Já houve guerras que duraram 100 anos (1568-1648 entre Holanda e Espanha), 80 anos (1337-1453 entre França e Inglaterra), 30 anos (1618-1648 entre católicos e protestantes), duas de 20 anos (1955-75 entre norte-americanos e norte-vietnamitas, e 2001-2021 entre norte-americanos e afegãos) e depois milhares de outras, algumas curtas e muito fatais, como a II Guerra Mundial (1939-1945, 75 milhões de mortos) e mais outras de todas as intensidades. Mas agora estamos, finalmente, numa “Forever War”, sem fim à vista, por mais longe que se olhe.

Há quem lhe chame “Israel/Hamas” - seria mais preciso chamar-lhe “Netanyahu/Hamas” ou “Israel/Irão” , mas o nome mais correto, analisando a situação com o passar do tempo, é a “Guerra Judaico-Muçulmana”. Ao contrário das outras, que tinham objectivos realizáveis (embora, evidentemente, o lado perdedor não os realizasse) esta tem um fim impossível de atingir - um beligerante obliterar completamente o outro - pelo que não é preciso ser bruxo para prognosticar que se irá prolongar para sempre.

Sim, eventualmente poderá haver acordos de paz (ou cessar-fogo, como nas coreias Norte e Sul, que continuam em guerra) mas paz no sentido absoluto, “matámos todos e podemos voltar para casa”, é impossível. O que se espera neste momento, aliás sempre se esperou, é que haja um acordo em que sobrevivam gregos e troianos, sempre de cacete em riste mas sem cacetadas.

Estabelecido o cenário de fundo, vamos agora aos pormenores, porque a situação é eterna, mas dinâmica, como o Cosmos onde nos inserimos.

Do lado israelita, é habitual atribuir as culpas da continuação do conflito a Netanyahu, que quer acabar com os poderes muçulmanos, a começar pelo Hamas e a acabar com o Irão, passando por todos os homens, mulheres e crianças que se atravessem no caminho. Mas isso não é verdade. O principal, senão único, objectivo dele é escapar à pena de prisão por corrupção a que foi condenado, e que entra em acção assim que perder o lugar de primeiro-ministro. Esse objectivo mesquinho não é nada, comparado com os dos integrantes racistas da maioria parlamentar de que ele precisa , e que inclui verdadeiros genocidas, como Itamar Ben-Gvir (Ministro da Segurança Nacional) e Bezalel Smotrich (Ministro das Finanças), entre outros, cujos partidos querem simplesmente eliminar fisicamente todos os muçulmanos. Mesmo fora desses partidos, entre os judeus ortodoxos (hassidim) e os colonos, há milhares de israelitas que acham que essa é a solução final para os seus problemas.

Do lado muçulmano também não faltam genocidas, que incluem as chefias e muitos militantes do Hamas, do Hezbolah, dos Houtis, dos egípcios e do Irão. (Entre outros; não há nenhum país muçulmano que não queira cremar todos os judeus, embora alguns tenham uma política oficial mais suave ou, se quisermos, mais pragmática.)

Como todos sabemos - e não vou entrar em pormenores, porque isto não é um livro de História - desde a fundação de Israel que os países muçulmanos querem destruir o país. Logo que foi declarada a independência, em 1948, o Egipto, Jordânia, Iraque, Síria e Líbano invadiram o território, na chamada Guerra da Independência, ou Nakba. Seguiram-se guerras em 1949, 1956, 1967, 1973 e 1982. O Irão não interveio em nenhuma delas porque fez a sua revolução teocrática radical em 1978-79 e ainda não estava preparado para ser a força expansiva regional em que se viria a tornar depois.
Em todas as guerras, Israel ganhou, e em cada uma delas aumentou o seu território vital, que acabou por incluir Jerusalém, os Montes Golan, na Síria, partes da Transjordânia, na Jordânia, a faixa de Gaza e a Península do Sinai (que depois devolveu ao Egipto). Ou seja, estava a caminho do território da Israel bíblica que considerava seu destino reconstituir.

Em 1982, num volte-face histórico, os muçulmanos, vendo que era impossível derrotar os israelitas, entraram em negociações para a situação que ficou para a História como a “Solução dos Dois Estados”. Para esta nova política foram fundamentais várias pessoas: Shimon Peres e Ytzhak Rabin, primeiros ministros de Israel, Mahmoud Abbas e Yasser Harafat, lideres da Organização de Libertação da Palestina (PLO, fundada em 1964) e Anwar Sadat, Presidente do Egipto.

Nos famosos “Acordo de Camp David,” em 1978 e “Acordo de Oslo”, em 1993, sob a orientação do Presidente norte-americano Bill Clinton, as partes acordaram na retirada de Israel de alguns territórios, na criação de um proto-estado palestiniano na Cisjordânia e em Gaza, a partilha de Jerusalém e outros pormenores de estabelecimento de comunidades palestinianas e israelitas.

O acordo, que teve aprovação na ONU, radicalizou a opinião pública israelita; a direita não concordava com a solução dos Dois Estados nem com as outras “cedências” à Autoridade Palestiniana. Também entre os palestinianos havia opiniões muito diferentes; uma parte continuava a recusar a existência de Israel e pugnava por uma “guerra santa” de extermínio.

Então, quando tudo parecia encaminhado para a implementação do Acordo de Oslo, deu-se uma reviravolta. Em 1981 o presidente egípcio Sadat foi assinado pela Jihad Islâmica, que se opunha ao acordo. Em 1994 Arafat morreu, dizem que envenenado. Em 1995, Rabin foi assassinado por um radical de direita israelita. Com os três protagonistas dos acordos eliminados, os movimentos radicais dos três países começaram a desmantelar o acordado. No Egipto, o novo presidente, Hosni Mubarak, era hostil a tratos com Israel. A OLP passou para a mão de Mahmoud Abbas, um líder fraco que a maioria dos palestinianos não respeitava. Nas eleições em Gaza em 2006 ganhou o novo partido palestiniano radical, o Hamas, (fundado em 1987), que rapidamente liquidou o que restava da OLP na faixa e declarou a intenção de destruír Israel. Não o podendo fazer, lançava regularmente rockets caseiros contra os colonatos israelitas.

Em 2005, sendo primeiro ministro Ariel Sharon, Israel abandonou a faixa de Gaza - retirou a tropa e fechou os colonatos. Tratou-se de uma manobra de realinhamento estratégico, porque a sua presença na área era frágil e impossível de defender. O que não apaziguou o Hamas, que continuou a lançar rockets, agora com tecnologia iraniana.

Há várias teorias sobre a tomada do poder em Gaza pelo Hamas e o desaparecimento da OLP (reduzida a áreas da Transjordânia). A mais provável é que Benjamin Netanyahu, que entretanto subira ao poder em 1996, numa coligação de extrema direita (depois do assassinato de Rabin), queria dar força ao Hamas para enfraquecer a OLP e tornar impossível a criação dum estado unificado palestiniano.

Simultaneamente, a situação geral em volta de Israel também mudou. No Líbano, como resultado de uma incursão israelita, nasceu o Hezbollah, em 1982, um movimento tão radical como o Hamas e igualmente disposto a eliminar os judeus. E o Irão, onde o poder dos ayatollahs já estava consolidado, começou a exportar a sua guerra santa anti-israelita e anti-norte-americana para o Líbano, Síria e Iraque.

Diferente dos movimentos “de libertação” que patrocinava, o Irão é uma potência nacional com enormes recursos, estando inclusivamente a desenvolver uma bomba atómica. A sua estratégia passou a ser, até hoje, atacar Israel através desses “proxies”. Actualmente não há nenhuma dúvida de que é o Irão o mais poderoso inimigo dos judeus, que considera “lacaios” do “grande demónio”, os Estados Unidos.

É neste cenário que se dá o ataque do Hamas ao sul de Israel, a 7 de Outubro de 2023, matando 1.200 israelitas e fazendo 251 reféns. Até hoje há várias teorias sobre o sucesso desta incursão, que apanhou os israelitas completamente desprevenidos. Parece impossível que os serviços secretos israelitas, os melhores do mundo, não o tenham previsto, o que leva a pensar que pode ter sido Netanyahu que deliberadamente deixou que acontecesse, para ter uma justificação para atacar o Hamas e manter-se no poder.

Logo a seguir à incursão do Hamas, o Hezbollah adoptou uma política chamada “#Gaza Support Front”, lançando foguetes e drones a instalações militares e aldeias no Norte de Israel. A ideia era dividir as forças militares israelitas (IDF), enfraquece-las e tornar a resposta ao ataque do Hamas mais difícil.

Israel retaliou imediatamente e essa resposta tem vindo a crescer na proporção dos ataques do Hezbollah, que obrigou à evacuação de território israelita a Norte. Tudo isto abertamente feito por incitamento e com auxílio tático e material do Irão.

Mas Israel não só não abrandou os ataques à faixa de Gaza - onde as baixas entre civis aumentam diariamente e já vão nas dezenas de milhares - como iniciou uma campanha dentro do Líbano. (Convém recordar que o Líbano, sendo oficialmente um país independente, está nas mãos do Hezbollah).

Nem o Hamas, nem o Hezbollah, ou o Irão imaginavam que Israel mantivesse uma campanha contínua a longo prazo nas duas frentes, recusando todas as propostas de paz - propostas essas que vêm de toda a parte, inclusive do grande aliado e apoiante do país, os Estados Unidos.

Convém aqui incluir um parêntesis sobre a posição norte-americana. Como é sabido, a sobrevivência de Israel depende, em última análise, dos americanos, o que aliás lhes tem custado (a eles, americanos) inúmeros problemas internos e internacionais. A vida dos políticos norte-americanos, a qualquer nível, depende do apoio declarado a Israel, uma vez que o lobi israelita é extremamente poderoso. Mas também há um lobi pró-palestiano muito forte, o que os obriga a navegar em águas traiçoeiras, sobretudo agora, que precisam do apoio de ambos para ganhar as eleições (presidenciais e parlamentares) de 5 de Novembro. Fazem pressão sobre Netanyahu para que cesse as hostilidades, mas não deixam de fornecer todas as armas e financiamento de que o país precisa. Externamente, o apoio a Israel custa-lhes o ódio declarado dos países muçulmanos e as críticas de todos os outros, mas não podem descartar o único aliado que possuem na região. Israel é um problema que bem dispensariam, mas não conseguem evitar e tentam resolvê-lo apresentando sucessivas propostas de mediação e de paz, todas condenadas ao fracasso.

Todos insistem para que Netanyahu faça um acordo com os seus inimigos, mas o primeiro-ministro e os radicais do seu governo declaram abertamente que só irão parar as hostilidades com uma vitória total - a tal impossibilidade que para eles é uma sobrevivência no poder, enquanto puderem manter a ofensiva.

E essa ofensiva tem sido muito bem sucedida, não só no plano militar tradicional com com o uso de métodos “criativos”, como a recente sabotagem dos “pagers” dos militantes do Hamas.

Além disso, nas últimas semanas Israel conseguiu duas operações espetaculares: assassinou vários líderes do Hezbollah, incluindo o chefe supremo e guru da organização, Hassan Nasrallah, e o líder militar do Hamas, Yahya Sinwar.

Sinwar, que foi o arquiteto do ataque de 7 de Setembro, é uma baixa particularmente importante, dado o seu longo historial militar e intransigência quanto a negociações com Tel Aviv.

A sua morte provocou uma nova série de propostas para o fim da guerra. Se, por um lado, há o receio de que o Hamas assassine os reféns que ainda tem em seu poder (cerca de 100) como vingança, por outro, a eliminação do principal opositor a um acordo do lado palestiniano pode abrir uma porta para negociações. Pode, não, poderia; porque Netanyahu continua decidido a lutar até à “vitória final”.

Não faltam sugestões de como a guerra poderia acabar, ou pelo menos como se poderia chegar a um cessar fogo permanente. Tanto o Governo de Biden como as famílias dos reféns acham que a morte do radical Sinwar permitirá mais facilmente um acordo, esquecendo-se que o outro radical, Netanyahu continua bem vivo.

A lista dos proponentes de um acordo é impressionante: Antony Blinken (ministro dos Negócios Estrangeiros dos Estados Unidos), Príncipe Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, Abdel Fattah el-Sisi, Presidente do Egipto, e o Emir Mohammed bin Zayed, dos Emirados Árabes Unidos.

A ideia é que o Presidente da PLO, que governa a Cisjordânia, concorde em nomear o economista Salam Fayyad, altamente cotado e considerado incorruptível, como novo Primeiro Ministro duma Palestina que inclua a Cisjordânia e Gaza, dirigindo um gabinete tecnocrático que afaste de vez o Hamas, elimine a corrupção, crie uma força de segurança e melhore a governação do território. Eventualmente pode criar-se uma força das Nações Unidas durante um período de transição. Os fundos para reconstruir Gaza seriam fornecidos pela Arábia Saudita, os Emirados e estados do Golfo e a Europa.

Parece uma excelente ideia, mas é apenas a última de muitas excelentes ideias que já foram congeminadas para a região. Enquanto o atual Governo de Israel estiver no poder, a única excelente ideia que Netanyahu, Bem Givir, os radicais e os colonos aceitam é a destruição de qualquer estrutura dirigida por muçulmanos.

E também há que contar com o Irão, que não vê a paz como seu interesse.

Ou seja, mudou muita coisa desde 1948, mas continua tudo na mesma.