Arranjar 5 pessoas, ou múltiplos (tipo dez, quinze, vinte para quem ainda não passou a Matemática), para encher os carros. Malas cheias até à borda com roupa entre o “não vou levar isto porque é demasiado fixe para depois vir de lá tudo cagado, cheio de pedras, cheio de merda” e o “também não quero parecer um gandim só com roupa toda velha e sem estilo nenhum”, com o kit básico de higiene, que para muitos é 2 ou 3 toalhitas para passar no sovaco já só ao quarto dia de festival, e com uns quantos preservativos carregadinhos de fé, que tantas vezes voltam mais tristes do que foram. Tendas ainda com pó, migalhas e memórias do ano anterior. Sacos-cama com nódoas brancas. É ranho, só pode ser ranho, Deus queira que seja ranho porque perdi o meu saco-cama o ano passado e este é emprestado. O carro continua-se a encher com latas de atum, pacotes de massa e grades de minis. O dinheiro é curto e não é para gastar em comida, que cada garrafa de vodka ainda são 8€. Os 2€ que sobram do orçamento diário chegam bem para almoçar e jantar.

Vai tudo ao monte e em cima dos que vão atrás. Quando temos entre os quinze e os vinte e tais anos, levar uma ou duas grades ao colo durante 4 horas é mais fácil que pegar no comando da TV para mudar de canal depois dos 30. Com tudo aquilo que já vai no carro, sobra um restinho de espaço para oxigénio e o resto é preenchido por aquela tesaneira de estar vivo. E com tesão mesmo, que quando temos aquela idade “até o vento nos dá tesão”, já dizia um senhor muito antigo vizinho do meu amigo Pedro.

Chegar ao parque de campismo do recinto. Já não há lugar à sombra? ‘Sa foda. Dormir é sobrevalorizado. O que importa é que já cá estamos! Lindo! Abre essa! E abre-se a primeira lata nos tempos em que o vidro não podia entrar no campismo. Lembram-se? Chegar aos seguranças e estar ali de lado a despejar aquela gosma das salsichas, que é a mesma que é usada para  converter fetos com malformações congénitas em Museus da Ciência.

Mas tudo é bonito naqueles anos. Há uma bubadeira coletiva de cerveja cara, gin tónico quente e vodka felicidade que dura a semana toda. Somos imunes ao cansaço, as ressacas são curadas à base de atum e cerveja — e assim sucessivamente — até ao abraço de despedida e o trocar de números com a gatinha do acampamento ao lado, mas que provavelmente não vai dar em nada porque as SMS’s ainda são caríssimas. É tudo bonito, é tudo fácil. Passar horas a cantar e dançar nos concertos, beber o mundo inteiro como se fôssemos novos — e somos, e éramos, talvez seremos. Tropeçar em corpos e tendas à hora a que os pais estão a acordar, tapar-nos com tudo o que podemos porque está frio, para duas horas depois estarmos a acordar com o sol na tenda, a arfar como cães no deserto, todos suadões e pegajosos, e ainda abrir a tenda e tentar dormir mais meia horinha com a cabeça de fora a arejar, numa luta inglória que já só pede aquele banho frio em comunhão com tantos desconhecidos.

Já passou. Agora vim para Paredes de Coura, até com alguns amigos com quem já acampava na altura, para uma casinha com piscina, banho quente, camas boas e roupa lavada. Já dei para esse peditório de andar com pó até às virilhas e dormir em cima de calhaus que na altura parecia massagens com pedras quentes.

Não tenho saudades de viver os festivais assim, mas sei que já bebi tudo o que tinha para viver.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- Arcade Fire: Hoje em Paredes de Coura. Duvido muito que seja menos do que incrível.

- Sexus: Livro de Henry Miller. Ainda não acabei, mas estou a gostar muito da forma crua e despretensiosa como fala da sua vida boémia e algo errática.