Quando o ministro das finanças holandês, em março de 2020, disse que a Comissão Europeia devia investigar os países, como Espanha, que garantiam não ter margem orçamental para fazer face à crise motivada pela pandemia, António Costa não esteve com meias medidas. “Repugnante” foi o adjetivo escolhido para classificar as declarações de Wopke Hoekstra. Ontem, o governo apresentou um pacote de combate à inflação que podia ter sido ditado pelos tais tecnocratas austeritários que o primeiro-ministro, há escassos dois anos e meio, afirmava desprezar. Com a diferença de que, ao contrário de Espanha em 2020, Portugal tem agora suficiente margem orçamental para uma melhor resposta à crise do que a que quer dar. Afinal, António Costa também se contenta com meias medidas.

Não é isso, obviamente, que os setores socialistas pensam. Felizmente, o ministro das Finanças, Fernando Medina, negou a necessidade de um orçamento retificativo. É que, se o último foi considerado pelas figuras do PS como o "orçamento mais à esquerda de sempre", desta feita temo que muitos viessem a público jurar que se tratava do "orçamento retificativo mais à esquerda de sempre, da história, do Mundo e do Universo". Uma coisa é tomar medidas de esquerda, outra é tomar medidas tresloucadas. Por exemplo, a esquerdalha Alemanha vai taxar os lucros extraordinários das energéticas para financiar o plano de apoio às famílias. Sem surpresa, o pacote de medidas do responsável executivo português não inclui imposto sobre lucros inesperados. Inesperado seria um governo que há sete anos finge ter uma política redistributiva decretar um imposto sobre lucros inesperados.

Tem sido também criticado o valor de 125 euros, referente ao apoio directo que o Estado vai entregar aos contribuintes. Injustamente, claro. É preciso que as pessoas percebam uma coisa: quando um Estado injecta dinheiro diretamente nos agentes económicos a medida é comummente designada por "dinheiro de helicóptero". Ora, o governo não pode gastar mais dinheiro em aeronaves, pois torrou tudo na TAP. As críticas à insuficiência do apoio são, de certo modo, mesquinhas: 125 euros chegam perfeitamente para um jovem comprar uma passagem de avião para emigrar. Afinal de contas, é só um bilhete de ida.

Ainda assim, o melhor truque de todos é aquele que está a ser feito perante os pensionistas. "Oriente-se lá com mais uma metade da sua reforma, para não lhe aumentarmos como a lei manda daqui a uns meses - com efeitos para o resto da sua vida". Recorde-se que a memória de cortes nas pensões é possivelmente aquilo que tem mantido o PSD fora do poder na última década. E a verdade é que o governo de António Costa está a cortar nas pensões, fingindo que não está, recorrendo a um complexo truque de ilusionismo. É a auster-Houdini-dade. Vendo pelo lado positivo, isto vai promover a convergência com os países mais ricos da Europa. Os reformados portugueses vão finalmente viver o sonho dos reformados alemães: estar em Portugal em regime de meia pensão.