José Mourinho continua a ser o “melhor treinador” - defende Rui Vitória. Haverá critérios técnicos insondáveis que justifiquem essa asserção, talvez os mesmos critérios que ainda justificam Rui Vitória no Benfica. O meu crivo é outro: se o Mourinho de 2018 aterrasse em Lisboa, será que interrompiam uma entrevista em curso ao Santana Lopes de 2007? Supondo-se que não, questiono seriamente o epíteto de “melhor” treinador.

E se fosse o Mourinho de 2018 a chegar durante uma entrevista ao Santana Lopes de 2018? Neste cenário, a não interrupção teria contornos ainda mais drásticos. Um “Special One” incapaz de roubar tempo de antena ao “not so special anymore” do Partido Aliança, permanece assim tão especial? Ao dar-se este episódio, a grande dúvida para a carreira futura de Mourinho passaria a ser qual o patrocínio do seu boné nas conferências de imprensa (os amigos pacenses não se sintam amesquinhados; estou seguro de que há mais clubes a usar a estratégia do sponsoring achapelado).

Nos tempos áureos no Chelsea, José Mourinho chegou a referir George Clooney como o actor ideal para retratá-lo no cinema. A escolha pode parecer estranha, tendo em conta que Clooney é um par de anos mais velho que Mourinho, e que uma biografia cinematográfica, à partida, cobriria sempre períodos de maior juventude do treinador (o que requereria muita maquilhagem na meia-idade do Clooney). Mas, tenho de admitir que o casting não é descabido. Faz sentido que, ali em meados da década passada, o grisalho-precoce mais charmoso do futebol inglês se equiparasse ao grisalho-precoce mais charmoso do cinema mundial. Agora que os cabelos brancos do português já não são precoces, e que o desaire profissional desafia qualquer charme, talvez a Mourinho restasse um Diogo Infante cabisbaixo, ou um Luís Esparteiro emperucado.

Ainda sobre cinema, lembrei-me do Manoel de Oliveira – o mais consagrado dos nossos cineastas cabe nesta crónica sobre o mais consagrado dos nossos treinadores. Há a mania de pensar-se em Oliveira como um realizador enfadonho – e esse equívoco é normalmente propagado por quem nunca lhe seguiu a carreira. Com Mourinho, temos o inverso: há a mania de não se pensar que ele é um treinador enfadonho, e só quem lhe tem ignorado a carreira recente é que cai em tal esparrela. À partida, nunca haverá nada de errado em levar-se contenção e aborrecimento para as tácticas de um jogo de futebol, mas o Mourinho (e o Manoel) são a prova de que Portugal é dos países mais inconscientes no capítulo dos bocejos.

Acreditem que a única crueldade deste texto reside no tipo de escrita a que me concedi, como se uma rotina estafada de stand-up se tratasse. A crueldade não está em bater no Mourinho numa semana em que ele se encontra em baixo; basta olhar para os últimos meses do treinador - as atitudes explosivas, os papos nos olhos, a vida anacoreta, o desdém dos seus jogadores, o desapoio institucional - para perceber que esta não é particularmente a semana em que Mourinho se encontra em baixo. Creio até que a semana lhe tresanda a liberdade (e a indemnização avultada).

No fundo, o meu texto vem com o seu quê de terapêutico. Um texto de inoculação. A Mourinho não faltava humildade, faltava humilhação. Foi fanfarrão, arrogante, bully, poço de deselegância, e não há cura para tais maleitas quando se está acobertado por esta condição: ser-se o melhor do mundo. Em tempos, não só Mourinho foi o melhor do mundo como, ainda por cima, estava bafejado pela confiança dos que sabem bem o que são. Há que aproveitar a dúvida, estes momentos de mortalidade, não para bater no ceguinho, mas para surrar o mourinho. Aproveitar para uma moção de censura em jeito de voto de confiança.

José, estou aqui a vaiar-te porque torço por ti. Volta a ser o excitante Mourinho do Leiria, o intratável vitorioso do Porto, ou até o timoneiro por quem os jogadores do Inter de Milão estavam dispostos a morrer. Volta mesmo a ser o escudeiro linguístico dum Bobby Robson. Volta até a perder a cadeira vermelha para sebastianismos em torno do Toni, ou a ganhar sebastianismos que levantem Santana Lopes da cadeira. Mas, por toda a estima que te tenho, não dês a volta por cima. Volta por baixo, rumo ao topo.

Este não é um top 3 de Mourinho na net, mas podia

Anda meio mundo a partilhar esta pequena maravilha. Também quero. Mou e Moz.

A minha história de amor preferida é aquela do arrogante e do caceteiro.

“Airports and broken hearts”, cantava o português Luís Nunes (AKA Benjamim)