Há meia dúzia de dias, quando me preparava para deixar o hotel onde estava hospedada em Braga, passou um pequenote com cinco anos no máximo e, apontando na direcção do céu, exclamou: “Olha, está ali a bandeira de Portugal. E a azul, de onde é?”, perguntou aos pais. O pai, uns metro à frente, nem ligou. Como teimava, foi a mãe a responder: “É da União Europeia”. Curiosa, a criança insistiu: “E porque é que está ali?” “Porque Portugal está na União Europeia”, tornou a mãe à sétima investida do miúdo. Fiquei a pensar no que acontece entre este tempo em que ansiamos conhecer tudo o que nos rodeia e mais além e aquele em que não queremos saber de nada e imergimos na apatia. Talvez a culpa esteja na impaciência das respostas.

As eleições para o Parlamento Europeu estão aí e não se fala de política europeia. Os debates televisivos são medonhos e pouco esclarecedores, uma gritaria infernal. Fora deles, os cabeças-de-lista de cada partido optam pela trica e pela política doméstica - o mais longe que viajam é até aos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, ainda assim para andar para trás, num chorrilho de acusações mútuas. E ficamos reduzidos a coisa nenhuma, quando é na União Europeia que se decide uma boa parte da vida dos cidadãos. Depois, queixem-se da abstenção.

O último Eurobarómetro mostra que apenas 17% dos eleitores portugueses diz ser “extremamente provável” votar nestas eleições - alguns especialistas independentes europeus falam numa taxa de participação global ainda mais baixa: 14%. Em Portugal, e no caso dos jovens, apenas 3% prometem votar. Portugal está, ex aequo com a Croácia, na lista dos três países com mais a baixa expectativa de participação eleitoral - à sua frente apenas a República Checa (10%) e a Itália (16%). Pudera.

As pessoas não vão votar porque, dizem, “nada muda”. Não sou eu que digo, é o inquérito, feito com base em entrevistas presenciais a 27 973 cidadãos dos 28 Estados-membros (1004 portugueses). A segunda razão apresentada para não ir às urnas é falta de confiança no sistema e, logo depois, a indiferença, ou seja, “nenhuma razão”. É impossível dissociar estas respostas do comportamento político a que vimos assistindo, que me parece completamente irresponsável.

O mais engraçado é que uma maioria dos portugueses acredita que a voz do seu país conta na União Europeia. O ano de 2019 é crítico e cheio de transformações, não é um ano para brincadeiras. Há exactamente um ano, a Comissão Europeia apresentou a sua proposta para o orçamento de longo prazo da UE para o período de 2021-2027: 1 135 mil milhões de euros (mais de um bilião). O objetivo é centrar-se nos desafios da União - crescimento económico, desemprego, ambiente (25% do orçamento poderá ir para objetivos climáticos) - migrações e terrorismo - e assegurar recursos a uma Europa que deve proteger, capacitar e defender. Os portugueses deviam querer estar presentes neste debate.

Sabe-se hoje, através de alguns estudos, que os governos tendem a perder votos nas eleições europeias, sobretudo quando estão em final de mandato. E também que a altura é favorável ao aparecimento de novos partidos - e o voto beneficia os pequenos partidos. Da mesma forma que se sabe que os discursos dos partidos têm uma influência decisiva sobre o eleitorado. No entanto, a abstenção tem vindo a subir sistematicamente, o que significa que os partidos vão buscar votos não à abstenção, mas aos partidos tradicionais, ou seja, a quem já vota.

Há actualmente em Portugal 24 partidos registados no Tribunal Constitucional, 17 são candidatos às eleições parlamentares europeias. Dezassete. O SAPO24 tem publicado e vai continuar a publicar no seu Especial Europa entrevistas com todos os cabeças-de-lista, na tentativa de dar a conhecer a visão de cada um sobre a União Europeia. Não sei se devia dizer isto, e não vou obviamente revelar o meu voto, nem passado nem futuro, mas estas conversas alteraram o meu sentido de voto. O que posso e devo dizer é que estas entrevistas foram feitas longe do ruído da campanha, a grandes e a pequenos - outra imensa asneira que se deve à lei da cobertura das eleições e à falta de senso dos partidos com assento parlamentar, em especial ao PS, que não reviu uma lei que cria diversas divisões (agora, ligas) e bloqueia ou no mínimo dificulta o acesso dos novos ao campeonato principal.

Será, infelizmente, no meio deste deboche eleitoral - e num momento em que o grande tema é a liberdade de escolha - que vamos perceber que país somos: uma sociedade madura em termos democráticos ou tão velha que sucumbe de podre.

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