeias as propostas vindas de quem defende que essas metas europeias não deviam ser cumpridas.

Não vai ser fácil, como já se percebeu pelo arranjo que foi necessário para fazer o acordo com o PCP e o BE. Para acomodar o aumento de despesa das medidas exigidas pelos dois partidos mais à esquerda - sobretudo a antecipação do levantamento de medidas de austeridade que, no programa socialista, deviam ocorrer de forma mais faseada - Centeno teve que abdicar de uma medida emblemática no seu plano económico e financeiro: a descida generalizada da Taxa Social Única para a generalidade dos trabalhadores.

Os orçamentos exigem que as contas sejam realistas e batam certo, de preferência causando os menores danos possíveis para a economia. Em cima disto, os governos ainda querem fazê-los populares: com distribuição de mais despesa e com menos cobrança de impostos. Actualmente, querer fazer o pleno disto tudo é uma impossibilidade política e aritmética.

Mas se fazer orçamentos já é difícil e obriga a decisões duras, pior é executá-os e corrigi-los ao longo do ano. Porque é certo que os desvios vão sempre acontecer e, por regra, são por defeito e não por excesso.

Se o PS está mesmo determinado em cumprir aquilo com que se comprometeu e se aprendeu alguma coisa com a sua governação passada, tem que instaurar uma “ditadura das Finanças”. O contexto orçamental já o exigiria mas a natureza dos parceiros de governação obrigam a reforçar o poder do ministro das Finanças. E este tem que ter toda a determinação no uso desse poder.

Não foi por acaso que José Sócrates acabou de relações cortadas com o seu ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que responsavelmente colocou o país à frente dos interesses conjunturais do Governo e do PS e forçou o pedido de ajuda externa. Também não foi uma coincidência que no anterior governo Vítor Gaspar tenha saído a meio do mandato e que a maior crise da coligação tenha ocorrido por causa da política orçamental e da nomeação de Maria Luís Albuquerque em sua substituição.

Mário Centeno é tecnicamente sólido e sabe fazer contas. Tem uma abordagem às contas públicas diferente da do governo PSD/CDS mas isso não faz dele um delinquente fiscal. Aliás, se hoje podemos olhar para a política orçamental e perceber alguma margem de manobra para fazer um pouco diferente é porque alguém já fez o trabalho mais “sujo” nos últimos anos, aquele que ninguém gosta de fazer mas que muitas vezes não tem alternativa.

Mas o imperativo de um controlo férreo das contas mantém-se e não será uma boa notícia no dia em que esse fusível queimar. Se queimar.

Outras leituras

A Amazon também já é uma empresa de televisão. Das novas, como a Netflix. Para promover uma série espalhou símbolos nazis em Nova Iorque. Claro que causou polémica. Claro que era isso que a Amazom pretendia.

Há coisas que só valorizamos devidamente quando as perdemos. A saúde é uma delas. A liberdade é outra. E a tolerância também está nessa lista. Nestes tempos de chumbo é bom que a saibamos manter e valorizar.