Ora, um amigo meu foi a uma entrevista de emprego. Não importa onde, nem sequer a área de trabalho (vá, é uma área criativa), ou até o grau da nossa amizade visto que há dias em que nem gosto muito dele. Mas lá foi ele, todo pimpão, cheio de ambição numa mão e uma bomba da asma na outra por causa dos nervos. Falámos pelo WhatsApp quando de lá saiu e não estava muito confiante, mas até lhe tinha corrido bem. Certo é que lhe ligaram dias mais tarde para lá voltar e lhe fazerem uma proposta de emprego. Afinal tinham gostado muito mais dele do que a impressão com que ele tinha ficado disso.
E lá veio a proposta: trabalho a tempo inteiro, daqueles em que trabalhar 9 ou 10 horas por dia é considerado normal, integrado numa equipa “super jovem, dinâmica, empreendedora, gourmet, trendy, edgy, brainstorming e nice”. Não sei se descreveram a equipa exactamente assim, mas até apostaria que sim, porque este pessoal gosta muito de cantar estas balelas convictamente como se o resto do mundo fosse um bando de pardais à solta.
Então e o resto da proposta? 200 euros mensais durante 3 meses com a excelente hipótese de o estágio se prolongar. Sei que vocês já devem estar a achar esta proposta o pináculo da benfeitoria empresarial e o sonho almofadado de qualquer estagiário. Compreendo, mas não concordo. Para mim, o ideal seria que, lá está, nem sequer houvesse estágios remunerados, principalmente quando vão para estas empresas trendy coiso chulling and explorating (isto existe? Não sei, mas fica na mesma).
Os estágios servem para os estagiários terem esse enorme privilégio que é poder oferecer todo o seu talento (é muito pouco precisamente por ser gente jovem e gente jovem é sempre estúpida e com pouco conhecimento) às quase-santidades que lhes concedem gratuitamente (juro, os estagiários nem têm de pagar) uma mesa, uma cadeira, um computador ligado à corrente e um copo de água de duas em duas horas.
Os estagiários, mesmo que um ao outro até tenha um talentozito muito pequenino, mesmo que até haja um mínimo empenho nas tarefas, mesmo que trabalhem horas a fio que nem crianças numa fábrica da Primark, têm de perceber que já é uma bênção não terem de pagar para estar ali a aprender tanto, a absorver tanta sabedoria das entidades divinas do mundo patronal.
Duzentos euros por mês ainda dá para o passe, canetas e um bloco de notas para usar no escritório e mais umas quantas sandes mistas (se comerem metade ao almoço e metade ao lanche só passam fome a partir de meio do mês e é um instante até receberem o próximo ordenado). Certo, mas não acho que faça sentido.
Para que os estagiários dessem valor à vida e agradecessem todos os dias ao acordar a sorte que é terem um escritório para onde ir, o ordenado devia ser mesmo 0 euros mas com mais regalias como: poder beijar os pés do patrão de meia em meia hora, enfiar um cacto no próprio rabo durante todo o horário de expediente às segundas-feiras (para os dias seguintes seguintes da semana saberem melhor), ter uma hora livre por dia para poder fazer de pousa-pés para colegas com mais antiguidade na casa, e até – caso tenham um desempenho profissional incrível (claro que dentro das suas capacidades paupérrimas de estagiário) – ser-lhes proposto um contrato vitalício na empresa a ganhar 75 euros por mês em senhas de refeição.
Fica a sugestão.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- BecaBeca: Novo espectáculo d’ Os Improváveis. É às quartas-feiras no Villaret, e na próxima vou estar a entrevistar o enorme Sérgio Godinho.
- O Caminho Imperfeito: É o último livro do José Luís Peixoto e é o que ando a ler agora. É um bonito relembrar da minha viagem à Tailândia através das palavras dele e dos desenhos do talentoso Hugo Makarov.
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